Acórdão nº 422/01 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Outubro de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução03 de Outubro de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 422/01

Proc. nº 42/2001

  1. Secção

Rel.: Consª Maria Fernanda Palma

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figura como recorrente o Ministério Público e como recorridos C..., P..., M... e A ..., o Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre proferiu a seguinte decisão:

    Face ao carácter diminuto da culpa e dado que não se provou que os arguidos tivessem abatido qualquer espécie cinegética após termo da jornada normal de caça ao tordo e ao estorninho-malhado não se decreta a interdição do direito de caçar.

    Todavia, sem embargo da nítida melhoria qualitativa da lei, não foram expurgados todos resquícios de inconstitucionalidade presentes na lei anterior, pois a carta de caçador tem validade temporal e caduca sempre que os respectivos titulares sejam condenados por crime de caça (artº 21°, nº 5, da Lei n° 173/99, de 21/9).

    Isto é, não obstante o Tribunal ter entendido que não se verificavam os pressupostos para a aplicação da sanção acessória da inibição da faculdade de caçar, a carta de caçador acaba por ser cassada por via administrativa e os arguidos ficam na prática inibidos do direito à caça.

    Os titulares de carta de caçador caducada por força da prática de um crime de caça só podem obter novo título idêntico após aprovação em novo exame e os requisitos temporais relacionados com a realização do novo teste de aptidão estabelecidos para o efeito implicam directa, necessária e implacavelmente um período forçado de inibição do direito a caçar (cfr. arts. 62° a 68° do DL n° 227-B/00, de 15/99).

    E, consabidamente, no que respeita aos princípios constitucionais da política criminal, deverão ser observados os princípios da culpa, da necessidade da pena e das medidas de segurança, da legalidade e da jurisdicionalidade da aplicação do direito penal, da humanidade e da igualdade (ver, por todos, Sousa Brito: A lei penal na Constituição, Estudos sobre a Constituição, 1978, págs. 199 e segs) .

    No presente caso, a caducidade da carta de caçador é aplicada independentemente de uma relação de proporcionalidade entre a gravidade do evento e a exigência de actuação do jus punitivo do Estado e, além disso, a cassação automática é estranha a qualquer consideração sobre a culpa do agente.

    O problema que se coloca é o de saber se a imposição de sanção penal fixa, determinada ne varietur pela lei, está em conformidade com o princípio da igualdade e da proporcionalidade.

    No direito moderno é lícito entender que a existência de penas ou sanções de natureza penal que estejam desligadas de qualquer relação de adequação ou de individualização proporcional constitui uma violação dos princípios quadro enformadores do direito constitucional penal.

    Acresce que, face ao modo como está erigida a norma, não é possível reconhecer ao julgador uma intervenção concreta, em termos substantivos, na adequação da sanção ao agente, designadamente através da admissão da possibilidade de isenção ou dispensa da cassação automática da carta de caçador.

    Em nosso entender, de forma a salvaguardar o princípio da igualdade e da proporcionalidade, tendo como pano de fundo a gravidade da culpa e as exigências de prevenção geral e especial, a validade da norma está dependente da introdução do seguinte segmento normativo condicionador, «a carta de caçador tem validade temporal e caduca sempre que os respectivos titulares...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
3 sentencias
  • Acórdão nº 1455/23.0T9CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-03-20
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Coimbra - (COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 2))
    • 1 January 2024
    ...Impõe-se, pois, em todos os casos, a existência de juízos de valoração ou de ponderação a cargo do Juiz (Acórdãos do TC n.ºs 522/95 e 422/01). Embora o n.º4 se refira apenas à proibição de efeitos necessários das penas, a proibição estende-se também, por identidade de razão, aos efeitos aut......
  • Acórdão nº 947/21.0T9CLD.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-02-22
    • Portugal
    • Tribunal da Relação de Lisboa
    • 1 January 2022
    ...outros). Impõe-se pois em todos os casos, a existência de juízos de valoração ou de ponderação a cargo do Juiz (Acórdãos do TC n.ºs 522/95 e 422/01). 14. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 472/2007 escreveu-se a propósito “A proibição de penas automáticas pretende impedir que haja um......
  • Acórdão nº 2302/19.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Janeiro de 2020
    • Portugal
    • 27 January 2020
    ...outros). Impõe-se pois em todos os casos, a existência de juízos de valoração ou de ponderação a cargo do Juiz (Acórdãos do TC n.ºs 522/95 e 422/01). 10 - No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 472/2007 escreveu-se a propósito “A proibição de penas automáticas pretende impedir que haja u......

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT