Acórdão nº 194/99 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Março de 1999

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução23 de Março de 1999
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 194/99 Proc. nº 824/97 2ª Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I Relatório

  1. Banco ..., SA, interpôs, junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, recurso contencioso de anulação do despacho nº 18/95, de 30 de Outubro, do Director Geral do Turismo, que indeferiu um pedido de aprovação de localização de um hotel ..., no concelho de Portimão.

    Tal decisão de indeferimento teve por fundamento o disposto no nº 2 do Despacho Conjunto do Ministro do Planeamento e Administração do Território e do Ministro do Comércio e Turismo, de 15 de Dezembro de 1992, emitido ao abrigo do nº 3 do artigo 11º do Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, nos termos do qual não são permitidas construções com altura superior a oito metros e com mais de dois pisos em zonas próximas das margens do mar.

    O recorrente sustentou, no requerimento de interposição do recurso, que o nº 3 do artigo 11º do Decreto Regulamentar, ao atribuir competência aos membros do Governo para emitirem regulamentos, contraria o artigo 115º, nº 5, da Constituição, ferindo de ilegalidade o regulamento emitido com base em tal preceito. Nas alegações de recurso então apresentadas, o recorrente reiterou este entendimento.

    O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por sentença de 24 de Setembro de 1995, concedeu provimento ao recurso, anulando o acto impugnado. Fundamentou tal decisão na inconstitucionalidade das normas contidas no nº 3 do artigo 11º do Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, e no nº 2 do Despacho Conjunto do Ministro do Planeamento e Administração do Território e do Ministro do Comércio e Turismo, de 15 de Dezembro de 1992, por violação do artigo 115º, nº 5, da Constituição.

  2. O Ministério Público interpôs recurso obrigatório de constitucionalidade da decisão de 24 de Setembro de 1995, ao abrigo do artigo 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas ?desaplicadas?.

    O juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por despacho de 18 de Outubro de 1996, não admitiu o recurso de constitucionalidade, em virtude de considerar que a decisão recorrida não recusou a aplicação de qualquer norma.

    O Ministério Público reclamou de tal decisão, ao abrigo dos artigos 76º, nº 4, e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, reclamação que foi deferida pelo Acórdão nº 185/97.

    Admitido o recurso, o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:

    1. - A norma constante do nº 3 do artigo 11º do Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, ao devolver para regulamento formalmente menos solene (o despacho ministerial conjunto) a execução e desenvolvimento, a nível transitório, da disciplina instituída quanto aos empreendimentos nas zonas de ocupação turística, através da edição de normas de conteúdo estritamente técnico, não ofende o princípio estabelecido no nº 5 do artigo 115º da Constituição da República Portuguesa, na redacção então vigente.

    2. - O regulamento integrado no despacho conjunto dos Ministros interessados, editado em obediência à referida norma regulamentar, em que explicitamente se funda, invocando ainda, ao longo do seu articulado, como suporte da competência para a sua edição outro diploma legal ? o Decreto-Lei nº 328/86, de 30 de Setembro ? não viola o princípio da precedência de lei, constante do nº 7 do artigo 115º da Constituição.

    3. - Termos em que deverá proceder o presente recurso.

    Por seu turno, o recorrido contra-alegou e apresentou um parecer jurídico da autoria do Professor Paulo Otero. Nas conclusões, o recorrido sustentou o seguinte:

    1. Quanto à validade jurídico-constitucional do artigo 11º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março:

      1) Estabelecendo a Constituição uma clara diferenciação orgânica, procedimental e formal entre os decretos regulamentares e todas as restantes formas de regulamentos governamentais de execução das leis, permitindo o seu artigo 115º, nº 6 (actual artigo 112º, nº 7), a possibilidade de criação de uma reserva legal de forma de decreto regulamentar, verifica-se que um regulamento nunca pode afastar, tal como nem sequer uma lei pode permitir que um regulamento afaste (CRP, artigo 115º, nº 5, hoje o artigo 112º, nº 7), a forma de decreto regulamentar reservada por lei para a respectiva regulamentação governamental;

      2) Resulta da Constituição, em consequência, que só uma lei pode ?derrogar? a exigência feita por uma outra lei de que a sua regulamentação seja efectuada pela forma de decreto regulamentar - encontrando-se excluída a possibilidade de qualquer regulamento - incluindo, por isso mesmo, o próprio decreto regulamentar - proceder a uma modificação da reserva legal da forma de decreto regulamentar, existindo aqui, por outras palavras, a consagração constitucional de uma reserva de lei sobre a matéria;

      3) Neste sentido, o artigo 11º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, determinando que a disciplina normativa dos empreendimentos nas zonas de ocupação turística em que se verifique ausência de instrumentos de planeamento aprovados fosse emanada por despacho, bem ao contrário do preceituado pela lei que exigia a forma de decreto regulamentar, afasta parcialmente a reserva legal de forma de decreto regulamentar garantida directamente pela Constituição, violando o preceituado no seu artigo 115º, nº 6 (hoje, o artigo 112º, nº 7);

      4) Além disso, uma vez que só a lei pode ?derrogar? a exigência feita por uma outra lei de que a sua regulamentação seja efectuada pela forma de decreto regulamentar, o artigo 11º, nº 3, do Decreto Regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, ao proceder à remissão da disciplina da matéria para despacho viola o princípio da reserva de lei e, consequentemente, o princípio da separação de poderes, verificando-se que se está perante uma decisão normativa da Administração ferida de inconstitucionalidade orgânica e material;

      5) A inconstitucionalidade do artigo 11º, nº 3, do Decreto regulamentar nº 11/91, de 21 de Março, determina, por seu lado, a inconstitucionalidade consequente ou derivada de todo o Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Comércio e Turismo, de 15 de Dezembro de 1992;

      6) Seguindo um outro caminho argumentativo, o princípio da legalidade da competência, enquanto expressão da subordinação constitucional da própria Administração à lei, determina, segundo os seus corolários da preferência e do primado da lei ao nível da definição das regras de competência, que os órgãos administrativos nunca tenham nas suas mãos a definição (ou a modificação) das regras de competência, principalmente quando está em causa o exercício de competências com inegável projecção constitucional, tal como sucede em...

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