Acórdão nº 86/99 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Fevereiro de 1999

Data09 Fevereiro 1999
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 86/99

Proc. nº. 458/98

  1. Secção

    Relator: Consº. Artur Maurício

    Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

    1 – A... intentou, em 1.10.1991, acção declarativa, na forma sumária, visando a resolução do arrendamento para habitação incidente sobre um prédio urbano denominado "Casal de S. Roque", sito no Estoril, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais, melhor identificado nos presentes autos, nomeadamente no artigo 1º da respectiva petição inicial, tendo a referida acção sido interposta contra P... e mulher.

    Apoiou a sua pretensão na verificação dos fundamentos de resolução do mencionado contrato previstos na alínea i) do artigo 64º, nº. 1 do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº. 321-B/90, de 15.10 (falta de residência permanente) e, como fundamento subsidiário, a cedência do locado a terceiro sem consentimento/autorização, de harmonia com a alínea f) da mesma disposição legal.

    Por sentença proferida em 27.02.1996 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Cascais, foi a acção julgada procedente e ao abrigo do artigo 64º, nº. 1, alínea i) do RAU (falta de residência permanente) decretada a resolução do contrato de arrendamento do imóvel em apreço, condenando-se os Réus a despejarem o imóvel e a entregá-lo livre e devoluto de pessoas e coisas à senhoria.

    Desta sentença apelaram os Réus para o Tribunal da Relação de Lisboa fundamentalmente por entenderem beneficiar da excepção prevista no artigo 64º, nº. 2 alínea b) do RAU, visto que a ausência do local arrendado resulta do cumprimento de comissão de serviço público por tempo determinado do Réu marido, enquanto funcionário de carreira do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

    Contra-alegou a senhoria, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença da 1ª instância.

    Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.02.1998, foi negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

    É deste acórdão que veio o presente recurso para o Tribunal Constitucional, alegadamente ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea b) da Lei nº. 28/82, de 15.11, interposto pelos Réus na acção de resolução do contrato de arrendamento.

    Admitido o recurso, apresentaram os recorrentes alegações que terminaram, formulando as seguintes conclusões:

    "I – Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação que, em recurso de apelação (Proc. nº. 1500/97-P, 2ª Secção), intentado pelos ora Recorrentes, negou provimento à apelação, confirmando-se a douta decisão recorrida de primeira instância.

    Conforme consta de requerimento de interposição do presente recurso, pretende ver-se apreciada a inconstitucionalidade dos segmentos de norma constantes dos artigos 64º, nº. 1 al. i) e nº. 2 al. b) do regime do arrendamento urbano aprovado pelo Decreto-Lei nº. 321-B/90 de 15/10, com a interpretação com que foram aplicados, conjugando-os com as disposições normativas contidas nos artigos 21º, 22º e 26º do Decreto-Lei nº. 47331 de 28/11/1966, artigos 1º e 2º do Dec. Regulamentar nº. 32/90 de 24/9, artigos 40º, 43º e 53º do Dec-Lei nº. 79/92 de 6/5 – sendo todos estes preceitos respeitantes ao estatuto da carreira diplomática.

    Sucede que, posteriormente à interposição do recurso foi distribuído um suplemento do Diário da República 1ª Série, número 49/98 (I-A), de 27/2, no qual se publica o Decreto-Lei nº. 40-A/98, que revoga parcialmente o Decreto-Lei nº. 79/92 de 6/5 (estatuto da carreira diplomática).

    Ora, o artigo 58º (Residência e domicílio) tem a natureza de norma interpretativa autêntica e releva para a apreciação da questão de direito em causa, atento o disposto no artigo 13º do Cód. Civil.

    A interpretação decorrente da douta decisão dos referidos segmentos de normas do RAU, em conjugação com os restantes preceitos invocados, viola os artigos 13º e 22º do C.R.P..

    II – Os factos provados demonstram que o recorrente é diplomata de carreira e que as suas ausências no estrangeiro se devem a comissões de serviço público mas que nunca foi sua intenção deixar de regressar ao "locado".

    III – As disposições do artigo 64º do RAU, anteriormente constantes do artigo 1093º do Cód. Civil, não sofreram alteração desde os factos determinantes da propositura da acção (1.10.91) até à presente data, pelo que não se coloca um problema de aplicação no tempo desses segmentos de norma que relevam para o caso.

    Em relação aos regimes especiais constantes dos estatutos da carreira diplomática deviamos, em princípio remeter-nos aos princípios normativos do Dec-Lei nº. 47331 de 28/11/66 como aos preceitos expressos no Dec. Regulamentar nº. 32/90 de 24/9.

    No entanto, o artigo 58º do Dec-Lei nº. 40-A/98 de 27/2, que é uma norma de interpretação autêntica abrange todas as normas anteriormente invocadas.

    IV – As comissões de serviço público dos diplomatas integram-se na categoria de comissões ordinárias.

    Do significado literal do preceito da alínea b) do nº. 2 do artigo 64º do RAU emerge a concepção de que a comissão de serviço público é prorrogável ou renovável e só no termo dessas possíveis prorrogações ou renovações produz efeitos jurídicos, pressupondo que o respectivo enquadramento legal limite, em princípio, o número de prorrogações ou renovações.

    Este entendimento coaduna-se perfeitamente com o regime do arrendamento urbano que confere estabilidade à relação arrendatícia no interesse predominante do inquilino.

    A lei 2030 de 22/6/48 introduziu esta excepção à acção de despejo, no seu artigo 69º, al. a), 2º.

    Mas só o Cód. Civil intercalou a expressão ... e bem assim, sem dependência de prazo...

    A occasio legis é esclarecedora porquanto o regime de comissões militares no ultramar obrigava, por vezes, a comissões militares sucessivas e algumas convoláveis em comissões civis.

    Daí que o legislador tenha acautelado a situação do inquilino sujeito a várias comissões.

    No caso dos diplomatas de carreira a diferenciação de tratamento abrangida pela interpretação que assim fazemos da alínea b) do nº. 2 do artigo 64º corresponde aos critérios utilizados para justificar essa diferenciação no âmbito do princípio da igualdade.

    A interpretação perfilhada pelo acórdão recorrido viola, pois, frontalmente, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da C.R.P. e, contrariando o princípio da legalidade democrática do Estado (artigo 3º da C.R.P.), faz com que este promova a violação da citada norma legal pelo diplomata, na qualidade de simples cidadão, e o Estado ainda incorre em responsabilidade civil nos termos do artigo 22º da C.R.P..

    Pelo contrário, a interpretação a que procedemos, não só obedece às regras de hermenêutica jurídica, como é conforme com os princípios normativos constitucionais.

    V As normas...

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