Acórdão nº 286/99 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Maio de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução11 de Maio de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 286/99

Proc. nº 302/93

  1. Secção

Relatora: Consª. Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional

I

  1. L..., identificado nos autos, interpôs junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, em 17 de Setembro de 1992, recurso de anulação do despacho do Director-Geral da Administração Escolar do Ministério da Educação, de 10 de Agosto de 1992, que indeferiu a reclamação por ele deduzida na sequência da exclusão da lista provisória de candidatos ao concurso de professores do ensino básico para o ano escolar de 1992/93.

    O recorrente alegou que o referido despacho padece do vício de violação de lei, por aplicação de norma inconstitucional, a saber, o artigo 42º, nº 1, do Decreto-Lei nº 18/88, de 21 de Janeiro. Esta disposição legal, que estabelece uma prioridade (4ª) aos candidatos casados com funcionários da Administração Pública ou com militares – a chamada preferência conjugal –, implicaria, na perspectiva do recorrente, uma discriminação, constitucionalmente proibida, dos filhos nascidos de união de facto em face dos filhos nascidos de relação matrimonial. Isto porque, ao não equiparar a união de facto ao casamento para efeitos de preferência conjugal, o legislador estaria, pelo menos indirectamente, a privilegiar uns em detrimento de outros, atentando contra o artigo 36º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, bem como contra a jurisprudência constitucional (nomeadamente, o acórdão nº 359/91, publicado no Diário da República, I, de 15 de Outubro de 1991, p. 5332 ss).

  2. Por sentença de 25 de Março de 1993, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa deu razão ao recorrente. Começando por fazer referência à alteração dos costumes e à flexibilização dos modos de constituição das relações familiares, o Tribunal retirou as seguintes consequências:

    "A alteração constitucional introduzida em 1976 veio de facto alterar profundamente os fundamentos axiológicos imanentes à ordem jurídica, de tal modo que o próprio legislador comum se mostra ainda hoje algumas vezes inadaptado às novas circunstâncias e continua a raciocinar e a exprimir-se como se situado no regime jurídico antecedente em que os filhos nascidos de pais não casados tinham direitos inteiramente diferentes, no sentido da limitação em relação aos demais.

    Um exemplo desse modo de actuar parece-nos encontrar-se no disposto nos artºs 42º, nº 1 e 46º do DL 18/88, de 21.01, a propósito da preferência na colocação de professores em escolas que se situem na proximidade da residência familiar.

    Efectivamente, o texto do DL 18/88 refere-se sempre aos professores «casados» e à «preferência conjugal», mas se nos detivermos a procurar qual o interesse que se visa proteger com estas disposições não há dúvida de que vamos encontrar o interesse da família seja ele qual for (de facto ou de direito), nesse interesse familiar relevando especialmente quando os haja, o interesse dos filhos, que devem crescer junto dos pais e não podem ser deles separados senão em casos muito graves (nº 6 do artº 36º).

    Portanto, no plano da sua axiologia contêm estes preceitos do DL 18/88 um amplo segmento de estatuição relativo ao interesse dos filhos.

    Diferente entendimento seria redutor da ideia de bem comum própria da normatividade porque os ditos preceitos não poderiam entender-se como protegendo apenas o interesse de os cônjuges se acharem junto um do outro e cumprirem assim o dever de coabitação, mas antes direccionados a permitir o melhor e mais amplo exercício do complexo feixe de direitos e deveres inerentes à situação familiar compreendendo o bem estar e a educação dos filhos.

    Como o escopo da norma é a protecção da família, incluídos os filhos, também os nascidos fora do casamento hão-de ser contemplados por esse benefício, mas a redacção dos mencionados artigos ao insistir na terminologia dos «professores casados» e dos «cônjuges» não é de molde a facilitar uma interpretação e aplicação conformes à constituição".

    Em conclusão, e invocando expressamente a orientação assumida pelo Tribunal Constitucional no acórdão nº 359/91, decidiu o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que

    "De harmonia com o exposto recusa-se a aplicação dos artºs 42º nº 1 e 46º do DL 18/88 na interpretação restritiva que exclui da preferência neles estabelecida os professores que sendo pais de filhos menores, mas não casados, convivam com os filhos e a companheira, mãe dos menores, em condições idênticas às dos cônjuges, por tais preceitos serem violadores do disposto no artº 36º nºs 4 e 6 da Constituição da República."

  3. O Ministério Público, nos termos dos artigos 280º, nº1, alínea a), e nº 3, da Constituição da República Portuguesa e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional.

    Nas suas alegações, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional começou por delimitar os preceitos constitucionais em causa, reconduzindo-os aos artigos 13º e 36º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, ou seja, situando a questão do domínio do princípio da igualdade na sua vertente negativa – proibição de discriminação entre filhos nascidos de um matrimónio e filhos nascidos de uma união de facto.

    De seguida, confrontou a decisão objecto de recurso com o acórdão do Tribunal Constitucional que o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa invocou para reforçar o sentido da sua decisão: o acórdão nº 359/91. Neste aresto discutia-se a constitucionalidade de um assento do Supremo Tribunal de Justiça que decretou a impossibilidade de aplicação analógica do artigo 1110º do Código Civil – sobre a atribuição judicial do direito ao arrendamento da casa de morada da família – às situações de união de facto em que haja filhos menores. O Tribunal Constitucional decidiu que o assento era inconstitucional por violação do princípio da não discriminação que deriva do artigo 36º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, mas essa decisão, de acordo com a tese do Ministério Público, teve por objecto mediato uma norma – o artigo 1110º do Código Civil – que indicava expressamente o "interesse dos filhos" como um dos critérios que deveria servir de base aos tribunais quando confrontados com a questão da atribuição da casa de morada da família por ocasião do divórcio:

    "A discriminação, violadora do princípio da igualdade de tratamento dos filhos, assentava deste modo, em o interesse dos filhos nascidos de mera união de facto não poder nunca mesmo quando tal se revelasse materialmente fundado influir na decisão sobre a atribuição do direito ao arrendamento ao progenitor a cuja guarda eram confiados, ao contrário do que ocorria quando tivesse existido uma relação matrimonial, em que o referido interesse dos menores era erigido em...

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