Acórdão nº 302/01 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Junho de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Luís Nunes de Almeida
Data da Resolução27 de Junho de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

Proc. nº 15/99 Acórdão nº 302/01

  1. Secção

Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito

(Cons.º Luís Nunes de Almeida)

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. No Tribunal Judicial de Castelo Branco, S... e mulher, M..., instauraram acção declarativa na forma sumária contra C..., Lda., pedindo a condenação da ré a despejar imediatamente a cave, o rés-do-chão e o 1º andar do prédio urbano sito na Av. 1º de Maio, nºs 8 a 14, em Castelo Branco, de que era arrendatária. Os autores haviam adquirido o referido prédio por sucessão testamentária e por compra aos co-legatários do anterior senhorio, J....

    Como fundamentos para o pretendido despejo invocaram os senhorios:

    – a existência de subarrendamentos não autorizados e não comunicados, quer aos actuais senhorios, quer ao anterior;

    – a cobrança pela locatária de rendas, relativamente a esses subarrendamentos, em montantes superiores ao legalmente permitido;

    – por fim, a existência de empréstimos ou cedências gratuitas relativamente a algumas salas do 1º andar, nomeadamente a sala nº 5, esta realizada já após o falecimento do anterior senhorio, igualmente não autorizadas nem comunicadas aos senhorios.

    A inquilina contestou, alegando, em suma, que os subarrendamentos e/ou cedências em causa, para além de se encontrarem autorizados por cláusula expressa do contrato de arrendamento, tinham também sido expressamente autorizados pelo anterior senhorio e eram do seu conhecimento. Quanto àquela sala nº 5, a respectiva cedência teria sido comunicada ao administrador do prédio, tendo, de resto, os senhorios dela conhecimento pelo menos desde data anterior à da sua aquisição do prédio, pelo que em todo o caso caducara, à data da propositura da acção, o direito de resolução do contrato com tal fundamento.

  2. A resolução do contrato de arrendamento foi decretada por sentença de 19 de Dezembro de 1997 (fls. 151 e seguintes).

    Tendo ficado provado que "o anterior senhorio, J..., autorizou os subarrendamentos e a cedência gratuita", mas que, no que à sala nº 5 do 1º andar diz respeito, a sua cedência gratuita foi efectuada sem que os autores a autorizassem e sem que lhes tivesse sido efectuada qualquer comunicação, a decisão considerou verificado, no caso, o fundamento constante da alínea f) do nº 1 do artigo 64º do Regime do Arrendamento Urbano (abreviadamente designado RAU), aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro; ou seja, porque aquela cedência gratuita da sala nº 5 do primeiro andar do prédio em causa não fora autorizada pelos senhorios, nem lhes fora comunicada, nunca os mesmos tendo reconhecido o beneficiário de tal cedência, foi decretado o despejo de todo o locado. Com efeito, no tocante aos restantes fundamentos invocados, a acção foi considerada não procedente.

    Inconformada, a locatária C..., Lda. interpôs recurso dessa sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra.

    Nas suas alegações, suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma constante da alínea f) do nº 1 do artigo 64º do RAU, nos termos seguintes:

    "No caso dos autos decretar-se a resolução do contrato de arrendamento que tem por objecto o r/c e 1º andar afectos a fins diferentes com fundamento num incumprimento de uma obrigação que respeita tão somente a uma sala do 1º andar, a qual não representa uma vigésima parte do valor desse prédio, perfeitamente autonomizável, é impor ao inquilino uma sanção manifestamente excessiva e desproporcionada face à sua conduta em concreto, sendo evidente que nos deparamos com uma aplicação claramente ilegal e inconstitucional do disposto na al. f) do artº 64º do RAU.

    Ilegal porque a aplicação daquela norma tem que se subordinar numa perspectiva sistemática ao disposto nos artºs 292º e 1028º ambos do C. Civil e inconstitucional porque violadora do citado princípio da proporcionalidade.

    Devendo referir-se que o artº 64º do RAU viola claramente aquele princípio da proporcionalidade, pois deveria estipular, em termos expressos, a possibilidade de redução de negócio jurídico sempre que a violação em concreto do contrato importasse a sua subsistência na parte em que se não verificasse qualquer vício, porque assim é temos de concluir que se trata de uma norma inconstitucional porque viola o artº 8º da CRP."

    Os senhorios recorridos juntaram contra-alegações, em que afirmaram:

    "Não faz sentido nem se entende que ao senhorio pudesse ser imposta a obrigação de manter um inquilino, que seria despejado, na tese da apelante, somente da sala emprestada ilicitamente a terceiro.

    Recorde-se a diferença de tratamento que a lei impõe em caso de incumprimento do senhorio e em caso de incumprimento do inquilino.

    Quanto àquele, o arrendatário pode resolver o contrato nos temos gerais do direito. [..] A resolução é possível sempre que o senhorio não cumpra o contrato (incumprimento definitivo), podendo a mesma operar por mera declaração à outra parte.

    Quanto à resolução por incumprimento por parte do arrendatário, a mesma tem de ser decretada judicialmente.

    Acresce depois que nem todas as situações de incumprimento pelo arrendatário permitem ao senhorio resolver o contrato. O art. 64º é bem categórico: o senhorio só pode resolver o contrato nos casos previstos nas alíneas a) a j) do nº 1.

    [...]

    Quer isto dizer, em nosso modesto parecer, que o nosso legislador teve de facto em conta o princípio da proporcionalidade quando deu corpo ao artº 64 do R.A.U.."

  3. Por acórdão de 4 de Novembro de 1998, a Relação de Coimbra negou provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida (fls. 182 e seguintes).

    No tocante à questão de inconstitucionalidade suscitada, entendeu-se nesse aresto:

    "Segundo Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 4ª ed., págs. 315 e segs., parece líquido que este princípio [o princípio da proporcionalidade] não é máxima constitucional axiomaticamente derivada de um sistema ou ordem de valores mas um princípio normativo concreto da ordem constitucional portuguesa.

    Tem a sua expressão no nº 2 do artº 18 da Constituição da República Portuguesa, ao referir que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e aflora-se p. ex no artº 272 nº 2 da nossa Lei Fundamental, quando aí refere que as medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.

    Quer com isto significar a nosso ver – e salvo melhor entendimento – que este princípio terá aplicação, quando se depara perante um cidadão um acto de natureza pública e não como é o caso, em que estão em análise meras relações jurídico privadas.

    Seja como for, mesmo que assim se não entenda não se vislumbra como é que a al. f) do RAU [sic] pode ofender aquele...

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