Acórdão nº 658/98 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Novembro de 1998

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução18 de Novembro de 1998
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 658/98

Proc. n.º 441/94

  1. Secção

Relator — Paulo Mota Pinto

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. A. M. e mulher instauraram acção de despejo contra A. P. e mulher pedindo a desocupação do prédio que estes habitam na cidade do Porto, por caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre o réu marido e a usufrutuária do prédio, resultante do falecimento desta em 6 de Agosto de 1992, com a consequente consolidação da propriedade plena na autora, até então proprietária da raiz.

      Na contestação, os réus sustentaram, além do mais, que o artigo 5º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano (abreviadamente RAU), é inconstitucional, por ao revogar o artigo 1051º, n.º 2 do Código Civil, violar a directriz do artigo 2º, alínea c), da respectiva lei de autorização legislativa (Lei n.º 42/90, de 10 de Agosto), no sentido da "preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário".

      Por despacho saneador, o juiz do Tribunal Cível da Comarca do Porto, negando embora que a referida inconstitucionalidade se verificasse, julgou a acção improcedente.

    2. Inconformados, apelaram os autores para o Tribunal da Relação do Porto, tendo os réus renovado nas suas contra-alegações a questão da constitucionalidade que haviam suscitado.

      Por Acórdão de 4 de Julho de 1994, o Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e condenando os réus a despejar o locado. Lê-se nesse aresto, quanto à questão de constitucionalidade suscitada:

      "Da conjugação das normas do DL 321-B/90 com o preceito constitucional que visa a satisfação do direito social à habitação, resulta que o legislador ordinário entendeu como socialmente útil, em vez duma excessiva protecção do inquilino, consagrar um regime que não cerceasse de forma excessiva os direitos dos proprietários. Desse facto é exemplo a consagração dos contratos de duração limitada (art. 98 a 101 o RAU) em que se veio permitir a denúncia do contrato por vontade do proprietário como claro desvio ao princípio estabelecido no art. 1054 do C.Civil em que a denúncia apenas pode ter lugar no tempo e pela forma designados na lei. Há aqui a manifestação de reduzir o carácter vinculativo do contrato por forma a que, liberalizando-o, os proprietários se sintam mais confiantes em que o arrendamento não represente uma indisponibilidade futura do locado e ponham no mercado da habitação mais casas, construídas ou a construir. A regra da renovação automática não serve um fim socialmente útil como o reconhece o legislador.

      Também a injunção do art. 1051, n.º 2 constituía uma limitação à vontade do proprietário. Este via-se constrangido a ver constituído um direito de arrendamento sobre o locado, com as renovações automáticas acima referidas, quando se tinham extinto os poderes legais com base nos quais o contrato tinha sido celebrado (art. 1439 e 1443 do C.Civil). Como referem Menezes Cordeiro e Castro Fraga (Novo Regime do Arrendamento Urbano, 40) «esta medida (o n.º 2 do art. 1051) era disfuncional e, provavelmente, inconstitucional. Disfuncional, por admitir que alguém possa onerar o que não lhe pertence; inconstitucional por conduzir a uma autêntica expropriação por utilidade particular, sem qualquer indemnização». E mais adiante acrescentam que «como resquício do regime agora revogado, o legislador veio estabelecer o direito a novo arrendamento quando o contrato caduque por força da al. C) do art. 1051». A injunção era de tal forma violadora do mútuo consenso que foi entendido não corresponder a uma saudável conjugação de esforços em benefício da sociedade e do país, como se referiu no preâmbulo do decreto, para propiciar um clima de confiança que dinamizasse o mercado da habitação no aspecto em análise. Conclui-se, pois, que não era socialmente útil."

    3. É deste Acórdão que vem interposto pelos demandados o presente recurso de constitucionalidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Nas suas alegações, os recorrentes concluíram:

      "O Governo, ao legislar sobre o arrendamento urbano por autorização legislativa da Assembleia da República, nos termos da Lei 42/90, de 10 de Agosto, estava obrigado, segundo a alínea c) do seu n.º 2, à ‘preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário’.

      Sendo o arrendamento urbano matéria de competência exclusiva da Assembleia da República, o Governo apenas poderia legislar nos estritos limites da lei de autorização.

      Com a publicação do Dec-Lei 321-B/90, ao não acautelar as situações pré-existentes, pondo-as em causa, claramente colocou em crise os contratos antes celebrados à luz de legislação que muito mais favoravelmente tutelava a posição do arrendatário.

      Assim, a norma do n.º 2 do artigo 5º do Dec-Lei 321-B/90, violou de forma manifesta a alínea c) do n.º 2 da lei de autorização legislativa.

      O que se constitui em óbvia inconstitucionalidade orgânica."

      Por sua vez, os recorridos contra-alegaram que:

      "(...) tal como foi sustentado, e muito bem, no Acórdão recorrido, ‘a regra da renovação automática não serve um fim socialmente útil.

      Consequentemente, ao revogar o aludido n.º 2 do artigo 1051º do Código Civil não permitindo a continuidade do contrato por efeito da sua caducidade, o legislador não feriu nenhuma regra socialmente útil, pois o que se tem vindo a verificar é, precisamente, que mais protegidos ficam os interesses do ‘arrendatário’ quanto maior fôr a liberdade contratual nesta matéria.

      Na verdade, foi exactamente pelo reconhecimento de que as medidas restritivas, essas sim prejudicavam o mercado do arrendamento, que o legislador considerou socialmente útil suprimir aquela disposição legal."

    4. Corridos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.

  2. Fundamentos:

    1. Objecto do presente recurso de constitucionalidade é a norma do artigo 5º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano (abreviadamente RAU), pela qual foi revogado o artigo 1051º, n.º 2 do Código...

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