Acórdão nº 211/00 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Abril de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução05 de Abril de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 211/00

Proc. nº 502/99

TC – 1ª Secção

Relator: Consº. Artur Maurício

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

AI..., Lda., com sede na Rua do Rego Lameiro nº, 38, Porto, interpôs, no Supremo Tribunal Administrativo, recurso contencioso do despacho do Ministro da Justiça (de facto, do Secretário de Estado da Justiça) que indeferiu recurso hierárquico de despacho do Director Geral dos Serviços do Registo e do Notariado que, por seu turno, indeferira "reclamação" hierárquica do acto do notário do 6º Cartório Notarial confirmativo da imposição do pagamento da quantia de 18.150.351$00, a título de emolumentos, cobrados por escritura de compra e venda de fracções autónomas de vários prédios urbanos lavrada naquele cartório.

A esse recurso contencioso foi apensado um outro interposto pela mesma recorrente de outro despacho do Ministro da Justiça (também, na realidade, do Secretário de Estado da Justiça) proferido em idêntico procedimento e relativamente à imposição do pagamento da quantia de 15.639.000$00 a título de emolumentos, cobrados por escritura de mútuo com hipoteca sobre fracções autónomas identificadas em documento complementar àquela escritura.

Por acórdão de 28/1/98 da Secção de Contencioso Tributário do STA, os recursos foram rejeitados, por manifesta ilegalidade da sua interposição – os despachos impugnados eram irrecorríveis por não lesivos.

A fundamentação deste acórdão é, em síntese, a seguinte:

  1. os emolumentos notariais, sejam impostos ou taxas, constituem receitas tributárias;

  2. após a entrada em vigor do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei nº. 129/84, de 27 de Abril, e por força dos artigos 62º nº. 1 alínea a) e 121º nº. 1 desse Estatuto, foram revogados os artigos 69º do Decreto-Lei nº. 591-F2/79, de 29 de Dezembro e 134º e 140º do Regulamento dos Serviços dos Registos e do Notariado, aprovado pelo Dec. Reg. nº. 55/80, de 8 de Outubro que previam uma reclamação necessária contra qualquer erro de conta para o notário e para o Director--Geral dos Registos e do Notariado, cabendo recurso contencioso da decisão do primeiro, quando a do segundo fosse desfavorável;

  3. o disposto no artigo 62º nº. 1 alínea a) do ETAF abrange a liquidação de qualquer receita tributária estadual, seja qual for a entidade liquidadora;

  4. não têm aplicação ao caso os artigos 92º nº. 2 e 100º do Código de Processo Tributário que vieram permitir recurso contencioso da decisão sobre recurso hierárquico e que apenas abrangem as receitas tributárias administradas pela Direcção-Geral dos Impostos, configurando "um desvio à teoria geral do acto administrativo";

  5. sendo a impugnação judicial da liquidação dos emolumentos o meio contencioso próprio para reagir contra a sua eventual ilegalidade, os despachos que recaíram sobre os recursos hierárquicos não definiram as respectivas situações jurídicas que o foram pelas liquidações dos emolumentos inicialmente feitas pelo notário.

    A ora recorrente interpôs recurso deste acórdão para o Pleno da Secção, formulando, nas suas alegações, diversas conclusões que se destacam – por se reportarem a questões de constitucionalidade – as seguintes:

    "11º - E ao entender que o art. 62º nº. 1 alínea a) do ETAF, sem mais, obriga a um recurso imediato da "liquidação emolumentar" para o Tribunal Tributário de 1ª Instância, como meio único e exclusivo de se atacar tal conta emolumentar, apesar do disposto nos arts. 69º do DL 519-F2/79 e 139º do DR 55/80, e sobretudo nos arts. 118º e 92º nº. 2 e 100º nº. 2 do Código de Processo Tributário, e sob pena da preclusão total da garantia de acesso à jurisdição administrativa e fiscal, ofende a Constituição, nos seus arts. 18º e 268º nº. 4.

    Ou seja, essa interpretação da regra do art. 62º nº. 1 a) – que daí extrai aliás o que não está lá expressamente dito e de forma inequívoca – não é conforme com a Constituição, nomeadamente com o verdadeiro princípio "pro actione" postulado no art. 268º nº. 4 e reforçado pela aplicação a esta garantia do regime consagrado no art. 18º da Lei Fundamental.

    Tem vindo a ser, na verdade, intenção do legislador constituinte acabar com autênticos "alçapões" por onde se escapam decisões da Administração sem controlo jurisdicional, pretendendo antes oferecer uma efectiva tutela judicial para as relações jurídicas administrativas e fiscais.

    O mesmo é dizer, assegurando plenamente o direito a uma decisão de fundo sobre a relação controvertida, que não encalhe liminarmente em "labirínticos formalismos" – excepto os casos em que haja limites claramente estabelecidos pelo legislador e que de uma forma necessária e proporcionada veiculam uma salvaguarda a outros valores concretos constitucionalmente protegidos.

    1. - Do mesmo modo ofenderá o disposto nos arts. 13º, 18º e 268º nº. 4 da CRP, a interpretação conjugada dos arts. 92º nº. 2, 118º nº. 2 alínea a) e 123º nº. 1 do CPT, segundo a qual já não é contenciosamente recorrível o acto que decidiu um recurso hierárquico interposto de "acto materialmente tributário" (ou "de liquidação de receitas fiscais") de que se não deduziu nenhuma impugnação jurisdicional – quando tais actos, embora tributários, tenham sido praticados por administração não fiscal."

    Juntou parecer que unicamente versa toda a aplicação do direito infra--constitucional.

    Por acórdão de 12 de Maio de 1999, o Pleno da Secção negou provimento ao recurso, confirmando a tese sustentada no acórdão impugnado.

    Fê-lo, dizendo ainda que:

  6. as normas do ETAF atributivas de competência são-no também de consagração dos meios processuais respectivos;

  7. a alteração introduzida pelo ETAF suprime apenas a reclamação necessária e a competência material do tribunal de comarca;

  8. o anterior procedimento gracioso necessário não resultará da natureza das coisas e não tinha em conta o acto de liquidação na sua verdadeira natureza como definidor da situação jurídica, para privilegiar, de modo inteiramente artificial, a decisão administrativa.

  9. as normas dos artigos 99º e 100º do CPT, que se não aplicam no caso dos autos, são especiais em relação à teoria geral do acto administrativo, na medida em que admitem recurso contencioso de actos meramente confirmativos que, em consequência, não definem a situação jurídica, não são actos lesivos.

    Quanto à questão de constitucionalidade suscitada escreveu-se no mesmo acórdão, depois de se dizer que os artigos 99º e 100º do CPT não eram aplicáveis:

    "Nem tal tem de causar qualquer estranheza pois não é imperioso que a lei ordinária consagre uma de duas vias de recurso à escolha do contribuinte.

    Não se verifica, assim, qualquer "preclusão" da "garantia de acesso à jurisdição administrativa e fiscal" ou de "recurso contencioso contra actos de autoridade".

    A exigência constitucional refere-se apenas a uma."

    É deste acórdão que vem interposto o presente recurso ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82.

    Nas suas alegações de recurso, a recorrente formulou as seguintes conclusões:

    1. - A Recorrente sustenta que somente poderá existir uma diminuição ao direito de recorrer contenciosamente contra actos da autoridade, consagrado no art.268° n° 4 da Constituição no caso de ser restrição ou limite consagrado expressamente , que veicule ou se justifique num valor constitucionalmente atendível e que não ultrapasse o necessário para salvaguardar a protecção destes valores (art. 212° n° 3, art. 268° n° 4 e arts. 17° e 18° da CRP).

    2. - Assim, as dimuições ou limitações do acesso à justiça...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT