Acórdão nº 9117/07-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 15 de Novembro de 2007

Data15 Novembro 2007
ÓrgãoCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Acordam na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa 1. - No Proc. de Instrução nº 421/06.5GEOER, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, o Ministério Público, não se conformando com o despacho que decidiu não pronunciar o arguido O. por entender que os factos por si praticados não integram um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo disposto no artigo 25° alínea a), por referência ao artigo 21º n.° 1 e à tabela 1-C do DL 15/93, vem interpor o presente recurso extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões: 1. A circunstância de o arguido ser encontrado na posse de 7,754gr de cannabis e de 0,853gr de cocaína, independentemente do destino que lhes tinha reservado, integra a prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, previsto e punido pela previsão conjunta dos artigos 21° n° 1 e 251 alínea a) e da Tabela 1-C do DL 15/93.

  1. Ao descriminalizar a conduta do consumo de estupefaciente, por via da entrada em vigor da Lei 30/2000 e da revogação do artigo 40º do DL 15/93, não pretendeu o legislador deixar de censurar legalmente este tipo de comportamento, razão pela qual lhe conferiu com conteúdo sancionatório situado ao nível da contra-ordenação.

  2. Admitindo como pressuposto básico do sistema a censurabilidade da conduta do consumo, actualmente mais ténue por mais vocacionada para a questão do tratamento do consumidor, quis o legislador, por força do estatuído no nº 2 do artigo 2º da Lei 30/2000, circunscrever ao regime contra-ordenacional a detenção de estupefaciente para consumo de porções de produto inferiores a limites legalmente fixados, integrando as restantes condutas numa detenção ilícita que merece censura criminal ao nível do artigo 21º do DL 15/93, (conferindo-se a este preceito uma interpretação actualista no que respeita à excepção de punição nele contida e agora referenciado para o primeiro preceito citado).

  3. Esta interpretação é aquela que se revela consonante com a natureza do crime de tráfico que, sendo de perigo abstracto, é passível de integrar condutas que não revistam um dano efectivo ou um perigo concreto de dano, mas a mera execução de um acto que é por si perigoso, sendo que, no presente caso, essa conduta passa pela simples detenção de substâncias em quantidade superior àquelas necessárias para assegurar o consumo médio individual por um período de 10 dias, e o perigo que dela decorre advém da maior probabilidade de propagação do produto estupefaciente na sociedade.

  4. Interpretação contrária a esta implicaria que se passasse para a esfera do julgador o ónus de ser ele a determinar, de acordo com critérios não só probatórios mas de convicção e de experiência pessoais, a criminalização ou não da detenção de quantidades de estupefaciente superiores ao estabelecido para o consumo médio por 10 dias relativamente aos quais mais prova não se fizesse relativamente ao respectivo destino do que as intenções declaradas pelo arguido - e que não deixam de invocar o consumo próprio.

    Por todo o exposto, revogando-se a douta decisão recorrida e proferindo-se outra que pronuncie o arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes por que vem acusado, será feita a devida JUSTIÇA.

    *Neste Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta teve vista dos autos, proferindo douto parecer no sentido de perfilhar o entendimento sufragado: - no Acórdão de 25/6/03, proferido no processo n.° 4089/02 3ª secção relatado pelo Exmo. Conselheiro Dr. Franco de Sá, inserto in www.dgsi.pt; - no Acórdão de 7/04/05 relatado pelo Exmo. Conselheiro Dr. Costa Mortágua , inserto in www.sti.pt ; - no Acórdão de 10/11/2005 do TRL processo 4732/2005 da 9ª secção em que foi relator o Dr. João Carrola in www.dgsi.pt/jtrl; - no Acórdão de 3/5/2007 proferido no processo 10048/06-5 que foi relatora a Dra. Margarida Blasco, in wwwdgsi.pt/jtrl; - no Acórdão de 11/2/04 in CJ 2004, tomo I, pág. 215, nos termos dos quais "a detenção de substancia estupefaciente para consumo próprio, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias, constitui crime p. e p. pelo artigo 40° n.° 2 do DL 15/93 de 22/1. De facto o artigo 28° da Lei 30/2007, de 29/11, deve ser interpretado restritivamente em termos de se entender que ele apenas revogou aquele artigo 40° quanto às condutas que foram convertidas em contra-ordenações, por força do nº 2 do artigo 2° da mesma lei".

    Pelo exposto emite-se parecer no sentido de que o presente recurso merece provimento, sendo de revogar o despacho recorrido e substituir por outro que após reabertura do debate instrutório e prévio cumprimento do disposto no n.° 1 do artigo 303° do CPP, pronuncie o arguido pelo crime p. e p. pelo artigo 40° nº 2 do DL 15/93 de 22/1 , com referência à tabela I C anexa ao diploma legal.

    *Colhidos os vistos...

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