Acórdão nº 302/08.8TBLLE.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução29 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA e mulher BB e CCe mulher DD, vieram intentar acção, sob a forma de processo ordinário, contra EE e sua mulher FF, pedindo que: a) seja declarada a natureza pública e em toda a sua extensão do caminho que melhor descrevem e assinalam na petição inicial, situado a sul de sua casa e a nascente da casa dos réus; b) sejam os réus condenados a reconhecer a natureza pública do caminho referido na alínea anterior, devendo abster-se da criação nessa via de quaisquer obstáculos à livre circulação de pessoas, de animais ou de veículos; c) sejam os réus condenados a retirar a câmara de filmar que colocaram no jardim de sua casa, virada para a via pública, por ofensiva do direito à imagem de qualquer cidadão e da reserva da intimidade e da vida privada; d) sejam os réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer actos destinados à captura de imagens, mediante a utilização de câmaras de filmar, vídeo, fotográficas ou similares, a partir de sua casa ou jardim, de pessoas ou veículos que circulem na via pública, contra a vontade ou com o desconhecimento daquelas.

Alegando, para tanto, e em síntese: Os réus obstruíram o acesso dos autores à sua casa, quer pelo caminho nascente (onde foi colocada cancela), quer pelo poente (onde foi colocado entulho e construído um muro à frente do acesso), caminho esse público e com características de utilização pública há dezenas de anos, tendo resultado de uma operação de loteamento do prédio rústico, não sendo, por isso, pertença dos réus.

Colocaram uma câmara de filmar apontada para a via pública, devassando de forma grave a intimidade e privacidade de qualquer cidadão que circule pelo caminho.

Citados os réus, vieram os mesmos contestar impugnando os factos alegados e, no essencial, que os autores têm dois portões de entrada e que o caminho em causa para o qual dá um dos portões não é público mas faz parte integrante do seu prédio.

GG e HH, II e KK (em articulados independentes) deduziram incidente de intervenção espontânea por, no seu entendimento, terem interesse igual ao dos autores, pedindo que "(…) os R.R. sejam condenados não só a reconhecerem a natureza pública dos caminhos existentes no local, construídos sobre o primitivo prédio rústico descrito sob o n.º" 00000, a fls. 161, do Liv. B-108, que se encontrava inscrito na matriz sob o artigo 511 da freguesia de Almancil, os quais não só delimitam, como dão acesso a todas as parcelas dos prédios resultantes desse desmembramento, incluindo o prédio urbano dos ora intervenientes, com os quais confina quer a nascente, quer a poente e, por via disso, sejam condenados não só a removerem todos e quaisquer obstáculos que implantaram no local com vista à obstrução dos arruamentos ou que tenham em vista impedir a livre circulação de pessoas, veículos ou animais, bem como condenados a absterem-se de impedir, quer por si, quer por interpostas pessoas, veículos, máquinas, animais ou quaisquer outros meios, a livre circulação por esses caminhos e arruamentos existentes sobre o referido prédio, acrescido de uma compensação monetária diária compulsória, também a favor dos ora intervenientes, em montante não inferior a € 100 (cem euros), não só até à remoção integral de todos os obstáculos, mas também e sem que tal obstrução se verifique por culpa dos R.R., acrescido das custas e demais encargos devidos com o processo.” Para tanto, alegaram que são proprietários de prédios urbanos, provenientes, como o dos autores, do desmembramento do primitivo prédio originário (descrito com o n° 00000), nas parcelas que passaram a constituir prédios urbanos distintos e autónomos entre si e onde foram implantados arruamentos de acesso a todos os lotes de terreno. Esses arruamentos são de natureza pública mas os réus construíram neles barreiras e obstáculos, que impediram os intervenientes de aceder aos seus prédios por esses caminhos.

Os réus deduziram oposição, por inadmissibilidade das intervenções e responderam ao pedido de intervenção espontânea, impugnando os factos alegados, concluindo que os caminhos foram por si construídos em terrenos de que eram donos e destinados exclusivamente ao seu uso e que não obstruíram o acesso dos intervenientes à sua casa.

Admitidas as intervenções, foi proferido o despacho saneador, tendo sido seleccionados os factos assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, decidiu-se a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 488 a 497 consta.

Foi proferida sentença na qual se julgou a acção parcialmente procedente, não reconhecendo a natureza pública do caminho, mas condenando os Réus a removerem os obstáculos que implantaram nos arruamentos situados entre o seu prédio e os dos autores e intervenientes, designadamente a cancela, muro, portão e entulho e a retirarem a câmara de filmar que se encontra instalada no seu prédio apontada para nascente.

Inconformados com esta decisão, na parte referente à remoção dos obstáculos, interpuseram os RR recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, onde, por acórdão de fls 673 a 698, na parcial procedência do recurso, se declarou nula a sentença na parte em que condenou os réus a removerem os obstáculos que implantaram nos arruamentos situados entre o seu prédio e os dos autores e intervenientes, designadamente, a cancela, muro, portão e entulho, que nessa parte se revoga, absolvendo os réus dos pedidos formulados pelos recorridos de se absterem da criação na via em causa nos autos de quaisquer obstáculos à livre circulação de pessoas, de animais ou de veículos e de removerem todos e quaisquer obstáculos que implantaram no local com vista à obstrução dos arruamentos ou que tenham em vista impedir a livre circulação de pessoas, veículos ou animais, bem como de se absterem de impedir, quer por si, quer por interpostas pessoas, veículos, máquinas, animais ou quaisquer outros meios, a livre circulação por esses caminhos e arruamentos existentes sobre o prédio Vieram os intervenientes II e mulher e GG e mulher pedir a aclaração do acórdão proferido na Relação.

O que foi indeferido por novo acórdão da Relação, junto a fls 747 e ss.

Vieram, por seu turno, os autores AA e mulher e CC e mulher pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça com fundamento na nulidade prevista no art. 668.º, nº 1 do CPC.

Pelo dito acórdão de novo pela Relação proferido, na procedência da arguida nulidade, por falta de devida pronúncia, foi julgado improcedente o recurso pelos mesmos também interposto, mantendo-se a sentença recorrida na parte em que não reconheceu a natureza pública dos arruamentos em questão, mantendo-se o acórdão antes proferido no qual se conheceu do recurso dos réus.

Inconformados, vieram os intervenientes interpor recurso de revista excepcional, que aqui não foi admitido, por acórdão de fls 836 a 838, transitado em julgado.

Pediram os autores revista para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - O caminho cuja natureza se discute nos presentes autos tem todos os sinais, em função da matéria dada como provada pelas instâncias, de ser de utilização pública, de estar afecto ao uso de toda uma comunidade e visar a satisfação de interesses colectivos.

2ª - Prova disso mesmo constituem, entre outros, o facto de há mais de vinte anos ser considerado como tendo utilização pública, de ter sido construído à vista de todos, de todas as casas que com ele confinam e que foram licenciadas pela Câmara Municipal de Loulé terem muros e portões que dão para esse caminho, do seu leito ter sido utilizado pela autarquia e empresas que prosseguem finalidades públicas para instalação de infra-estruturas, redes de saneamento, colocação de postes de electricidade e redes de telecomunicações, o que foi sendo feito ao longo de décadas sem qualquer oposição dos réus.

3ª - Tendo o próprio réu declarado no âmbito de um processo de registo predial, em que era requerente, que do prédio do qual foram feitas as desanexações onde foram construídas as casas que ladeiam o caminho em discussão e rasgados os demais arruamentos, que não existia qualquer parcela remanescente para além daquela que pretendia registar em nome da sociedade "KK - Sociedade de Construções, Lda", é inevitável concluir que o réu não poderá depois vir dar o dito por não dito para obstruir e reclamar a titularidade do caminho em disputa, onde sem a sua oposição foram instaladas pela autarquia as infra-estruturas destinadas a servir a comunidade que ali reside.

4ª - Foi no pressuposto de que esse caminho era público que a autarquia instalou as referidas infra-estruturas e veio depois a pedir ao proprietário de um prédio confinante com esse caminho a entrega à Câmara Municipal de Loulé de uma faixa de terreno particular para proceder ao alargamento e estruturação da via.

5ª - As autarquias não estão autorizadas, nem tal se insere nas respectivas atribuições, a solicitar aos particulares a entrega de faixas de terreno para alargamento de caminhos privados, pelo que tal pedido só é compreensível se a autarquia considerar o caminho que pretende alargar como fazendo parte do domínio público municipal, ainda que não tenha sido já devidamente cadastrado.

6ª - Não há razão para obrigar os réus a retirarem uma câmara de filmar instalada no seu próprio prédio, câmara essa destinada a controlar os movimentos de terceiros e que aponta...

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