Acórdão nº 201/05.5TBMUR.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelAMARAL FERREIRA
Data da Resolução22 de Setembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

TRPorto.

Apelação nº 201/05.5TBMUR.P1 - 2011.

Relator: Amaral Ferreira (633).

Adj.: Des. Deolinda Varão.

Adj.: Des. Freitas Vieira.

Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I - RELATÓRIO.

  1. “B…, Ldª” instaurou, em 29/11/2005, no Tribunal da Comarca de Murça, acção declarativa emergente de acidente de viação, com forma de processo ordinário, contra “Companhia de Seguros C…, S.A.

    ”, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 208.319,84, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

    Invoca para tanto a ocorrência de um acidente de viação, que descreve, em que intervieram o seu veículo tractor pesado, semi-reboque, de matrícula NQ-..-../VI-…., conduzido por D…, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-RR, conduzido por E… e propriedade de F…, que, por contrato de seguro, havia transferido para a R. a sua responsabilidade civil por danos causados com o veículo, cuja culpa na produção do acidente atribui à condutora do RR, acidente de que lhe advieram os danos patrimoniais que descrimina, por cujo ressarcimento é responsável a R, por força do contrato de seguro.

  2. Contestou a R.

    por excepção, invocando a nulidade e a anulabilidade do contrato de seguro, porquanto o proprietário do veículo ligeiro não tinha transferido para ela a sua responsabilidade civil por danos causados com o veículo, pois que, tendo celebrado, em 16/1/1999, contrato de seguro com G… relativo ao veículo de matrícula ..-..-DN, esse contrato foi alterado em 30/9/2000, passando a estar segurado o veículo de matrícula ..-..-EE, e, em 27/5/2001, foi objecto de nova alteração, com inclusão nele do veículo interveniente no acidente, vindo a apurar, na sequência da participação do acidente, que o referido G... não era, nem nunca tinha sido, seu proprietário, usufrutuário ou condutor habitual, qualidades detidas pelo proprietário do veículo, sendo falsas as declarações constantes da proposta de seguro, as quais visaram evitar um agravamento do prémio em 40%, decorrente do facto de, aquando do contrato inicial, F…, filho do referido G…, ter 21 anos de idade e possuir carta de condução há menos de dois anos, e por impugnação, designadamente quanto às circunstâncias em que ocorreu o acidente e aos danos peticionados, atribuindo a culpa na produção do acidente ao condutor do veículo da A.

    Conclui pela procedência das excepções de nulidade/anulabilidade do contrato de seguro e pela improcedência da acção e, consequentemente, pela sua absolvição do pedido.

  3. Respondeu a A.

    que, depois de impugnar, por desconhecimento, os factos alegados pela R. integradores da invocada nulidade/anulabilidade do contrato de seguro, mas sem deixar de sustentar que, enquanto terceiro, lhe não são oponíveis, deduziu o incidente de intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel, de E… e de “H…, S.A.

    ”, pedindo a condenação solidária dos chamados e da R. no pedido.

  4. Admitido, sem oposição da R., o incidente deduzido pela A., na sequência da sua citação, contestaram dois dos intervenientes nos seguintes termos: a) O Fundo de Garantia Automóvel apresentou defesa por excepção, em que, depois de sustentar a inexistência dos vícios do contrato de seguro invocados pela R., argui a sua ilegitimidade por não ter sido demandado o responsável civil, e por impugnação, concluindo pela sua absolvição da instância e pelo julgamento da acção de acordo com a prova que viesse a ser produzida.

    1. “I…, S.A.

    ” (denominação actual de “H…, S.A.”) defende-se igualmente por excepção, invocando a sua ilegitimidade, por não ter qualquer interesse no desfecho da lide, já que apenas financiou, mediante reserva de propriedade, a aquisição do veículo RR por parte de F…, e por impugnação, alegando desconhecer quer os danos peticionados, quer as circunstâncias que rodearam a outorga do contrato de seguro, terminando a pedir a improcedência da acção quanto a si.

  5. Deduzido pela A.

    , após convite que lhe foi endereçado pelo Tribunal recorrido, o incidente de intervenção principal provocada de F…, este apresentou contestação na qual, depois de fazer seu o articulado do Fundo de Garantia Automóvel, termina pela sua absolvição do pedido.

  6. Foi proferido despacho saneador que, depois de afirmar a validade e regularidade da instância e julgando improcedentes as excepções de ilegitimidade invocadas pelo Fundo de Garantia Automóvel e de “I…, S.A.”, declarou a matéria assente e elaborou base instrutória, que se fixaram com atendimento parcial da reclamação deduzida pela R. seguradora.

  7. Instruída a causa, procedeu-se a julgamento com gravação e inspecção judicial ao local, em que a A. reduziu o pedido para € 171.977,64 e, sem que a decisão da matéria de facto tivesse sido objecto de censura, veio a ser proferida sentença cujo dispositivo é do seguinte teor: a) Declaro a nulidade do contrato de seguro alegado no art. 23º da petição inicial (fls. 5) e referido nos pontos 43) a 50) da matéria de facto provada, supra, e, em consequência, absolvo a R., Companhia de Seguros C…, SA., do pedido; b) absolvo a chamada I…, SA., do pedido; c) condeno os chamados Fundo de Garantia Automóvel, E… e F… a pagarem à autora, a título solidário, a quantia total de € 141.677,76 (cento e quarenta e um mil seiscentos e setenta e sete euros e setenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%, sem prejuízo de outras taxas que, eventualmente, venham a vigorar; d) condeno os chamados E… e F… a pagarem à autora, a título solidário, a quantia total de € 299,28 (duzentos e noventa e nove euros e vinte e oito cêntimos), correspondente à franquia prevista no art. 21º, nº 3, do DL 522/85, de 31 de Dezembro, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento, à taxa de 4%, sem prejuízo de outras taxas que, eventualmente, venham a vigorar.

  8. Inconformados, apelaram o Fundo de Garantia Automóvel e F… que, nas respectivas alegações, formulam as seguintes conclusões: O Fundo de Garantia Automóvel: 1ª: Entendeu o Tribunal a quo que o seguro que havia sido celebrado com a C… para o veículo de matrícula ..-..-RR era nulo nos termos do artigo 428º do Código Comercial já que o segurado não tinha qualquer interesse na coisa objecto de seguro.

    1. : Na óptica do Apelante, a decisão do Tribunal peca desde logo por dar acolhimento àquilo que se configura como abuso de direito por parte da R. C… ao invocar a invalidade do contrato com base naqueles factos.

    2. : Como resulta da matéria de facto, o tomador do seguro G…, pai do proprietário e condutor habitual do veículo RR e aqui Réu nestes autos, dirigiu-se a um agente da C…, pretendendo celebrar seguro para o veículo de matrícula RR e ao fazê-lo intitulou-se não o seu proprietário mas sim usufrutuário do mesmo.

    3. : A C… aceita celebrar o seguro em tais condições, mantendo-o ao longo do tempo, nunca suscitando qualquer questão, recebendo os prémios de seguro respectivos.

    4. : Se a questão da propriedade era para a Seguradora tão importante, tão essencial para a celebração do contrato, como é que aceitou o seguro sem sequer se preocupar em verificar quem era afinal o proprietário já que era sua obrigação exigir toda a documentação relativa ao veículo para poder avaliar de forma correcta o risco que assume contratualmente.

    5. : Decorre por isso muito claramente dos autos que a questão da propriedade dos veículos nunca foi ao longo dos anos essencial para a R. C… que aceitou o seguro e as suas sucessivas alterações sem nunca ter colocado o menor entrave - pelo menos até ao momento em que foi chamada à responsabilidade nestes autos, pretendendo eximir-se da mesma, invocando a questão da falta de interesse do tomador do seguro.

    6. : Esta conduta configura um abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprio, e é ainda altamente reprovável por gerar a instabilidade e insegurança jurídicas que se impõem numa matéria tão sensível e tão relevante como é o seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

    7. : E mais, se a R. C… considerou o contrato nulo como alega, facto é que também nunca devolveu ao tomador do seguro os prémios que tinham sido afinal indevidamente pagos.

    8. : Por estes motivos, entende o Apelante que ao assim decidir, violou a sentença o disposto no artigo 334º do Código Civil.

    9. : Por outro lado o Tribunal a quo julgou o seguro nulo ao abrigo do disposto no artigo 428º do Código Comercial por considerar que o tomador do seguro não tinha qualquer interesse no objecto do contrato.

    10. : O artigo 7º nº 3 do Código Civil consagra a regra “Lex generalis derogat lex specialis”.

    11. : O vetusto artigo 428º do Código Comercial aplica-se em geral aos contratos de seguro.

    12. : Mas à data do acidente, e mesmo muito antes disso, já vigorava um diploma relativo apenas ao seguro de responsabilidade civil automóvel: o D.L. 522/85.

    13. : Da conjugação dos artigos 1º e 2º desse diploma retira-se que toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos causados por veículos terrestres a motor deve celebrar um seguro que garanta essa mesma responsabilidade, obrigação essa que impende muito especificamente sobre o proprietário do veículo, o usufrutuário, o adquirente ou o seu locatário.

    14. : No entanto, prescreve o artigo 2º nº 2 do D.L. 522/85 de 31.12 que: “Se qualquer outra pessoa celebrar, relativamente ao veículo, contrato de seguro que satisfaça o disposto no presente diploma, fica suprida, enquanto o contrato produzir efeitos, a obrigação das pessoas referidas no número anterior.

      ” 16ª: Daquele preceito resulta muito claramente que o legislador quis introduzir um “entorse” ou excepção à regra geral dos contratos de seguro, permitindo que relativamente ao seguro de responsabilidade civil automóvel fosse permitido a qualquer pessoa celebrá-lo, tendo interesse ou não no objecto do contrato.

    15. : Tal entendimento tem merecido o acolhimento da vasta maioria da doutrina e...

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