Acórdão nº 457/99 de Tribunal Constitucional (Port, 13 de Julho de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução13 de Julho de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 457/99

Proc. nº 249/94

  1. Secção

    Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

    Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

    I

    Relatório

    1. C... interpôs recurso contencioso para o Supremo Tribunal Administrativo de despacho do Subsecretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros de 26 de Junho de 1991. Tal despacho negara provimento ao recurso hierárquico que tinha sido interposto do despacho do Secretário-Geral da Presidência do Conselho de Ministros de 13 de Março de 1991. Este último, por sua vez, considerando a doutrina do parecer nº 4/91 do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República – homologado por despacho do Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, de 12 de Março de 1991 (e publicado no D.R., II série, de 7 de Maio de 1991) - , havia indeferido, "por não se verificar comprovado o cômputo de tempo indispensável exigido pela lei", o requerimento de 7 de Novembro de 1990 de atribuição ao recorrente da subvenção mensal vitalícia prevista no artigo 24º da Lei nº 4/85, de 9 de Abril. Requerimento no qual, por seu turno, o ora recorrente pedira a contagem para tal efeito do tempo durante o qual exerceu as funções de Governador de Macau.

      A 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 8 de Fevereiro de 1994, negou provimento ao recurso. Quanto à questão de constitucionalidade, apoiou-se, no essencial, na seguinte fundamentação:

      É, pois a situação do governador de Macau substancialmente diferente da do ministro do Governo da República, pelo que o tratamento consagrado no art. 24º nº 1 da Lei nº 4/85, ao não contemplar o governador de Macau, tem o seu fundamento material bastante, de maneira a que se não possa considerar postergado ou afrontado o art. 13º da C.R.P..

    2. Inconformado com esta decisão, C... interpôs recurso para este Tribunal, ao abrigo do disposto nos artigos 280, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.

      Como o requerimento de interposição do recurso não satisfazia os requisitos previstos no artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, o recorrente foi convidado, no tribunal recorrido, a indicar os elementos previstos nesse preceito legal. Na resposta a tal convite, indicou que:

      o "a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie é o artigo 24º, nº 1 da Lei 4/85, de 9 de Abril";

      o "a norma violada é o nº 1 do Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa"; e

      o "a questão da inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento de recurso e alegações do recorrente".

      Posteriormente, nas alegações do recurso de constitucionalidade, apresentou as seguintes conclusões:

  2. ) A Lei nº 4/85 representa o cumprimento parcial da imposição constitucional constante do artº 120º da CRP, nela se regulando o estatuto remuneratório dos titulares de diversos cargos políticos e o apoio público aos mesmos após a cessação das respectivas funções;

  3. ) O regime constante da Lei nº 4/85 fundamenta-se no reconhecimento do prejuízo que o exercício de funções políticas pode causar, no plano das respectivas carreiras profissionais, aos titulares de cargos políticos, e constituem seus objectivos, no tocante ao apoio público após a cessação de funções, a dignificação do seu estatuto e a possibilidade de um reingresso na vida civil compatível com esta;

  4. ) O conceito de cargo político constante do artº 120º da CRP abrange todos os cargos aos quais está constitucionalmente confiado o exercício da função política;

  5. ) O ordenamento jurídico de Macau é autónomo relativamente à ordem jurídica portuguesa, e nele o EOM tem natureza de lei fundamental, não vigorando a CRP no Território senão na medida em que é por aquele recebida;

  6. ) O EOM tem, simultaneamente, natureza de lei constitucional da República;

  7. ) O cargo de Governador de Macau tem natureza híbrida, porquanto é, do mesmo passo, órgão de governo próprio do Território e órgão constitucional da República, que representa em Macau os órgãos de soberania, com exclusão dos tribunais;

  8. ) Em função dessa natureza híbrida, certos aspectos do estatuto do cargo de Governador estão subtraídos à competência dos órgãos legislativos da República - como é o caso do seu estatuto remuneratório - mas nos demais aspectos, a sua natureza de cargo político vincula o legislador português, por força do artº 120º da CRP, a regular o respectivo estatuto, na medida necessária à uniformização do âmbito de regulamentação dos diversos cargos políticos;

  9. ) O princípio da igualdade impõe a proibição do arbítrio no exercício da função legislativa e determina a proibição de discriminações não baseadas numa diferenciação objectiva das situações materiais objecto de regulamentação, ou que não sejam necessárias, adequadas e proporcionais à medida da diferença dessas situações;

  10. ) O principio da proporcionalidade, nas suas vertentes da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, tem uma função ansilar relativamente ao princípio da igualdade, na medida em que se há-de recorrer àquele para avaliar se as diferenciações de tratamento são admissíveis face à distinção das situações materiais subjacentes;

  11. ) Do ponto de vista do estatuto jurídico dos cargos de membro do Governo e de deputado, previstos no artº 24º, nº l, da Lei nº 4/85, e do cargo de Governador de Macau, a distinção existente é no sentido de uma maior responsabilidade política deste último;

  12. ) Do ponto de vista do objectivo de apoio público aos titulares de cargos políticos após a cessação das respectivas funções - objectivo prosseguido pela Lei nº 4/85 - não existe distinção entre a situação do cargo de Governador de Macau e dos cargos enunciados no 24º, nº 1, deste diploma;

  13. ) A distinção existente ao nível dos respectivos estatutos remuneratórios durante o exercício de funções tem o seu fundamento na natureza de órgão de governo próprio de Macau de que o cargo de Governador se reveste, mas não tem relevância do ponto de vista do estatuto após a cessação dessas funções, em que a natureza de cargo constitucional sobreleva a anterior;

  14. ) A diferenciação de tratamento operada pelo artº 24º, nº 1, da Lei nº 4/85 entre o Governador de Macau e os cargos aí previstos não é adequada e proporcional à distinção dos estatutos jurídico-políticos subjacentes;

  15. ) O artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucionalº 24º, nº 1, da Lei nº 4/85 ofende, por isso, o princípio da igualdade, consagrado no artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucionalº 13º da CRP.".

    O Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, por sua vez, apresentou contra-alegação, na qual concluiu:

    A - O recurso para o Tribunal Constitucional previsto nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da C.R.P. e 70º, nº lº alínea b), da Lei nº 28/82, só é admissível se a decisão de que se recorre não admitir recurso ordinário;

    B - Do acordão de 8/2/94 da lª Secção do STA cabia recurso ordinário para o Pleno da Secção, nos termos do artigo 24º, alínea a), do Dec.-Lei nº129/84, de 27 de Abril - Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - recurso esse que não foi interposto;

    C - Não é, pois, admissível recurso, para o Tribunal Constitucional, do referido acordão, por não estar verificado o pressuposto da exaustão dos recursos ordinários, o que determina o não conhecimento do recurso;

    D - Nem a Constituição nem a Lei adoptaram qualquer fórmula geral relativa a uma noção de cargo político;

    E - Nos diplomas editados em execução do disposto no artigo 120º da Constituição, o legislador tem optado por enunciar, em relação a cada uma das matérias disciplinadas (controle público da riqueza dos titulares de cargos políticos, crimes de responsabilidade, incompatibilidades, estatuto remuneratório), por enunciar taxativamente os cargos abrangidos pelas respectivas normas, variando assim o respectivo âmbito subjectivo de aplicação que, nuns casos é mais amplo, noutros, mais restrito;

    F - No que respeita ao Estatuto Remuneratório (Lei nº 4/85, alterada pela Lei nº 16/87) o artigo 1º faz uma enumeração geral dos cargos abrangidos, procedendo depois, nos vários títulos em que o diploma se divide, a restrições do âmbito subjectivo de aplicação, nomeadamente no que se refere à atribuição da subvenção mensal vitalícia. (Artº 24º)

    G - Desta delimitação resulta que apenas têm direito a tal subvenção os membros do Governo, os Deputados à Assembleia da República e os Juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira.

    H - No que respeita à espécie do tempo contados para efeitos de computo do período exigido como pressuposto de atribuição da subvenção mensal vitalícia, considera-se, em benefício dos Deputados, o tempo de serviço no exercício de funções de Governador e Vice-governador Civil.

    I - A opção pela instituição deste regime fechado, quanto à enunciação de cargos e quanto ao tempo de serviço contável para efeitos da atribuição da subvenção vitalícia, é perfeitamente legítima, na falta de norma constitucional que estabeleça uma noção geral de cargo político.

    J - E nem a finalidade visada por aquele diploma - apoio público aos titulares de cargos políticos após a cessação de funções - através da instituição de uma medida de segurança social que acresce aos regimes normais de aposentarão ou reforma,- obsta que o legislador pondere, em face do estatuto de cada cargo político, os que devem beneficiar de tal medida, incluindo uns e excluindo outros.

    L - O artigo 24º da Lei nº 4/85, ao não incluir o Governador de Macau - a par de outros cargos de conteúdo político e mesmo alguns orgãos constitucionais - não faz mais do que reconhecer a especificidade dos respectivos ‘estatutos’;

    M - Tal exclusão - a do cargo de Governador de Macau - não constitui tratamento diferenciado que acarrete a inconstitucionalidade daquela norma.

    N - Na verdade, o princípio constitucional da igualdade não proíbe que, por lei, se...

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