Acórdão nº 3149/06.2TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelFERNANDES DO VALE
Data da Resolução27 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça 1 – AA instaurou, em 24.03.06, na comarca de Cascais, acção ordinária contra BB, pedindo a condenação desta a restituir-lhe, com base em enriquecimento sem causa, a quantia de € 160 000,00, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, em resumo e essência: / --- O A. viveu com a R. em comunhão de cama, mesa e habitação, desde 1985 até ao início de 2005; --- Nesse contexto, o A. tomou a decisão de comprar uma fracção autónoma, designada pela letra “F”, tendo, então, acordado com a R. que a compra seria feita em nome dela pelo facto de aquele se manter casado e de ter filhos menores, propondo-se fazer a transferência da propriedade para o nome destes, quando atingissem a maioridade; --- Todas as negociações com vista à aquisição da referida casa e à obtenção de empréstimo bancário, bem como o seu pagamento e restantes despesas com escrituras e registos, estiveram a cargo do A.; --- No decurso da vivência em comum, o A. veio a vender essa casa para aquisição de uma outra fracção autónoma, designada pela letra “H”, onde passaram a morar, em relação à qual foi o mesmo A. quem suportou a aquisição, despendendo o total de Esc. 28 970 975$69, equivalente a € 144 506,61; --- Em finais de 2004, a R. alterou o seu comportamento para com o A. e, em Fevereiro de 2005, demonstrou querer que este saísse de casa, o que o A. veio a fazer, levando consigo apenas alguns bens pessoais e deixando outros bens, que a R. se recusa a devolver; --- Entretanto, a R. entregou ao A. um cheque no montante de € 65 000,00, que seria correspondente ao acerto de contas entre ambos, com o que o A. não concorda, por considerar que a R. se enriqueceu à sua custa pelo valor do imóvel, ascendente a € 225 000,00, atenta a data em que cessou a vida em comum.

Na contestação, a R. alegou, também em resumo e essência: / --- Não foi apenas o A. quem suportou as despesas com a aquisição das fracções autónomas indicadas na p. i., aquisição esta que também foi decidida em comum, tendo a R. participado nas respectivas negociações; --- Os pagamentos que o A. suportou foram motivados pela comparticipação nas despesas com a vida em comum, por ser a R. quem suportava integralmente as despesas inerentes à manutenção da casa e economia doméstica, com alimentação, água, gás, condomínio e outras, além de mobílias, electrodomésticos e obras; --- O A. adquiriu um imóvel, no Algarve, em nome de uma sociedade de que é administrador e, se a sua intenção fosse aquela que alega, poderia ter feito o mesmo com as casas dos autos; --- Foi devido aos comportamentos do A. que a vida em comum se tornou impossível, o que o levou a sair da casa; --- Nessa data, o A. exigiu que a R. lhe entregasse metade do preço de compra da casa onde moravam, equivalente a € 73 500,00, ao que a R. acedeu para ultrapassar as discussões, tendo descontado parte de uma dívida daquele; --- O A. concordou com o valor entregue, pelo que agora litiga de má fé; --- Em relação a alguns dos bens pessoais do A., que não são todos os alegados, a R. está disponível para fazer a sua entrega; --- E, deixando invocadas as excepções de prescrição e de abuso de direito, a título subsidiário, para a hipótese de procedência da acção, a R. deduziu reconvenção em que pede a condenação do A.-reconvinte no pagamento de metade do valor das despesas com a vida em comum, que totalizam € 160 795,50, das quais tem a receber o valor de € 80 397,75, bem como de € 8 750,00, ainda em dívida de um empréstimo feito ao A.

Na réplica, pugnou o A. pela improcedência das sobreditas excepções e, quanto à pretensão reconvencional, sustentou que as despesas da vida em comum sempre foram suportadas por ambos e que o alegado empréstimo nunca existiu.

Subsidiariamente, defendeu que os créditos invocados pela R. estariam, parcialmente, prescritos e que o alegado empréstimo será nulo por falta de forma.

A R. apresentou, ainda, tréplica, respondendo às excepções deduzidas pelo A., no sentido da sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (b. i.).

A final, foi proferida sentença (fls. 1886 a 1903), a julgar: / a) – A acção, parcialmente, procedente, condenando-se a R. a pagar ao A. o montante a liquidar ulteriormente, na parte que exceder a quantia de € 65 000,00, referente à importância de € 144 131,61, depois de deduzido o valor das despesas suportadas pela R. como compensação dos gastos do A. com a aquisição dos imóveis, quantia a actualizar segundo os índices oficiais da inflação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação; b) – A reconvenção prejudicada na parte referente aos gastos da R. e improcedente na parte restante.

A Relação de Lisboa, por acórdão de 18.01.11, julgou totalmente improcedente a apelação da R.

e, parcialmente, procedente a apelação do A.

, alterando, em consequência, a sentença recorrida, nos seguintes termos: / a) – Condenando a R. a pagar ao A., a título de enriquecimento sem causa, dentro dos limites do pedido, a quantia equivalente a € 144 131,61, actualizada, segundo os índices oficiais da inflação (preços ao consumidor), desde 23.04.03 a 26.02.05, respectivamente, de 3,70% (em 2003), 3,30% (em 2004) e 2,10% (em 2005), deduzida, depois, a importância de € 65 000,00 já paga pela R., e, ainda, os juros de mora, à taxa de 4%, vencidos a partir da data da citação e até real embolso, absolvendo-se a R. do mais peticionado pelo A.

; e b) – Absolvendo-se o A.-reconvindo do pedido reconvencional deduzido pela R., na parte impugnada.

Daí a presente revista trazida pela R.

, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes conclusões: / a) - A causa de pedir que serve de fundamento à presente acção não é adequada ao pedido de enriquecimento sem causa, uma vez que, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, aquela consiste no alegado acordo celebrado entre o recorrido e a recorrente, em cumprimento do qual, e na versão daquele, a fracção dos autos se destinaria a ingressar, primeiro, no seu património exclusivo e, em seguida, no dos seus filhos, logo que estes atingissem a maioridade, conforme resulta dos factos alegados pelo recorrido nos artigos 4.2, 12.2, 13.9, 14.9, 55.5 e 57 da p. i. e 25.2 e 26.9 da réplica; b) – O A. funda o direito à restituição do valor do imóvel dos autos num alegado negócio que diz ter celebrado com a R. e no respectivo incumprimento do mesmo por parte desta e/ou na sua nulidade - verdadeira causa de pedir da acção -, lançando mão, erradamente, da figura do enriquecimento sem causa; c) – Não colhe, assim, o argumento da Relação de que a fracção em causa «ingressou directamente no património da R. sem apoio em qualquer negócio jurídico celebrado entre ambos»; d) – Não pode haver lugar à restituição por enriquecimento quando a lei faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, constituindo a pretensão de obter a restituição com base no enriquecimento sem causa uma acção subsidiária da qual só é legítimo lançar mão quando o titular do respectivo direito não dispõe de uma acção alternativa; e) – Estando a recorrente, na tese do recorrido, obrigada à restituição ao património do recorrido do imóvel dos autos por força daquele acordo ou da nulidade do mesmo por falta de forma, o recorrido poderia e deveria ter feito valer este seu alegado direito, quer por via do incumprimento contratual, quer através da nulidade ou anulação do negócio; f) – Alegando o recorrido que o pretenso acordo celebrado com a recorrente é nulo por eventual inobservância de forma, aquele teria ao seu alcance um mecanismo legal específico ao qual podia recorrer para ser indemnizado ou restituído, já que, nos termos do disposto no artigo 289º do CC, a nulidade ou anulação de um negócio jurídico é fonte da obrigação de restituir o que em execução dele tiver sido prestado, pelo que, tendo a alegada deslocação patrimonial por base um negócio jurídico nulo ou anulável é a própria declaração de nulidade ou anulação do negócio que opera a restituição ao património de cada uma das partes dos bens com que a outra se...

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