Acórdão nº 236/99 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Abril de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Sousa Brito
Data da Resolução28 de Abril de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão 236/99

Proc. nº 317/92

  1. Secção

Relator: Cons. Sousa e Brito

Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:

I - Relatório

1 – O Tribunal de Família de Lisboa, por decisão de 19 de Novembro de 1984, julgou procedente a acção de divórcio interposta por A..., ora recorrido, contra M..., ora recorrente, tendo julgado improcedente a reconvenção deduzida pela Ré. Considerou o Tribunal que os factos provados integravam o fundamento de divórcio previsto na alínea a) do artigo 1781º do Código Civil – separação de facto por seis anos consecutivos – decretando, em consequência, a dissolução do casamento.

Entendeu ainda o Tribunal não ser possível declarar a culpa dos cônjuges na dissolução do casamento, por não ter sido provada matéria de facto que permitisse esse juízo.

2 – Inconformados, Autor e Ré recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 18 de Abril de 1989, confirmou a decisão recorrida na parte em que esta havia decretado a dissolução do casamento com fundamento na alínea a) do artigo 1781º do Código Civil. Decidiu igualmente o Tribunal não declarar a culpa dos cônjuges na dissolução do casamento "...por carência de matéria de facto que o permita fazer."

3 – De novo inconformados, Autor e Ré recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo a Ré - ora recorrente - suscitado nas respectivas alegações de recurso (conclusão 7ª) a inconstitucionalidade dos artigos 342º, 1779º a 1781º e 1782º, nº 2, todos do Código Civil, por entender que tais normas, na interpretação que delas vinham fazendo as instâncias, violavam os princípios constitucionais da igualdade, certeza e segurança jurídica e, nomeadamente, o artigo 206º da Constituição.

  1. Notificado para responder às alegações apresentadas pela Ré, disse o Autor, no que especificamente se refere à questão de constitucionalidade suscitada: "Não se vislumbra, in casu, qualquer violação do artigo 206º da CRP e, ao contrário do defendido pela recorrente, os alegados princípios constitucionais da igualdade, certeza e segurança jurídica – aliás vaga e desconexamente apontados para suscitar um eventual processo de fiscalização concreta de constitucionalidade – não impunham qualquer interpretação diferente dos artigos 1779º, 1782º, nº 2 e ainda 342º, todos do C. Civil".

  2. O Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 22 de Novembro de 1990, decidiu negar provimento aos recursos, confirmando na íntegra a decisão recorrida. No que especificamente se refere às questões de constitucionalidade suscitadas, disse o Supremo Tribunal de Justiça:

    "A conclusão restante desta recorrente afirma que as instâncias deram interpretação aos artigos 1779º, 1782º, nº 2 e ainda 342º, todos do C. Civil, que foi errada, e diferente da defendida na sua alegação. Logo a inconstitucionalidade que aí se aponta é, não a desses preceitos legais, mas sim da interpretação que deles foi feita.

    Só que a inconstitucionalidade é atributo de norma ou normas jurídicas (artigos 277º, 280º, 281º, 282º, entre outros, da Constituição da República Portuguesa de 1976, na sua 2ª revisão), e não de interpretações que delas se faça. Pelo que fica rejeitada também a conclusão 7ª da Maria Luisa, sendo de salientar que não vemos onde tenha havido sequer um começo de violação dos princípios que a recorrente aí invoca, aliás sem grande convicção".

  3. Depois de ver rejeitado, por inadmissibilidade, o recurso que pretendeu interpor para o Pleno do Supremo Tribunal de Justiça com fundamento na existência de acórdão transitado em oposição, apresentou a Ré, em 26 de Dezembro de 1991, ao abrigo da alínea b) do nº 1, do artigo 70º, da Lei nº 28/82, o recurso para o Tribunal Constitucional que ora se aprecia. No termos do respectivo requerimento de interposição as normas cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciadas são as que se extraem dos artigos 1779º, 1782º, nº 2 e 342º, todos do C. Civil, com a interpretação que lhes foi dada pela decisão recorrida.

  4. Admitido o recurso foi a recorrente notificada para apresentar alegações, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:

    "1. Os preceitos legais indicados, com a interpretação que lhes dá a recorrente estão em perfeita harmonia com o princípio constitucional da igualdade, que executam.

  5. O qual impõe que, quer o legislador, quer o intérprete tenham de ter em conta critérios segundo os quais deva pautar-se, em termos de considerar igual aquilo que é igual e desigual aquilo que é desigual.

  6. Nesta esteira, a maior ou menor facilidade, ao dispor de cada sujeito de direitos, para fazer a demonstração das questões controvertidas, é tida em conta pelo legislador, nos termos do disposto no artigo 342º do Código Civil, com a interpretação que lhe demos ao distinguirmos os factos constitutivos dos impeditivos, segundo os critérios objectivos de ROSENBERG, de relacionamento das normas entre si em termos de distinguir a regra da excepção, e deve também ser tido em conta pelo intérprete.

  7. Critérios esses que não podem ser neutralizados pela referência à culpa de qualquer outro dispositivo legal do mesmo Código, e nomeadamente pelo disposto no artigo 1779º do Código civil, pela expressão «violação culposa».

  8. A culpa no nosso Código Civil é referida como um facto, no sentido de imputação ao agente de um facto reprovado pela norma, e referida como um juízo de valor, num sentido abrangedor da ordem jurídica no seu conjunto (de que são exemplos as normas do artigo 487º, nº 1 e do artigo 487º, nº 2, do C. Civil).

  9. Ora a prova da culpa entendida nesse sentido abrangedor, como o entende a decisão recorrida, consubstancia aplicação de norma arbitrária – à margem dos critérios referidos nestas conclusões 1 a 3 – entendimento esse que justifica a aplicação dos artigos 1779º a 1782, do Código Civil, e 342º, do mesmo Código, pela decisão recorrida, com uma interpretação desconforme com a Constituição.

  10. Na verdade, foram aplicados os artigos 1781º, alínea a) e 1782º, ambos do C. Civil, como se essas normas não tivessem sido consumidas pela norma do artigo 1779º, nº 1, do mesmo Código, no caso subjudice, face às três primeiras conclusões da recorrente nas alegações de recurso para o Supremo tribunal de Justiça.

  11. E, de qualquer modo, como se a referência à culpa do artigo 1782º, nº 2, do Código Civil, ao remeter para o disposto no artigo 1787º, não remetesse também para o disposto no artigo 1779º, ambos do C. Civil.

  12. O que marginaliza os critérios impostos pelo princípio constitucional da igualdade e implica a aplicação de normas arbitrárias e contrárias à segurança e à certeza jurídicas, como valores subjacentes a todo o direito.

  13. Para além de neutralizar as normas do artigo 342º do C. Civil, que assim é interpretado como se os critérios aí definidos fossem insuficientes para regular a repartição do ónus, pela simples referência arbitrária à culpa por parte do legislador.

  14. Pois não se descortina como é que as acções de Estado – sobretudo nos casos em que, não admitindo as figuras da admissão e da confissão, a colocar já o requerente em maiores dificuldades – possam ainda atirar para cima do recorrente com a sobrecarga dos actos normalmente considerados impeditivos, quando nem isso acontece em processo penal, como se explicou ao longo destas alegações, pela simples referência à culpa.

  15. Além de ficar por entender porque é que a referência à culpa no artigo 478º, nº 1 do Código Civil – como a entende pacificamente a doutrina obrigacionista – no sentido de imputação de um facto reprovável -, há-de ter sentido diferente, e igual ao do artigo 487º, nº 2 do C. Civil, no artigo 1779º e seguintes do C. Civil.

  16. É violada ainda a dignidade humana protegida, nomeadamente no artigo 1º, na medida em que se dispensa a presunção de inocência, ao impor-se ao requerente de um divórcio essa prova".

  17. Igualmente notificado para alegar, o recorrido limitou-se a remeter para o teor dos acórdãos de fls. 233 a 243 verso e de fls. 286 a 290 verso, bem como para a doutrina a que ali se faz referência.

    Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

    II - Fundamentação

    9 - Delimitação do objecto do recurso

    É o seguinte o teor dos artigos em que se inserem as normas cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver apreciada por este Tribunal:

    Artigo 1779º

    (Violação culposa dos deveres conjugais)

  18. Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outro violar culposamente os deveres conjugais, quando a violação, pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade de vida em comum.

  19. (...)

    Artigo 1782º

    (Separação de facto)

  20. (...)

  21. Na acção de divórcio com fundamento em separação de facto, o juiz deve declarar a culpa dos cônjuges, quando a haja, nos termos do artigo 1787º.

    Artigo 342º

    (Ónus da prova)

  22. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.

  23. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

  24. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.

    Entende a recorrente – entendimento que vem sustentando já desde a 1ª instância – que tendo a decisão recorrida considerado provado que, "em Fevereiro de 1974, o autor saiu de casa e, desde então, não mais conviveu com a ré" (fls. 288), o disposto nas normas supra referidas impunha ao tribunal que tivesse decretado o divórcio com fundamento no nº 1 do artigo 1779º do Código Civil - violação culposa do dever de coabitação por parte do autor; ou, tendo decretado o divórcio com fundamento na alínea a) do artigo 1781º - separação de facto por mais de seis anos -, tivesse, em obediência ao disposto no nº 2 do artigo 1782º, ambos do Código Civil, considerado o autor único ou, pelo menos, principal culpado do divórcio.

    Em suma: entende a recorrente que uma vez tendo demonstrado que foi o autor que, com conhecimento e vontade, saiu de casa, mais não lhe é – nem, no seu entender, pode ser, sob pena de inconstitucionalidade - exigido em matéria de...

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