Acórdão nº 455/01 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Outubro de 2001
Magistrado Responsável | Cons. Sousa Brito |
Data da Resolução | 23 de Outubro de 2001 |
Emissor | Tribunal Constitucional (Port |
Acórdão nº 455/01
Proc. nº 737/96
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Secção
Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1 – L... e outros (ora recorrentes) instauraram no Tribunal de Trabalho de Lisboa acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, emergente de contrato de trabalho, contra o Banco..., pedindo o pagamento da quantia global de 12.535.440$00, acrescida de subsídios vincendos e juros moratórios à taxa legal até efectivo pagamento.
Alegaram para tanto, em síntese, serem trabalhadores do réu, tendo-lhe sido atribuído um subsídio de valorização profissional, que, porém, o réu, invocando um Despacho Normativo do Secretário de Estado do Tesouro, de 17 de Janeiro de 1983, lhes retirou.
2 – Por decisão do Tribunal de Trabalho de Lisboa foi a acção julgada procedente e, em consequência, foi o réu condenado no pedido.
3 – Inconformado com o assim decidido o réu recorreu para o Tribunal da Relação Lisboa que, por acórdão de 14 de Dezembro de 1995, decidiu conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogou a decisão recorrida e absolveu o Banco... dos pedidos dos autores.
4 – Por sua vez os autores, inconformados com o assim decidido, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça. A concluir as suas alegações disseram, designadamente, o seguinte:
"1º - O acórdão ora recorrido consagra uma solução que, embora se afigurando a mais «imediata» e «fácil», é profundamente violadora quer da lei ordinária, quer dos princípios essenciais da nossa Ordem Jurídica, quer dos princípios e preceitos constitucionais.
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- A questão sub judice só aparentemente se reduz a examinar se o regime jurídico do Dec. Lei nº 260/76 é ou não aplicável às sociedades financeiras e bancárias como o R.
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- É óbvio que aquele diploma não é, «prima facie», aplicável às relações de trabalho do R. com os seus trabalhadores, mas sim o Dec. Lei nº 729-A/75, de 22 de Novembro.
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- E este não contém qualquer norma que estabeleça um regime de tutela a priori ou a posteriori relativamente às relações jurídicas laborais.
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- A nova redacção dada pelo Dec. Lei nº 353-A/77 ao art. 49º do citado Dec. Lei nº 260/76 não significa, nem pode significar, quer do ponto de vista da letra, quer do ponto de vista da «ratio» do preceito, a imediata e directa aplicação a todos os concretos comandos das Bases Gerais das empresas Públicas ao R.
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- Além do mais, falta-lhe obviamente a necessária «mediação concretizadora» legislativa que poderia efectivar tal aplicabilidade directa e imediata, sendo também certo que nenhuma disposição legal estabelece quais os actos deste tipo que ficariam sujeitos a controle «a priori» e quais «a posteriori».
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- Por outro lado, obviamente que a al. g) do nº 2 do art. 13º se refere às prescrições gerais do empregador sobre as condições de trabalho, e jamais à adopção casuística e quotidiana das medidas que a concretizem.
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- Jamais careceriam, assim, de autorização ou aprovação tutelar medidas como as da fixação ou alteração de horários ou a que se contém na Acta nº 313 do R.
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- Não havendo nenhuma lei que determine a obrigatoriedade do controle tutelar – e este, até dada a natureza e estrutura empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial das empresas públicas, não se presume ! – nem muito menos que defina qual o tipo de controle aplicável aos actos aqui em causa, não podem nem o Conselho de Ministros (por meio de resoluções) nem o Conselho de Administração do R. (quando tal lhe passa a convir), nem os Tribunais, substituir-se ao legislador procedendo a tal determinação.
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- Acresce que se está no domínio das relações privadas de trabalho e fora do âmbito de aplicação dos instrumentos de regulamentação colectiva formais.
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- Temos pois aqui na questão sub judice uma proposta de alteração do conteúdo dos contratos individuais de trabalho, a qual, uma vez expressa ou tacitamente aceite pelos trabalhadores, se verteu irretratavelmente naquele conteúdo !
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- A relação jurídica aqui estabelecida é uma relação jurídica de direito privado, estabelecida entre cada um dos autores e o Banco réu (não com o Estado, o Governo, ou o(s) Ministro(s) da Tutela) regida pelo direito do Trabalho, ou seja, pelo Direito Privado.
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- Na verdade o acto praticado pelo Conselho de Gestão do R. – legal representante deste ! – é, pelo menos face aos AA., um mero acto de direito privado, proferido rigorosamente nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia actuar um Conselho de Gestão de um banco privado, com inteira e total submissão às normas de direito privado.
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- Aliás, mesmo na lógica da tese do Acórdão recorrido – que, todavia, se não aceita – o estatuto do pessoal das empresas públicas deve basear-se no regime do contrato individual de trabalho, salvaguardada apenas a hipótese (que aqui nenhuma aplicação tem, até por os estatutos do R. nada conterem a tal respeito) de em certos casos tais estatutos consagrarem um regime de direito administrativo.
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- E fora do caso das empresas monopolistas e das que exploram serviços públicos (e o R. não «cai» em nenhuma destas categorias), as normas relativas ao pessoal competem às respectivas administrações, nos termos da al. f) do nº 1 do art. 9º das Bases Gerais já atrás citadas.
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- Mas mesmo que «ad absurdum» assim se não considerasse, sendo o Conselho de Gestão o seu legal representante e tendo agido como tal, tendo os trabalhadores negociado e aceite a proposta por aquele apresentada, tal acordo tornou-se perfeito, sendo inoponível aos seus trabalhadores a circunstância de o Conselho não se ter munido da autorização ou aprovação tutelar de que pretensamente necessitava.
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- Admitir e consagrar o inverso, como faz o Acórdão recorrido, e permitir que a própria administração do R. se prevalecesse dessa sua conduta para fugir ao cumprimento das responsabilidades que assumira, seria admitir e consagrar a validade de um verdadeiro, próprio e legalmente inadmissível «venire contra factum proprium» e da mais afrontosa violação dos mais elementares princípios da nossa Ordem Jurídica, como o da boa-fé e o do «pacta sunt servanda» !
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- Interpretados e aplicados como o foram pelo acórdão recorrido, os artigos 9º, 13º, 30º e 49º (este com a redacção dada pelo Dec. Lei 353-A/77, de 29/8) do Dec. Lei nº 260/76, de 8/4 e os artigos 2º e 5º, nº 1 do Dec. Lei nº 729-F/75, serão manifestamente inconstitucionais.
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- Desde logo, por assentarem na ideia da possibilidade de os Tribunais se poderem substituir ao legislador ordinário na tal tarefa de «mediação concretizadora» face à pretendida aplicação dos princípios – note-se bem, e não preceitos – do Dec. Lei nº 260/76, com violação óbvia do princípio da separação de poderes consagrado no art. 114º da CRP.
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- Depois, tal entendimento, ao permitir a impunidade de actuações arbitrárias e injustas do R., gravemente lesivas dos direitos e legítimos interesses dos trabalhadores do mesmo R. (que sempre actuaram com boa fé e sempre esperaram que este cumprisse aquilo a que livre e formalmente se comprometera) consubstanciaria manifesta violação do art. 2º da CRP.
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- A manifesta desigualdade dos «pratos da balança» da relação jurídica laboral, e ainda por cima contra a parte que já é mais fraca (ou seja, os trabalhadores), permitindo e «legalizando» esta absurda e monstruosa iniquidade de um Conselho de administração de um banco propor a atribuição de um dado montante retributivo, os trabalhadores aceitarem e depois a mesma ou nova administração o retirarem, viola também o princípio da igualdade, o princípio da segurança no emprego e o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, consagrados respectivamente nos art.s 13º, 53º e 59º, nº 1, al. b), todos da CRP.
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- E viola também o art. 266º, nº 1 da Constituição já que consagraria, em nome da defesa do pretendo interesse público, um abusivo sacrifício dos cidadãos trabalhadores.
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- Todas estas...
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