Acórdão nº 695/98 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Dezembro de 1998

Data15 Dezembro 1998
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 695/98

Proc. n.º 829/96

  1. Secção

Relator - Paulo Mota Pinto

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. M. Hr. requereu, na Repartição de Finanças do 12º Bairro Fiscal de Lisboa e ao abrigo do disposto nos Decretos- -Leis n.ºs 330/81, de 4 de Dezembro, 189/82, de 17 de Maio e 392/82, de 18 de Setembro, a avaliação fiscal extraordinária da fracção autónoma X, correspondente à loja do n.º ..., do prédio sito na Praceta ..., números ..., em Lisboa, da qual é arrendatária a sociedade por quotas R...-Comércio de Automóveis,Lda., que vinha pagando a renda mensal de 115 000$00, perfazendo anualmente o montante global de 1 380 000$00.

      A Comissão de Avaliação - constituída nos termos do artigo 5º do Decreto n.º 37021, de 21 de Agosto de 1948 – por meio de deliberação de 10 de Dezembro de 1990, fixou em 21 600 000$00 a renda anual da referida fracção autónoma.

    2. Informada, interpôs a ora recorrente recurso para o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, o qual, por sentença de 15 de Janeiro de 1992, homologou o laudo dos membros da Comissão de Avaliação, declarando-se fixada a respectiva renda anual em 21 600 000$00, o que corresponde a uma renda mensal de 1 800 000$00.

      Desta decisão, interpôs a recorrente recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, suscitando nas suas alegações a questão de constitucionalidade da norma do § único do artigo 15º do Decreto n.º 37021 e concluindo:

      "a) a proibição de recurso, prevista no § único do artº l5º do Decreto 37.021 de 21.8.48, abrange apenas os aspectos administrativos do recurso de avaliação interposto da Comissão de Avaliação para o Juiz da comarca;

      b) se se entender que esta proibição de recurso abrange também os aspectos jurisdicionais do recurso de avaliação, então, o preceito desse § único será inconstitucional quer sob o ponto de vista formal quer sob o ponto de vista material;

      c) o DL 330/81 de 4.12 criou dois regimes de ajustamento de rendas - uma actualização anual para os contratos nascidos após a data da sua entrada em vigor (artº lº); uma avaliação fiscal extraordinária para os contratos já existentes à data da entrada em vigor do diploma (artº 4º, nº 2);

      d) o Despacho Normativo 75/82, de 11.5.82 confirma este entendimento;

      e) o DL 189/82, de 17.5, ao interpretar autenticamente o DL 330/81, não modificou esta interpretação, i.e., não afastou a aplicabilidade do artº 19 do DL 330/81 aos contratos nascidos após a entrada em vigor do diploma, nem afastou a aplicabilidade do artº 4º, nº 2 aos contratos existentes à data da entrada em vigor do diploma;

      f) o DL 189/82, veio apenas esclarecer que o regime atrás referido se aplicava não apenas aos arrendamentos comerciais, industriais e das profissões liberais mas também a todos os outros com fins diferentes de habitação;

      g) quando, em 5.4.82, a apelante e o seu senhorio negociaram e assinaram o contrato de arrendamento junto aos autos, sabiam ambos, à partida, que esse contrato só era passível duma actualização anual, após o período consensual de congelamento da renda, e nunca duma avaliação fiscal extraordinária;

      h) a sentença devia ter anulado a avaliação fiscal extraordinária por esta contrariar o disposto no artº 4º do DL 330/81 de 4.12;

      i) a sentença fez errada interpretação e aplicação deste diploma, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que declare a nulidade da avaliação fiscal extraordinária com todos os efeitos daí decorrentes."

    3. Por Acórdão de 11 de Julho de 1996, o Tribunal da Relação de Lisboa, considerando não ser o recurso legalmente admissível, não tomou conhecimento do seu objecto.

      Para isso, fundamentou-se nos seguintes termos:

      "E, nos termos do § único do art. 15º deste decreto, aditado pelo Dec. Reg. nº 1/86, de tal decisão não há recurso.

      E, ao contrário do que pretende a apelante nas suas alegações, em antecipação a este mais que provável entendimento, de nenhuma forma o mesmo viola os princípios constitucionais do não retrocesso e da igualdade.

      O primeiro porque, como já vimos, o dito § único não veio retirar nada que existisse antes, uma vez que a impossibilidade de apelação para a Relação sempre esteve consagrada no C.P.C.; e o segundo, porque as situações que a recorrente pretende qualificar como iguais não o são realmente, porquanto não há noutros processos situações semelhantes à da não admissibilidade legal da avaliação fiscal extraordinária de rendas e, se as houvesse, também destas não seria antes admissível recurso para a Relação ou Supremo, por força do disposto no artº 800º do C.P.C..

      Por outro lado, mesmo sob o ponto de vista formal, o § único do artº l5º do Dec. 37.021, aditado pelo Dec. Reg. nº 1/86, está conforme às normas constitucionais, por ter sido introduzido ao abrigo da Lei nº 2.030, que, no seu art. 57º, nº l estabelece que as normas reguladoras da avaliação de prédios urbanos e dos respectivos recursos serão estabelecidas por decreto dos Ministérios da Justiça e das Finanças.

      Este decreto veio a ser o Dec. 37.021, que o Dec. Reg. nº 1/86 se limitou a alterar, o qual foi elaborado pelo Governo no uso da competência administrativa atribuída pela al. c) do art. 202º da Constituição da República Portuguesa.

      Não há, pois, qualquer inconstitucionalidade, nem qualquer razão para fazer destrinça entre os aspectos jurisdicionais e os administrativos da decisão ou sentença final que julga em recurso de deliberações nos processos de avaliação fiscal."

    4. E...–Comércio de Viaturas,Ldª - habilitada por sentença do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de Janeiro de 1996 - interpôs, nos termos do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, recurso para este Tribunal para apreciação da constitucionalidade da norma do § único do artigo 15º do Decreto n.º 37021, "por violação dos princípios do não-retrocesso e da igualdade constitucionalmente consagrados".

      Nas alegações que trouxe junto deste Tribunal, concluiu assim:

      "1. O novo § único, aditado pelo artigo 1º do Decreto Regulamentar nº 1/86, de 2 de Janeiro, ao artigo 15º do Decreto nº 37784, de 14 de Março de 1950, veio estatuir que não cabe recurso da decisão do juiz do tribunal da comarca sobre o recurso interposto das deliberações das comissões de avaliação instituídas pelo Decreto nº 37021, de 21 de Agosto de 1948.

    5. Este decreto regulamentar, ao privar de recurso a decisão do juiz da comarca que aprecia o recurso das deliberações das comissões de avaliação, retirou aos particulares um instrumento de protecção judiciária contra actos judiciários.

    6. A deliberação da comissão de avaliação é um acto administrativo.

    7. A sentença do juiz da comarca representa a primeira decisão sobre o caso revestida de carácter jurisdicional. Ora, sobre qualquer erro cometido nesta primeira apreciação jurisdicional não pode incidir uma revisão feita por juízes. Um só juiz - e um juiz de lª, instância - decide definitivamente da situação jurídica controvertida. Por mais vultosos que sejam os interesses em causa, por mais manifesto e gravoso que seja um erro cometido em tal apreciação, esta permanece insusceptível de toda e qualquer nova estimativa.

    8. Não pode assim deixar de reconhecer-se que o § único aditado pelo Decreto Regulamentar nº 1/86 ao artigo 15º do Decreto nº 37021, de 4 de Agosto de 1948, representou uma violação pelo legislador do dever de se abster de atentar contra a realização do direito de acesso aos tribunais.

    9. O preceito em causa é, assim, materialmente inconstitucional por violação do princípio do não retrocesso, tal como este se articula com a garantia da via judiciária estabelecida pelo artigo 20º, nº 1 da Constituição, com a existência de várias instâncias judiciais, de acordo com o artigo 211º, nº 1, alínea a), e, em geral, com o princípio do Estado de direito, proclamado no artigo 2º do texto constitucional.

    10. O ‘princípio do não retrocesso’ diz-nos que, uma vez produzidas pelo legislador ordinário normas destinadas a cumprir uma determinada tarefa constitucional, não podem estas posteriormente vir a ser revogados ou substituídas por outras que instituam um regime claramente menos favorável.

    11. O duplo grau de jurisdição representa um princípio geral processual que consagra uma garantia essencial aos interesses das partes e ao interesse superior da justiça, não carecendo de estar expressamente afirmado ‘qua tale’ no texto da Lei Fundamental para ter repercussão constitucional.

    12. Mesmo que as considerações anteriores não procedessem, o preceito do § único do artigo l5º do diploma em causa sempre violaria o princípio constitucional da igualdade, na parte em que veio impedir o recurso da decisão do juiz da comarca quanto à questão de direito da admissibilidade ou inadmissibilidade da avaliação fiscal extraordinária. Com efeito, sempre se poderá recorrer de qualquer sentença que verse sobre qualquer outro ponto de direito atinente ao mesmo arrendamento.

    13. Padece ainda tal preceito de inconstitucionalidade formal, na medida em que, sendo matéria relativa aos direitos, liberdades e garantias e à organização e competência dos tribunais, nunca poderia revestir a forma de decreto regulamentar, mas, a ser admissível de um ponto de vista material, deveria revestir a forma de decreto-lei, precedido da competente autorização legislativa."

      Por seu turno, R. Hr. – habilitada por sentença do Tribunal da Relação de Lisboa de 14 de Abril de 1994 – sintetizou do seguinte modo as suas contra-alegações:

      "l. Não há recurso para o Tribunal da Relação das decisões da 1ª Instância nos processos de Avaliação Extraordinária de Rendas por que tal o impede o § único do art. 15º do Dec. Lei nº 37 021 na redacção do Decreto Regulamentar nº 1/86.

    14. Não há inconstitucionalidade material:

      a) Não foi violado o princípio do não retrocesso, porque não há nem...

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