Acórdão nº 197/00 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Março de 2000

Magistrado ResponsávelCons. Messias Bento
Data da Resolução29 de Março de 2000
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 197/00

Processo nº 544/99

Conselheiro Messias Bento

Plenário

Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório:

    1. O PROVEDOR DE JUSTIÇA pede se declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade das normas abaixo indicadas do Regulamento da Carteira Profissional dos Empregados de Banca dos Casinos, aprovado em 23 de Julho de 1973 e publicado no Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, nº 34, de 15 de Setembro de 1973:

      (a). a título principal, da norma que se contém no artigo 22º, em conjugação com a do artigo 21º, do dito Regulamento;

      (b). a título consequencial, de várias normas dos capítulos III e IV do mesmo Regulamento, concretamente das dos artigos 8º, nºs 2 e 3; 9º, nºs 1, 2 e 3; 11º, nº 1; 14º, alínea b); 15º, nº 1; 17º; 24º, nº 3; 25º, nº 2; 26º, nº 1; 27º; 29º, nº 1; 31º; 32º; 34º; 35º; 36º e 37º.

      O PROVEDOR DE JUSTIÇA entende, por um lado, que o reconhecimento de poderes de intervenção e decisão do sindicato no processo de passagem de carteiras profissionais viola a liberdade sindical garantida no artigo 55º, n.º 1, e n.º 2, alínea b), da CRP, e que, por outro lado, não é compatível com o princípio da independência sindical, consagrado no n.º 4 do artigo 55º da CRP, "a atribuição forçada do exercício de funções públicas aos sindicatos, tal como acontece no caso em apreço".

      O requerente reconhece que "o poder sindical em matéria de atribuição de carteiras profissionais decorria do disposto no parágrafo 1º do art. 3º do Decreto-Lei n.º 29 931 de 15.03.39", norma entretanto já declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão n.º 91/85 deste Tribunal, por violar os princípios da liberdade sindical e da independência dos sindicatos. E reconhece igualmente que tal norma já fora expressamente revogada pelo artigo 9º do Decreto-Lei n.º 358/84, de 13 de Novembro, apesar de o artigo 8º do mesmo diploma estabelecer que os regulamentos de carteiras profissionais existentes se mantinham em vigor até à respectiva revogação e substituição (n.º 1), sem prejuízo de a passagem de carteiras profissionais emitidas ao abrigo de tais regulamentos dever ser efectuada pelos serviços competentes do Ministério do Trabalho ou das correspondentes Secretarias Regionais do Trabalho, nas regiões autónomas (n.º 2), pelo que, presentemente, as carteiras profissionais dos empregados de banca dos casinos já não estão a ser passados pelo respectivo sindicato.

      Contudo, o Provedor de Justiça contesta que o sindicato continue "a deter um conjunto de competências instrumentais à da passagem de carteiras profissionais atentatórias, também elas, da liberdade sindical", uma vez que "estes poderes de intervenção e decisão do sindicato possam constituir um instrumento de coerção ou de sugestão no sentido da sindicalização dos empregados de banca nos casinos, sendo susceptíveis de retirar aos trabalhadores por ele abrangidos a possibilidade de uma livre escolha no plano sindical".

      É que, salienta o requerente, "todo o processo conducente à obtenção da carteira profissional se mostra desde o início dominado pela intervenção do Sindicato, desde a decisão de realizar os exames (condição indispensável para o ingresso na profissão) e seu anúncio (art.º 9.º), a entrega da documentação por parte dos candidatos (art.º 11) e ainda, aspecto que é particularmente grave, a intervenção do sindicato na composição do respectivo júri de exame (art.º 15.º)". Por outro lado, o artigo 14.º do Regulamento "dispõe que, na apreciação das provas o júri terá em consideração, para os candidatos que tenham frequentado o curso de preparação orientado por um representante do sindicato, a informação dos respectivos instrutores sobre o seu aproveitamento".

      Ora, tendo já o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 272/86, em situação similar, salientado que "existe o perigo real de a competência para a emissão das cadernetas de registo da prática ser mal gerida e de os sindicatos se valerem dela para – recusando a sua passagem aos não filiados ou simplesmente levantando-lhes especiais obstáculos – forçarem ou sugerirem a sindicalização aos auxiliares de farmacêutico que de tais cadernetas necessitarem para o exercício da sua actividade profissional", a verdade é que tais "considerações valem mutatis mutandis para o caso em apreço já que todas estas competências do sindicato, relativamente ao exame necessário para ingresso nas profissões de empregados de banca, instrumentais à passagem da caderneta profissional (cfr. art.º 3.º do Regulamento), podem funcionar como instrumento de pressão junto dos trabalhadores, com vista à sua sindicalização, nomeadamente criando especiais obstáculos a não sindicalizados na admissão a exames, apreciação dos mesmos, justificação de faltas, etc." ou "favorecendo sindicalizados na frequência de cursos de preparação orientados pelo sindicato, relativamente aos quais a informação final dos instrutores sobre aproveitamento é tida em consideração na apreciação das provas pelo júri".

      Conclui, pois, o Provedor de Justiça que se encontra em crise o princípio da liberdade sindical assegurado no artigo 55.º, n.º 1, e n.º 2, al. b), da Constituição (nas suas vertentes positiva e negativa).

      Para além disso, "ao impor-se, por via regulamentar, ao sindicato, o exercício de toda uma actividade processual e administrativa em favor de trabalhadores, que não precisam sequer de ser seus associados (cf. art.º 23.º do Regulamento), está-se a violar a liberdade de acção das associações sindicais e também o princípio da independência, acolhido pelo n.º 4 do citado art.º 56.º da CRP". É que, como deflui da jurisprudência do Tribunal Constitucional, designadamente vertida no Acórdão n.º 445/93, não podem ser atribuídos às associações sindicais competências que "implicam a atribuição do exercício de verdadeiros poderes ou prerrogativas de autoridade, manifestamente contrários e estranhos àqueles que são próprios dos sindicatos e se inscrevem no âmbito das suas específicas finalidades". Logo, conclui o requerente, "não pode a lei atribuir aos sindicatos poderes de autoridade como sejam, no caso, os de realizar exames indispensáveis para o ingresso nas profissões dos empregados de banca".

      Nesta conformidade, também o princípio da independência dos sindicatos, consagrado no artigo 55º, n.º 4, da CRP, se encontra violado.

      O PRIMEIRO-MINISTRO, notificado para se pronunciar sobre o pedido, veio oferecer o merecimento dos autos.

    2. Foi aprovado o memorando apresentado. E, assim, ficou fixada a orientação do Tribunal sobre as questões (prévias e de fundo) a resolver.

    3. Cumpre, então, decidir.

  2. Fundamentos:

    1. As normas impugnadas.

      Dispõem como...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT