Acórdão nº 6/10.1TVPRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 11 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução11 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I ─ A..., SGPS, S.A.

veio intentar a presente acção declarativa, com processo comum, ordinário, de anulação de decisão arbitral, contra H..., Hospitais Portugueses, S.A, pedindo a anulação da identificada decisão do tribunal arbitral, constituído pelos Srs. Drs. AA, BB e CC, proferida, no Porto, em 25 de Novembro de 2009.

Como fundamentos da pretendida anulação da referida decisão arbitral, alega a autora, em suma que: A) Quanto ao processo de constituição do tribunal arbitral: a) Houve falta de notificação para arbitragem de todas as partes da convenção de arbitragem, porquanto a ré apenas dirigiu a notificação de arbitragem à aqui autora, excluindo os demais sujeitos (vendedores das identificadas acções) do processo de constituição do tribunal arbitral; b) Houve violação do princípio do contraditório no processo de nomeação de árbitro pelo Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto, já que este último não ouviu previamente a autora, para se pronunciar sobre o requerimento de nomeação de árbitro, apresentado pela ora ré, junto do Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto; c) Houve falta de verificação dos pressupostos da nomeação judicial de árbitro, porquanto esta ocorreu sem que fossem ouvidas todos os sujeitos de uma das partes (vendedores) da convenção de arbitragem, sendo que a autora havia designado, ainda que de forma condicional, o “seu” árbitro Dr. DD, não ocorrendo portanto a necessidade de se proceder à nomeação judicial de árbitro; B) Houve, igualmente, violação do princípio da igualdade de tratamento das partes, porquanto a ré teve uma segunda oportunidade na designação do seu árbitro, o mesmo não acontecendo com a aqui autora, a quem não lhe foi dada a oportunidade para renunciar à condição que apusera à designação do “seu” árbitro, tornando esta designação firme ou até designar um outro árbitro; C) Quanto aos fundamentos de anulação relativos à (in)competência do tribunal arbitral: a) Ocorreu a caducidade da convenção de arbitragem, por esgotamento do prazo de constituição do tribunal arbitral, porquanto no momento em que este se efectivamente constituiu já havia decorrido o prazo de três meses a contar da indicação do primeiro árbitro e, como tal, já as partes poderiam recorrer ao tribunal judicial competente para a resolução do litígio em causa, tal como o contratualmente acordado sob a Cláusula 13.7. do contrato de compra e venda em causa; b) Ocorreu caducidade da convenção de arbitragem, por esgotamento do prazo de designação do árbitro substituto da ré, na medida em que a ré só notificou a autora do árbitro que designava em substituição do que renunciara, depois do prazo de dez dias de ter tido conhecimento de que o árbitro que designara, renunciava a tal cargo; c) Ocorreu caducidade da convenção de arbitragem por esgotamento do prazo de designação do árbitro substituto do árbitro presidente, uma vez que este só foi designado pelos outros dois árbitros muito depois do mesmo prazo de dez dias que os mesmos tinham para o efeito; d) Inexiste qualquer convenção de arbitragem relativa ao litígio, tal como o tribunal arbitral o considerou configurado, pois que o tribunal arbitral tomou a acção como proposta contra a autora, com base no incumprimento por parte desta de algumas declarações unilaterais que prestara no configurado contrato de compra e venda, e não enquanto parte “vendedora” no mesmo contrato, parte essa que é “plural”, pois que a mesma é composta por outros dois vendedores, D) Quanto aos fundamentos de anulação relativos aos poderes de cognição do tribunal arbitral, houve questões que o tribunal arbitral não se pronunciou mas que devia ter apreciado, designadamente sobre a questão da caducidade da convenção de arbitragem, resultante do não cumprimento do prazo para a substituição do árbitro que havia sido inicialmente designado pela ré; bem como sobre a questão da violação do contraditório no processo de nomeação judicial de árbitro.

A ré contestou, rebatendo todos os fundamentos apontados pela autora para anulação da decisão arbitral em causa, tendo concluindo pela improcedência da acção e a ré absolvida do pedido.

A autora juntou, ainda, a fls. 592 e segs, parecer emitido pelo Sr. Prof. Doutor José Lebre de Freitas, intitulado “O direito da parte à designação do árbitro e o princípio do contraditório na nomeação pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto”.

De igual modo, a ré, a fls. 654 e ss, juntou parecer elaborado Pelo Sr. Prof. Doutor Miguel Teixeira de Sousa, intitulado “Nulidade da designação do árbitro da parte; Procedimento da nomeação do árbitro pelo Presidente da Relação”.

Entendendo que o processo continha todos os elementos que permitiam conhecer de imediato do mérito da causa passou o julgador a quo a fazê-lo, proferindo saneador-sentença – artigos 510.º, n.

os 1, b), e 3, do CPC –, decidindo (dispositivo): “Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente improcedente, nos termos sobreditos, deste modo se mantendo na íntegra a referida decisão arbitral.

Custas pela autora.

Valor da acção: o indicado pela autora de € 623.893,70.” Inconformada, a A. apelou, sem êxito, uma vez que a Relação julgou a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.

Novamente inconformada, interpôs a A. recurso de revista excepcional, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões: “I. Considerando a novidade, a dificuldade, a complexidade, a controvertibilidade, o relevo, a importância e a nobreza jurídico-dogmática das questões que compõe o objecto do recurso (sobretudo daquelas que dizem respeito à natureza de intervenção do tribunal judicial no processo de constituição do tribunal arbitral), a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

  1. A falta de notificação para arbitragem de todas as partes da convenção de arbitragem, como sucedeu no caso dos autos, traduz-se na violação do disposto no art. 11.º/1 da LAV, constituindo uma irregularidade no processo de constituição do tribunal arbitral.

  2. No caso em que uma das partes da convenção de arbitragem seja plural, a todos os sujeitos que a compõem deve ser dirigida a notificação para arbitragem, sobretudo se, como sucede nos autos, se trata de obrigação solidária e indivisível.

  3. Admitir a não coincidência entre as partes do litígio e as partes da convenção de arbitragem é o mesmo que admitir que o tribunal arbitral possa julgar litígios para os quais não tem competência (por estarem fora do âmbito da convenção de arbitragem).

  4. No processo de nomeação de árbitro pelo Presidente do Tribunal da Relação, previsto no art. 12.º da LAV, é obrigatória a observância do contraditório, devendo ser dada ao requerido a oportunidade de se pronunciar sobre o requerimento de nomeação.

  5. O processo de nomeação de árbitro pelo Presidente do Tribunal de Relação é um processo de suprimento inominado, com a natureza de um processo de jurisdição voluntária.

  6. A audição do requerido sempre seria imposta pelo princípio geral do contraditório, consagrado no art. 3.º/1 do CPC.

  7. Mesmo que, por hipótese, se entendesse que o requerimento de nomeação judicial de árbitro apenas daria origem a um simples procedimento administrativo, e não a um verdadeiro processo (ainda que de jurisdição voluntária), sempre a prévia audição do requerido seria imposta pelo disposto nos arts. 6.º, 8.º e 100.º/1 do Código de Procedimento Administrativo.

  8. Os princípios gerais do CPA, entre os quais se contam os da imparcialidade e da participação, que impõem o direito de audiência prévia (art. 2.º/6 e 7 do CPA), são aplicáveis, sem excepções, a todos os procedimentos especiais.

  9. Ao contrário do que consideram os Senhores Juízes Desembargadores, o n.º 7 do art. 2.º do CPA não exclui a aplicação a procedimentos administrativos especiais dos princípios gerais do procedimento administrativo, designadamente os princípios da participação e da imparcialidade.

  10. Interpretada no sentido de que “não obriga nem vincula (...) a qualquer audição prévia de todos os interessados”, a norma do art. 12.º da LAV é manifestamente inconstitucional, por violação grosseira do disposto no art. 20.º/4 da Constituição da República Portuguesa, no segmento em que consagra o direito a um processo equitativo.

  11. Assim como, pela mesma razão, seria jurídico-constitucionalmente inadmissível qualquer interpretação do art. 201.º/1 do CPC que tivesse o efeito de excluir a qualificação da violação do contraditório como nulidade processuaL XIII. Como juridíco-constitucionalmente inadmissível seria, ainda e sempre pela mesma razão (violação do direito a um processo equitativo consagrado no art. 20.º/4 da CRP), qualquer interpretação que levasse ao resultado de não se considerar a violação do contraditório no processo de nomeação judicial de árbitro como um irregularidade na constituição do tribunal arbitral, para os efeitos do art. 27.º/1-b) da LAV.

  12. Como inconstitucional seria, se acaso se considerasse que o art. 12.º da LAV prevê um “procedimento (judicial) administrativo”, interpretar, como faz o tribunal recorrido, o art. 2.º/7 do CPA no sentido de ele determinar a não aplicação do direito de audiência prévia a procedimentos administrativos especiais, por ostensiva violação do princípio da imparcialidade da administração pública, consagrado no art. 266.º/2 da Constituição da República Portuguesa.

  13. A preponderância do princípio da autonomia privada no domínio da arbitragem voluntária impõe a observância do contraditório no processo de nomeação judicial de árbitro.

  14. Se é da essência da arbitragem voluntária que as partes confiem a resolução dos conflitos que as dividem a terceiros, retirando-a da alçada dos tribunais judiciais, impõe-se que a elas se reserve, até onde for possível, a escolha desses terceiros.

  15. Na verdade, a audição da parte requerida constituirá, pelo menos, uma última oportunidade para que ela própria, de acordo com os seus critérios e preferências, designar o “seu” árbitro.

  16. ...

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