Acórdão nº 306/07.8TTLMG.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução12 de Outubro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 20 de Agosto de 2007, no Tribunal do Trabalho de Lamego, Secção Única, AA intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra «BB», pedindo a condenação da ré a (a) «[r]econhecer a ilicitude do despedimento do A.» e a (b) pagar-lhe a quantia de € 83.745, sendo € 58.181,40, a título de indemnização por antiguidade, € 18.835,60, a título de diferenças salariais, «que o A. auferiria e actualmente aufere durante o ano lectivo de 2006/2007», e € 6.048, a título de custos suportados com as deslocações durante o ano lectivo de 2006/2007.

Alegou, em resumo, que é funcionário público, pertencente ao Ministério da Educação, professor de biologia e geologia, sendo a ré titular do estabelecimento de ensino denominado Escola Profissional de São João da Pesqueira, e que, desde 1995, ocupou o cargo de director-geral pedagógico daquela escola, mediante requisição ao Ministério da Educação, tendo, desde então, desenvolvido uma série de actividades por conta e no interesse da ré. Em 1997, foi ajustado entre o autor e a ré um contrato de trabalho, dele constando uma cláusula a estabelecer o seu início em 1 de Setembro de 1997 e o dever da ré de comunicar ao autor, por escrito, 30 dias antes do início do período destinado à requisição do pessoal docente, a não renovação do contrato.

Não tendo a ré denunciado o contrato de trabalho nos termos constantes dessa cláusula, em 26 de Abril de 2006, o autor apresentou ao presidente da direcção da ré o pedido da sua requisição aos quadros da escola pública onde estava colocado, o que aquele presidente não aceitou, tendo o contrato terminado em 31 de Agosto de 2006, sendo que o não cumprimento do estipulado na referida cláusula do contrato de trabalho, a recusa da ré em requisitar o autor à escola pública onde estava colocado e a nomeação de outro director configura o despedimento do autor, que é ilícito, por não ter sido precedido de processo disciplinar, e que lhe causou danos patrimoniais.

A ré contestou, alegando a incompetência do tribunal em razão da matéria e que, sendo o autor funcionário do Estado, nomeado em requisição de serviço, não estava sujeito ao regime do contrato de trabalho, pelo que a acção devia improceder.

O autor respondeu pugnando pela competência do tribunal do trabalho.

No despacho saneador, a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria foi julgada improcedente, sendo, doutro passo, seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Realizado julgamento, no decurso do qual o autor reduziu o pedido relativo à indemnização por antiguidade para € 53.332,95, foi proferida sentença que, tendo concluído pela existência de um contrato de trabalho entre as partes, declarou ilícito o despedimento do autor e condenou a ré a pagar-lhe a quantia de € 35.555,30, a título de indemnização em substituição da reintegração, e a quantia de € 18.835,60, a título de diferenças retributivas, absolvendo a ré do demais peticionado.

  1. Irresignada, a ré apelou para o Tribunal da Relação do Porto, que julgou o recurso de apelação improcedente, ainda que por fundamentos diversos, e confirmou a sentença recorrida, sendo contra esta decisão do Tribunal da Relação que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes: «1.º Nos presentes autos [o]correu uma aplicação errada do direito aos factos, pois face à matéria dada como provada sob as al. A), D) e E), sempre se teria de concluir pela inexistência de um contrato de trabalho individual entre A. e R.

    2.° Pois o Autor manteve e mantém até hoje o seu lugar de origem de docente do ensino público.

    3.° O que ocorre no caso dos autos é que sendo o Autor um funcionário público — professor — a R., com a autorização deste requisitou os seus serviços ao Ministério da Educação ― que constitui a única e verdadeira entidade patronal do Autor.

    4.° O que ocorre já desde o ano de 1995 [al. D)].

    5.° A Requisição efectuada nos termos em que foi não descaracteriza nem faz perder a qualidade de funcionário público que o Autor mantém, a não ser que este viesse a exercer o direito de opção pelo regime de direito privado, perdendo nesse caso o vínculo à função pública — o que não sucede, conforme consta dos autos.

    6.° Atendendo ao regime jurídico que antecede, dimana que, compulsando o art. 64.º do ECD a requisição é um instrumento de mobilidade dos docentes, a ser autorizada pela Administração desde que verificados os pressupostos legais.

    7.° Efectivamente, o que caracteriza a relação estabelecida entre o A. e a R. é a transitoriedade da função e a reversibilidade do respectivo título profissional — [o] trabalhador detém uma categoria básica ou de origem relativamente à qual funciona em pleno a tutela estabilizadora já indicada.

    8.° Ou seja, a única relação laboral que o A. tinha à data da outorga do contrato junto sob Doc. n.º 5 era para com o Ministério da Educação — Docente de Ensino Público.

    9.° Do respectivo regime jurídico não dimana que a requisição se traduza num direito gravado na esfera jurídica do docente interessado e/ou da entidade requisitante, mas antes uma forma de mobilidade que a Administração pode ou não autorizar, cumprindo-‑lhe analisar o pedido segundo critérios de legalidade e até de oportunidade, se for o caso — arts., além do mais, 3.º e 4.º do CPA.

    10.° Mantendo o A. a qualidade de docente de ensino público, bem como os respectivos direitos e regalias, o tempo de trabalho prestado na R. em requisição de Serviço é como se tivesse sido prestado no quadro de origem da função pública, sujeita, portanto, ao regime do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Pública e do Estatuto de Carreira Docente.

    11.° Consequentemente, qualquer docente requisitado continua, na pendência da Requisição, a ser funcionário do Ministério da Educação, com um vínculo jurídico-laboral entre si e o referido Ministério, pelo que, qualquer contrato de trabalho e/ou acordo celebrado na qualidade de requisitado que colida com o vínculo jurídico existente entre si e o Ministério da Educação, é de todo irrelevante, pois, sendo a requisição uma forma de mobilidade, tal vai permitir a um funcionário do Estado, exercer funções, no caso Docentes, numa instituição, designadamente particular, sem que, com tal facto perca a sua ligação profissional ao Ministério da Educação, o que o impede de celebrar quaisquer acordos e/ou contratos que colidam com tal situação jurídica.

    12.° O que determina a impossibilidade de se lhe aplicar o regime da contratação individual — pois estaríamos a admitir que o Autor mantinha em simultâneo dois contratos de trabalho a tempo inteiro.

    13.° Pois a requisição traduz-se numa forma de mobilidade do pessoal docente e não num direito gravado na sua esfera jurídica, porquanto carece da anuência de três vontades a saber: da autorização do Ministério da Educação, da necessidade/interesse da Entidade de destino e da vontade do Docente.

    14.° Por via disso, qualquer acordo celebrado entre o Docente e a Instituição particular perece desde que coloque em causa o poder discricionário do ME em autorizar ou não a requisição, nos termos do art. 71.º do ECD.

    15.° Ou seja, nenhuma Instituição particular pode assegurar a qualquer Docente que fará um pedido de requisição para os anos vindouros, pois, tal eventual acordo seria celebrado à revelia do ME que é parte principal num processo de requisição, na medida em que este e só este decide se a defere ou não.

    16.° O acordo escrito junto sob Doc. n.º 5, mal apelidado de “contrato de trabalho” apenas surge na decorrência da Relação Laboral existente entre o A. com a Administração Publica — Docente de Ensino Público.

    17.° Enquanto requisitado na Instituição exerce funções tal como as exerceria em qualquer Escola do Ministério da Educação.

    18.° Se nesta última nunca poderia celebrar qualquer contrato de trabalho, ressalvados os casos restritos de acumulação de funções (cfr. art. 111.º do ECD), devidamente autorizada, e se na Escola Pública nunca poderia celebrar qualquer outro contrato de trabalho com o ME, por maioria de razão, o mesmo sucederá enquanto requisitado na Instituição.

    ASSIM, 19.° Porque o acordo escrito constante dos autos não configura nem poderia configurar um contrato de trabalho deve este ser entendido como uma mera regulação privada das relações mantidas entre A. e R. e que decorrem directamente da Requisição efectuada ao Ministério da Educação.

    20.° Cujo incumprimento de qualquer das cláusulas ali vertidas não poderá configurar qualquer despedimento, quando muito pode configurar um direito do A. a uma indemnização pelo incumprimento das cláusulas do acordo efectuado.

    21.° O incumprimento das mesmas apenas poderá determinar o ressarcimento por qualquer prejuízo directa e necessariamente decorrente do incumprimento das mesmas.

    22.° Não podendo levar à conclusão da existência de um contrato de trabalho e o entendimento de que a falta de requisição do Autor ao Ministério da Educação por parte da R. configura um despedimento ilícito porque não precedido de procedimento disciplinar.

    23.° Qualquer eventual acordo entre a Instituição e o Docente no sentido de o requisitar anualmente é manifestamente ilegal, porquanto, mesmo que tal se tratasse de um contrato, a vontade contratual das partes esbarraria com normas imperativas, designadamente as constantes [do] art. 71.º do ECD segundo a qual a requisição é concedida por despacho do Ministro da Educação, assim como o disposto no n.º 2 do art. 69.º do ECD, o qual determina que: “... A requisição ou o destacamento podem ser dados por findos, a qualquer momento, por conveniência de serviço ou a requerimento fundamentado do docente...”.

    24.° E ainda que a relação existente entre Autor e Ré pudesse vir a ser considerada como uma relação laboral, o que apenas por mera hipótese académica se concebe...

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