Acórdão nº 494/99 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Agosto de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução05 de Agosto de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 494/99

Processo n.º 516/99

Plenário

Relator – Paulo Mota Pinto

Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional:

  1. Relatório

    O Presidente da República requereu ao Tribunal Constitucional em 14 de Julho de 1999, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 278º da Constituição da República Portuguesa e dos artigos 51º, n.º 1, e 57º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, a apreciação preventiva da constitucionalidade de todas as normas da "Convenção Sobre Segurança Social entre a República Portuguesa e a República do Chile", assinada em Lisboa em 25 de Março de 1999, e aprovada pelo Decreto do Governo registado com o n.º 281/99 no livro de registos e diplomas da Presidência do Conselho de Ministros e recebido na Presidência da República no passado dia 8 de Julho para ser assinado.

    O requerimento vem alicerçado nos seguintes fundamentos:

    1. O Decreto em causa foi aprovado ao abrigo da alínea c) do n.º 1 do artigo 197º da Constituição, por o Governo o ter qualificado como "acordo internacional" cuja aprovação não seria da competência da Assembleia da República;

    2. As competências da Assembleia da República e do Governo para aprovação de convenções internacionais foram alteradas pela revisão constitucional de 1997, tendo o Governo deixado de dispor de competência para a aprovação de tratados, e esta alteração não pode ser esvaziada de sentido útil através de uma mudança de qualificação formal de convenções de tratados para acordos por forma a manter-se substancialmente inalterada a competência do Governo, sendo certo que a possibilidade de recurso sistemático à aprovação de "acordos" onde antes se celebravam tratados poderia ter "efeitos perversos" quanto aos poderes do Presidente da República, se se defender que, ao contrário do que acontece com a ratificação de tratados, a assinatura dos decretos do Governo que aprovam acordos internacionais não é acto livre, mas sim vinculado, do Chefe de Estado;

    3. A disciplina constitucional da aprovação de tratados e acordos internacionais pressupõe uma distinção material entre ambos, em termos semelhantes aos adoptados no Acórdão n.º 168/88 do Tribunal Constitucional (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º vol., págs. 173 e segs., 203), impondo-se, portanto, a forma de tratado para a disciplina primária semelhante à das leis internas e deixando a forma de simples acordo para instrumentos diplomáticos executivos de tratados já celebrados - sentido, este, da disciplina constitucional que só foi reforçado com a última revisão constitucional;

    4. A "Convenção sobre Segurança Social entre a República Portuguesa e a República do Chile" deve revestir a forma de tratado e, por conseguinte, ser aprovada pela Assembleia da República, pois contém uma regulação primária da matéria – natureza que ela mesma assume, com princípios rectores e regras gerais e prevendo a necessidade de desenvolvimento e regulamentação posteriores (esses, sim, por acordo em forma simplificada) - e incide sobre um domínio sensível como é o da segurança social e correspondentes direitos fundamentais e prestações sociais, a atribuir aos cidadãos dos dois países, dispondo sobre a aplicação também de legislação futura;

    5. O Governo, ao aprovar a "Convenção sobre Segurança Social entre a República Portuguesa e a República do Chile", violou os princípios do Estado de Direito e da separação de poderes consagrados, respectivamente, nos artigo 2º e 111º, n.º 1, da Constituição, tal como se encontram concretizados nas normas de distribuição e reserva de competências dos artigo 161º, alínea i), e 197º, n.º 1, alínea c), também da Constituição;

    6. Acresce que a referida Convenção regula a aplicação de legislação sobre o regime geral da segurança social e sobre os serviços oficiais de saúde, tratando directamente matérias reguladas pela lei de bases da segurança social, que contendem com princípios ou aspectos fundamentais do respectivo regime, pelo que a sua matéria se inclui na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, prevista no artigo 165º, n.º 1, alínea f), da Constituição, violando a sua aprovação, pois, em qualquer caso, a reserva parlamentar de aprovação de acordos internacionais consagrada no artigo 161º, alínea i), 2ª parte, da Constituição da República.

      Notificado o Primeiro-Ministro, nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, apresentou o mesmo resposta, pugnando pela plena validade da "Convenção sobre Segurança Social entre a República Portuguesa e a República do Chile", já que, em conclusão:

    7. A Constituição não consagra, exceptuada a "reserva necessária de tratado" prevista na alínea i) do artigo 161º, qualquer distinção material entre acordos e tratados, nem do mesmo preceito decorre qualquer critério que permita o alargamento da mesma reserva fundada no carácter "primário" da disciplina dos tratados;

    8. Da preclusão da competência do Governo para aprovar tratados, resultante da revisão constitucional de 1997, não decorre qualquer limitação de "densidade reguladora" quanto ao seu poder para aprovar tratados sobre todas as matérias delimitadas negativamente pela alínea c) do n.º 1 do artigo 197º da Constituição;

    9. Qualquer interpretação que defenda a "expropriação" das competências do Governo explicitadas na Constituição, com o consequente alargamento das de outros órgãos de soberania, sem o amparo numa norma constitucional habilitante, viola objectivamente o "princípio da reserva ou exclusividade constitucional" previsto no n.º 2 do artigo 110º da Constituição, o "princípio da separação de poderes" ínsito no n.º 1 do artigo 111º, e o "princípio da segurança jurídica" nas relações internacionais, contido no "princípio do Estado de Direito Democrático" (artigo 2º da Constituição);

    10. A Convenção sobre Segurança Social celebrada entre as Repúblicas portuguesa e chilena reveste necessariamente a natureza de acordo internacional, independentemente da questão do carácter primário da sua normação, desde que as matérias por ela regidas respeitem à área legislativa concorrencial entre o Governo e a Assembleia da República;

    11. A disciplina normativa da mesma convenção não inova nem contraria a matéria de grandes opções de segurança social (coincidente com o domínio legislativo básico reservado à competência da Assembleia da República), antes desenvolve e integra as referidas directrizes e opções, no marco do artigo 9º da Lei de Bases da Segurança Social, que prevê a concretização, extensão e adaptação do seu regime por convenções internacionais;

    12. A regulação contida no acordo não abrange todo o regime geral objecto de directivas da lei de bases, antes consagrando uma disciplina particular relativamente a apenas três sectores que integram aquele regime, corporizada em normas pluri-sectoriais de extensão limitada e normas sectoriais dotadas de uma densidade idêntica aos decretos-leis que desenvolvem a mencionada lei de bases da segurança social;

    13. Os acordos administrativos para os quais a Convenção remete não se destinam a desenvolver a normação da mesma Convenção, mas a assegurar a sua aplicação sectorial, dispondo de densidade idêntica à dos regulamentos previstos por cada um dos decretos-leis complementares que regem cada um dos três sectores abrangidos;

    14. As considerações expostas nas alíneas f) e g) valem para a aplicação da Convenção a regimes especiais de segurança social;

    15. O regime normativo da Convenção coincide, pois, em densidade reguladora e âmbito material de aplicação, com os decretos-leis que desenvolvem a lei de bases sobre segurança social, domínio que, não se encontrando reservado à Assembleia da República, se integra, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 197º da Constituição, na esfera de competência do Governo para o efeito da aprovação de acordos internacionais.

      Cumpre apreciar e decidir.

  2. Fundamentos

    1. Os poderes de aprovação de tratados e acordos internacionais

      A "Convenção sobre Segurança Social entre a República Portuguesa e a República do Chile" (doravante apenas Convenção) é o primeiro instrumento internacional disciplinador das relações bilaterais entre os dois países, relativas à matéria de Segurança Social dos nacionais dos dois Estados que trabalhem ou tenham trabalhado, e/ou residam ou tenham residido, nos respectivos territórios, bem como dos seus familiares.

      Relativamente a Portugal, a Convenção aplica-se à legislação presente ou futura sobre o regime geral da segurança social, no que respeita às prestações nas eventualidades de invalidez, velhice, e sobrevivência, incluindo as prestações previstas no seguro voluntário; à legislação sobre os regimes especiais relativos a certas categorias de trabalhadores no que respeita às mesmas eventualidades; e à legislação sobre as eventualidades de doença e maternidade (artigo 2º, n.º 1, A), alíneas a), b) e c) da citada Convenção). Contudo, não se aplica nem à legislação portuguesa sobre assistência social, nem à que estabelece regimes especiais para os funcionários públicos ou pessoal equiparado (artigo 2º, n.º 4, da Convenção – tal como todos os artigos referidos neste ponto sem indicação especial).

      No que diz respeito ao âmbito subjectivo de aplicação, a Convenção aplica-se às pessoas que estão ou estiveram sujeitas à legislação referida, bem como aos seus familiares, quer sejam nacionais de uma ou de ambas as partes contratantes (artigo 3º). Todavia, a Convenção não se aplicará às legislações que estendam os regimes existentes a novas categorias de beneficiários se qualquer das partes contratantes a tal aplicação se opuser (artigo 2º, n.º 2, alíneas a) e b)), nem abrange as disposições contidas noutras convenções bilaterais ou multilaterais celebradas por qualquer das partes na mesma matéria (artigo 2º, n.º 3).

      A Convenção em causa prevê a igualdade de tratamento das pessoas que estão ou tenham estado sujeitas à legislação sobre Segurança Social que constitui o seu âmbito de aplicação material (artigo 2º, n.º 1), que residam ou se...

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