Acórdão nº 301/01 de Tribunal Constitucional (Port, 27 de Junho de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução27 de Junho de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

Procº nº 684/99 ACÓRDÃO Nº301/01

  1. Secção

    Consº Vítor Nunes de Almeida

    (Consª Maria Helena Brito)

    ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

    I – RELATÓRIO:

    1. – L... propôs e fez seguir contra C..., a presente acção declarativa de condenação na indemnização global de 11.127.000$000, por danos patrimoniais e não patrimoniais, no pagamento da importância diária de 5.000$00, pela impossibilidade de utilização do automóvel, tudo em consequência do acidente que sofreu em colisão com um combóio daC... ao atravessar uma passagem de nível sem guarda da linha do Norte e em que a sinalização era muito deficiente.

    Aos autos, veio a ser apensada uma acção que a C... moveu contra a Companhia de Seguros Fidelidade para obter o pagamento da quantia de Esc.s: 346.737$00, relativa aos danos causados na composição ferroviária, na sequência do acidente a que se reporta o presente processo.

    O Tribunal de Círculo de Oliveira de Azeméis, por sentença de 14 de Julho de 1998, decidiu julgar a acção principal totalmente improcedente, e procedente a acção apensa, condenando a ré Fidelidade a pagar àC... a quantia de 346.737$00, acrescida de juros de mora, desde a citação.

    2. – Inconformado com o assim decidido, L... interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, decidiu negar provimento à apelação, confirmando a decisão recorrida.

    Ainda inconformado, L... recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, por acórdão de 23 de Setembro de 1999, negou a revista mantendo o acórdão impugnado.

    É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, em que o recorrente pretende que se aprecie a inconstitucionalidade material dos artigos 2º, 3º e 29º do Decreto-Lei nº 156/81, de 8 de Junho, na interpretação do acórdão recorrido.

    O recorrente, notificado pela primitiva Relatora para esclarecer qual o sentido atribuído a tais normas na decisão recorrida veio esclarecer o seguinte:

    “a) A inconstitucionalidade do artº 2º, nº1 do Decreto-Lei nº 156/81, de 09 de Junho resulta do facto (aceite expressamente pelo douto acórdão recorrido) de o seu texto colocar na disponibilidade das empresas de Caminho de Ferro a entrada em vigor (progressivamente) dessa Lei.

    A fls. 4 do douto Acórdão do STJ (no qual por lapso fala em artº 1º, mas se vê claramente que se referem ao artº 2º, nº1) aceita-se expressamente esse entendimento que, no entender do recorrente viola os princípios (constitucionais de legalidade e da igualdade consagrados nos artºs 12º e 13º da Constituição da República Portuguesa).

    Pretende-se, pois, que o Tribunal Constitucional aprecie e declare, nessa parte, a inconstitucionalidade de tal preceito;

    1. A alegada inconstitucionalidade dos artºs 3º e 29º do Regulamento das Passagens de Nível aprovada por aquele Decreto-Lei 156/81, de 09 de Junho, resulta do facto do douto Acórdão recorrido expressamente interpretar aqueles dois preceitos (cf. pág. 4 e segs. do Acórdão recorrido) no sentido de eles afastarem a responsabilidade da C... com base no risco ou em presunção legal de culpa ou em outros casos fora dos que aí taxativamente se indicam, restringindo inadmissivelmente os casos em que a C... se pode ver obrigada a indemnizar, em violação frontal dos princípios gerais do nosso ordenamento jurídico na matéria e dos princípios da legalidade e da igualdade.”

    Produzidas as pertinentes alegações, o recorrente concluiu as que apresentou pela forma seguinte:

    “1ª. – Sofre do vício de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da universalidade consignados nos artºs 12º e 13º da CRP, o artº 2º, nº1, do Decreto-Lei nº 156/81, de 9 de Junho, na interpretação que dele faz o douto Acórdão do STJ segundo o qual é a própria C... que, a seu livre alvedrio, promove a entrada em vigor das normas que definem as exigências legais que a vinculam, assim se subtraindo á obrigação de indemnizar.

  2. – Sofre do mesmo vício, por violação dos mesmos princípios e normas constitucionais, os artºs 3º e 29º do Regulamento das Passagens de Nível aprovado por aquele diploma legal (DL 156/81 de 9/6), na interpretação que dele faz o douto Acórdão do STJ, segundo a qual a concessão de prioridade a veículos da C... exclui sempre que sobre esta recaia o dever de indemnizar com base na responsabilidade objectiva ou pelo risco.”

    Pelo seu lado, a C... também alegou, tendo formulado a seguinte conclusão:

    “O artº 2º, nº1, do Decreto-Lei nº 156/81, de 9 de Junho, como os artºs 3º e 29º do Regulamento das Passagens de Nível por aquele diploma aprovado, não violaram qualquer princípio constitucional, por isso que, por razões de interesse público, dispõe para as situações que contemplam por forma legal, adequada, universal e igual, respeitando, nomeadamente, os princípios ínsitos nos artigos 12º e 13º da C.R.P., devendo, como tal e pelo mais que V. Ex.as doutamente suprirão, ser negado provimento ao recurso, assim se fazendo a habitual Justiça.”

    3. – Após a discussão do projecto apresentado, houve mudança de relator por vencimento.

    4. – Importa fazer um resumo do iter processual que levou ao presente recurso.

    4.1 - O recorrente foi vítima de um acidente quando começava a atravessar a linha do Norte no local onde existia uma passagem de nível sem guarda e onde a sinalização era deficiente, acidente de que resultaram os danos patrimoniais e não patrimoniais que fundamentam o pedido formulado.

    Na 1ª instância, decidiu-se que o acidente ocorreu “pela violação das regras de prioridade e de circulação, por parte do condutor do automóvel, e pela sua falta de atenção e imprudência ao volante, que não só não soube adaptar a condução às circunstâncias que encontrou, como ainda não foi suficientemente hábil para evitar pôr em perigo os restantes utentes da via (neste caso, via férrea).

    Em suma, o embate descrito nos autos deveu-se exclusivamente àquela violação negligente das regras já estudadas, causa real do evento infortunístico.”

    Considerando, assim, que “tendo sido o condutor do veículo automóvel o único culpado no acidente, não goza ele de qualquer direito a indemnização pelos prejuízos por si sofridos.” Daí, a decisão de absolvição da C... no processo principal.

    4.2 – Interposto recurso de apelação para a Relação, em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da interpretação do artigo 2º do Decreto-Lei nº 156/81, de 9 de Junho e dos artigos 3º e 29º, do Regulamento das Passagens de Nível, que aquele diploma aprovou, a Relação apreciou a questão de saber “se a apelada C... violou algum dever geral ou especial de diligência, resultando dessa violação, como causa adequada, a ocorrência do acidente.”

    A Relação veio a concluir que “o apelante podia, pois, aperceber-se da PN a cerca de 50 metros da mesma, o que lhe permitia tomar as devidas precauções a fim de se certificar da eminente passagem do combóio, que, como ficou dito, gozava de prioridade de passagem.

    E essas precauções, face àquela eminência, não podiam ser outras senão parar a marcha do veículo e não atravessar a linha férrea.

    Ao contrário do que fez.”

    A Relação, julgou assim improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida.

    4.3 – o recorrente interpôs, de seguida, recurso de revista para o STJ, voltando a suscitar a questão da inconstitucionalidade da interpretação feita na decisão recorrida do artigo 2º do Decreto-Lei nº 156/81, de 9 de Junho e dos artigos 3º e 29º do Regulamento de Passagens de Nível e pedindo a condenação da Ré C... por estar assente a sua culpa efectiva, por violação dos deveres gerais e especiais de diligência e cuidado.

    O STJ, no acórdão recorrido, deu como provada toda a matéria de facto apurada nas instâncias, designadamente, a seguinte:

    “(...)Naquele troço, a velocidade máxima permitida para os veículos ferroviários é superior a 120 Km/hora.

    A passagem de nível em que ocorreu o embate não tinha guardas nem cancelas.

    À data do embate, as bermas das estradas encontravam-se cheias de alta e espessa vegetação.

    Do lado direito da estrada, atento o sentido em que seguia o autor, encontrava-se implantado um muro em toda a extensão da via em que o autor circulava, desde o seu início.

    No local não existia iluminação pública, para além de um poste de iluminação pública a cerca de 300 m da passagem de nível.

    No lado direito da estrada, atento o sentido do autor, existia um sinal denominado «Cruz de Santo André» colocado junto à passagem de nível, a cerca de 4 m do carril mais próximo.

    E no lado esquerdo da estrada, atento o mesmo sentido, existia um sinal em cimento com indicação «Pare, Escure e Olhe».(...).

    O sinal especificado em M) [Cruz de Santo André] era visível desde o início da recta que antecede a passagem de nível, mesmo de noite, quando iluminado pelos faróis dos automóveis.(...)

    O combóio circulava a 70 quilómetros por hora, indo parar na estação a cerca de 440 m do local do embate.(...)

    A C... encerrou a passagem de nível posteriormente com a construção de uma passagem desnivelada.(...)

    À data do acidente, não havia junto à passagem de nível qualquer outro equipamento ou sinais, nomeadamente, pré-sinalização de passagem de nível ou sinal de STOP marcado no pavimento ou colocado no sinal referido em D.

    (...)”.

    Na parte decisória do acórdão, a fundamentação, na parte relevante, foi como segue:

    “A C... responde pelos acidentes ocorridos em passagens de nível, em princípio, nos termos do artº 483º e Seg. do CC.

    Responde inclusivé pelo risco artº 503º e seg. do CC.

    [...]

    O mesmo se faz notar no acórdão deste Tribunal de 12-6-96, onde se defende doutrina que reputamos correcta.

    Dissemos “Em princípio”, porque, como todos compreendem, há uma diferença fundamental entre um veículo que se desloca em estrada ou fora dela e um combóio em marcha numa linha de caminho de ferro.

    Assim, enquanto o dono do veículo pode ser obrigado a indemnizar ainda que se não prove qualquer ilícito, o mesmo já se não pode entender relativamente á...

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