Acórdão nº 0508/11 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Setembro de 2011

Magistrado ResponsávelMADEIRA DOS SANTOS
Data da Resolução08 de Setembro de 2011
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo: A… interpôs a presente revista do acórdão do TCA-SuI que, concedendo provimento ao recurso deduzido por B…, revogou a sentença do TAF de Lisboa e deferiu as providências cautelares solicitadas por esta última sociedade — suspendendo a eficácia dos actos do Infarmed atributivos de números de registo a medicamentos contendo o princípio activo Telmisartan e intimando a DGAE (e o Ministério da Economia e da Inovação) a abster-se de entretanto emitir PVP’s, ou emiti-los eficazmente, a propósito dos mesmos medicamentos.

A recorrente terminou a sua alegação de recurso enunciando as conclusões seguintes: 1ª. A verificação dos requisitos de admissão do recurso excepcional de revista, previsto no artigo 15º do CPTA é, no caso, manifesta pois, por um lado, está em causa a apreciação de uma questão que se pela sua relevância jurídica ou social se reveste de importância fundamental e, por outro, a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, nomeadamente do direito comunitário e das disposições referentes à repartição de competências entre os órgãos da União Europeia e os Estados-Membros.

  1. A primeira questão jurídica que a Recorrente pretende submeter à apreciação deste Venerando STA é, exclusivamente, a de saber se um tribunal português pode suspender em sede de providência cautelar (e anular em sede de acção principal) os efeitos de um acto administrativo (uma AIM) emitido pela Comissão Europeia, através da suspensão de eficácia de um mero acto de atribuição de um número de registo que se destina a conferir eficácia ao acto europeu na nossa ordem jurídica interna.

  2. Ora, em nosso entender é manifesto que, em relação a tal questão, se verificam os pressupostos de admissão do recurso de revista, por se tratar manifestamente de questão com especialíssima relevância jurídica.

  3. Desde logo, não pode legitimar-se o comportamento da Requerente da providência que desvirtuando um litígio decorrente de uma discordância com a atribuição de uma AIM europeia, emitida num processo centralizado, que produz efeitos em vários Estados-Membros da UE, o transforma, para obter efeitos que não conseguiria obter de outro foram, num litigo referente a um acto proferido por uma entidade administrativa interna.

  4. Na verdade, encontramo-nos perante a violação de normas respeitantes às próprias competências dos Estados-Membros para colocarem em causa, suspendendo ou anulando, os efeitos de decisões de natureza administrativa tomadas ao nível comunitário.

  5. Sendo certo que a suspensão dos efeitos da AIM europeia decorrente do Acórdão recorrido, foi decretada sem que qualquer possibilidade de participação fosse dada ao órgão autor desse acto e sem sequer ter sido dado conhecimento ou sem estar garantido um procedimento adequado a dar-se conhecimento à instância comunitária competente - a Comissão europeia - de que Portugal, através dos seus tribunais - decidiu suspender os efeitos em Portugal de uma AIM por si concedida válida também no território português.

  6. Note-se que, para além do mais, a violação de tais normas comunitárias gera igualmente, inconstitucionalidade da decisão recorrida por violação do artigo 8º, nº 4 da Constituição.

  7. Está, por isso, em causa, em última instância, o cumprimento/incumprimento do ordenamento jurídico comunitário, inclusive do chamado ordenamento constitucional comunitário (o Tratado da UE) e, consequentemente, a eventual futura responsabilidade do Estado Português por uma decisão, ainda que de um Tribunal, desrespeitadora das mais elementares normas comunitárias em vigor (cfr. artigo 258º (ex-artigo 226º do TCE), Acórdãos do Tribunal de Justiça das Comunidades de 19 de Novembro de 1991, no caso “Francovich”, de 30 de Setembro de 2003, no caso “Köbler”, de 16 de Junho de 2006, no caso “Traghetti Del Mediterrâneo” e, ainda, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Novembro de 2007, proferido no processo 07A3954, disponível in www.dgsi.pt).

  8. Sobre os requisitos do artigo 150º do CPTA, tem-se entendido também que a decisão objecto da revista deve corresponder a uma violação crassa do direito aplicável, com reflexos importantes na paz social, na aceitabilidade das decisões dos tribunais ou em casos limite de grave injustiça e, em geral, quando é necessário evitar que proliferem decisões contraditórias. Ou seja, o SIA deve funcionar neste tipo de recursos como um verdadeiro regulador do sistema.

  9. No caso dos autos, está não apenas em causa uma complexa actividade interpretativa e de exegese de normas essenciais do direito comunitário e a sua compatibilização com o direito português, mas também “matéria particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário” “com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular”, “complexidade da operações lógicas implicadas pela questão a resolver e a probabilidade de esta se renovar em litígios futuros” - v., por todos, os Acórdãos do STA, de 18.09.2007 e de 20.12.2007, proferidos respectivamente nos processos 0649/07 e 1028/07.

  10. Porquanto, a suspensão pelos tribunais portugueses de um acto administrativo praticado pela Comissão Europeia não é caso isolado, antes pelo contrário, uma vez que existem vários processos (providências cautelares e acções administrativas) em curso ou já decididos, os quais têm por objecto, precisamente, actos idênticos aos actos em causa nos presentes autos.

  11. Acresce que, mesmo no que concerne à decisão neste tipo de processos em que - materialmente e em ultima instância – o que está em causa e constitui objecto dos efeitos da decisão jurisdicional é um acto administrativo comunitário, a jurisprudência portuguesa tem vindo a divergir na solução a aplicar ao litígio, verificando-se uma larga maioria de decisões de primeira instância em sentido desfavorável à suspensão, em contrário do entendimento sufragado pelo TCA do Sul (Cfr. a este propósito, entre outros, Acórdãos do TCA Sul n.º 07000/10, de 13.01.2011, n.º 06472/10, de 09.12.2010, n.º 06681/10, de 18.11.2010, n.º 06779/10, de 04.11.2010, n.º 06600/10, de 23.09.2010 e, ainda, n.º 06492/10, de 23.09.2010, todos disponíveis em www.dgsi.pt.) 13ª. Urge, pois, proceder a uma intervenção harmonizadora que permita, não apenas a definição da posição de um tribunal superior do Estado Português sobre questões de direito comunitário de elevada importância, como também a necessária confiança jurídica na tutela dos vários interesses em jogo.

  12. A segunda questão jurídica que a Recorrente pretende submeter à apreciação deste Venerando STA é a de saber se, nas providências cautelares em que está em causa o pedido de suspensão dos efeitos de uma AIM emitida em procedimento centralizado, ainda que por efeito da suspensão do respectivo acto de registo, o interesse público supranacional na manutenção da vigência das AIM’s em causa e na comercialização imediata dos medicamentos respectivos em Portugal deve ou não considerar-se superior aos interesses alegados pela Requerente da providência na manutenção do exclusivo do medicamento de referência, recusando-se nesse caso a providência nos termos e para os efeitos do artigo 120º, nº 2 do CPTA.

  13. Uma vez que o TCA do Sul, em mais uma decisão standard, ignorou em absoluto nesta sede o facto de se estar em face de uma AIM emitida pela Comissão Europeia, num procedimento centralizado, fazendo, assim, tábua rasa, nesta ponderação de interesses, dos interesses supranacionais que estão subjacentes à emissão daquela AIM que são interesses comunitários comuns a todos os Estados-Membros que beneficiam dos efeitos da referida AIM.

  14. Nesta sede, estamos manifestamente perante uma questão de qualificação jurídica de factos em face da norma jurídica, ou seja, apreciar-se-á nesta sede se os interesses públicos concretamente verificados correspondem ou não àquilo que o legislador qualificou como interesses superiores a salvaguardar na norma em análise.

  15. A Recorrente não pretende neste recurso discutir se o tribunal a quo fixou ou não correctamente os factos materiais da causa relevantes para a apreciação do referido requisito, ou se houve erro na apreciação das provas, mas, tão-só, discutir se, em face dos factos em causa nos autos, deve ou não concluir-se pela qualificação dos interesses públicos envolvidos como interesses superiores aos interesses particulares da Requerente, concluindo, consequentemente, pela não verificação do requisito negativo do nº 2 do artigo 120º do CPTA.

  16. Não está, portanto, em causa matéria de facto excluída dos poderes deste Venerando STA no âmbito do recurso excepcional de revista, nomeadamente, a matéria referida no nº 3 do artigo 150º do CPTA, mas apenas matéria de direito, porque relativa à qualificação como superiores de determinados interesses em relação a outros, qualificação essa que é, necessariamente, apoiada em conceitos...

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