Acórdão nº 184/01 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Abril de 2001

Magistrado ResponsávelCons. Sousa Brito
Data da Resolução24 de Abril de 2001
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 184/01

Proc. nº 96/00

  1. Secção

Relator: Cons. Sousa e Brito

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I

  1. Inconformado com a decisão da 8ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa que o condenou a uma pena de 5 anos de prisão pela prática de um crime de burla agravada, na forma continuada, o arguido ora reclamante, J..., recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por decisão de 7 de Maio de 1996, negou provimento a este recurso - e concedeu, em parte, provimento ao interposto pelo Ministério Público -, condenando o ora reclamante na pena de 5 anos de prisão pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio, previsto e punido pelo artigo 36º do Decreto-Lei nº 28/84, de 20 de Janeiro.

  2. De novo inconformado, recorreu o arguido J... para o Supremo Tribunal de Justiça. A terminar as alegações de recurso que então apresentou naquele Tribunal formulou o recorrente 74 conclusões (fls. 1786 a 1802 do processo originário).

  3. Recebido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça foi proferido pelo então Relator um despacho-convite de 23 de Junho de 1997 (fls. 1862 a 1863 vº.) que, no que se refere ao ora reclamante, tem o seguinte teor:

    " As conclusões do recurso são, logicamente, um resumo dos fundamentos por que se pede o provimento daquele, tendo como finalidade que os mesmos se tornem, fácil e rapidamente, apreensíveis pelo tribunal ad quem – v., nomeadamente, J. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V-359; Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, III-299, e acórdãos deste Supremo Tribunal, de 2 de Fevereiro de 1984, in BMJ 334-401 e de 4-2-1993, in Colectânea de Jurisprudência, I-I-140.

    Este último aresto é particularmente incisivo e claro a respeito desta matéria ao fixar os seguintes pontos:

    - as conclusões são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo das alegações;

    - sem a indicação concisa e clara dos fundamentos explanados e desenvolvidos nas alegações não há conclusões, o que é motivo para não receber o recurso

    .

    O carácter sintético das conclusões é hoje claramente salientado pelo nº 1 do art. 690º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.

    No citado acórdão de 4-2-93, afirma-se ainda, com inteira pertinência, o seguinte:

    A razão de ser da lei é, por um lado, apelar para o dever de colaboração das partes e dos seus representantes (art. 265º) a fim de tornar mais fácil, mais pronta e mais segura a tarefa de administrar a justiça; e, por outro lado, fixar a delimitação objectiva do recurso, indicando concreta e precisamente as questões a decidir (art. 684º)

    .

    Ora, o recorrente J... formulou 74 conclusões, traduzidas num extenso texto que ocupou 16 páginas.

    Sucede ainda que, nas conclusões 5ª, 38ª e 52ª, o recorrente remete para o que foi dito por ele nas peças processuais juntas aos autos.

    Portanto, o recorrente não foi capaz de resumir as razões do seu pedido, apresentando como conclusões um longo texto a que melhor caberia a designação de verdadeiras alegações e, mesmo assim, extensas.

    Daí que estas conclusões não possam, como tal, ser consideradas; tudo se passando como se não as tivesse formulado.

    Assim, nos termos do nº 3 do artigo 690º do CPC, aplicável ex vi dos artºs 1º e 649º do CPP, convido o recorrente a apresentar conclusões em 10 dias. Notifique este convite ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do nº 4 do artigo 690º".

  4. Em cumprimento do despacho supra referido veio o mesmo arguido apresentar nova peça processual, contendo agora 45 conclusões (fls. 1871 a 1881) – as quais, segundo afirma, "constituem uma formulação sintética de proposições basilares do que se critica no aresto recorrido, das normas jurídicas violadas, e do sentido da decisão a proferir", justificando-se a "sua ainda relativa extensão" pelo número e complexidade das questões a decidir, pela extensão de outras peças processuais e pela gravidade da condenação imposta ao arguido. Salienta ainda o recorrente que as conclusões apresentadas "não contêm quaisquer citações, remissões, nem dão por reproduzidas, no todo ou em parte, quaisquer outras peças juntas aos autos".

  5. Foi entretanto proferido pelo Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça o despacho de 12 de Julho de 1997 (fls. 1901 a 1904), considerando, em síntese, não cumprido, em termos satisfatórios, o convite que fora dirigido ao arguido/recorrente, entendendo-se que "os fundamentos por que se pede o provimento do recurso não foram resumidos como é característico das conclusões, pelo que não se tornam, fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal ad quem", pelo que, nos termos do artigo 690º, nº 3, do Código de Processo Civil, não se poderia conhecer do recurso.

  6. Desta decisão reclamou o arguido/recorrente para a conferência, suscitando, desde logo, a inconstitucionalidade da norma do nº 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, na interpretação que dela fez o despacho reclamado, por violação do disposto nos artigos 18º, 20º e 32º, nº 1 da Constituição, reclamação que veio, contudo, a ser indeferida através do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1998 (fls. 1921 a 1922 vº.). Escudou-se o Supremo, para tanto, na seguinte argumentação:

    "(...) Quanto à reclamação do recorrente J..., este começa por atacar, ao fim e ao cabo, o despacho que o convidou a apresentar conclusões, por as que apresentou assim não poderem ser consideradas devido à sua grande extensão, não só em si como também pela remissão para outras peças juntas aos autos – v. artºs 1º a 8º.

    De facto este recorrente pretende agora, pelas citações doutrinais que faz, que as suas primeiras conclusões não deveriam ser consideradas extensas.

    Ora, ele aceitou o convite para apresentar novas conclusões e pretendeu cumpri-lo, pelo que está decidido com trânsito em julgado que na motivação, digo, nas alegações que o recorrente apresentou não havia conclusões – v. o acórdão deste STJ de 4-2-1993, in Col. Jur.I-I-14º.

    Assim, os argumentos agora referidos pelo recorrente seriam igualmente pertinentes quanto às primeiras conclusões, não podendo ser aceites pelo que se acaba de dizer.

    Por outro lado, não é aplicável ao caso o disposto no nº 4 do artigo 690º do CPC, na parte em que diz, para o caso de não ser cumprido o convite ao recorrente para suprir a falta ou a deficiência das conclusões, «...sob pena de não se conhecer do recurso na parte afectada».

    É que a redacção deste preceito foi introduzida pelo Dec.Lei nº 329-A/95, não sendo aplicável aos recursos de decisões anteriores a 1 de Janeiro de 1997, como é o caso da presente - v. o art. 25º daquele diploma.

    Por outro lado ainda, a norma do nº 3 do art. 690º do CPC na redacção anterior à que lhe foi dada pelo referido Dec. Lei não põe, de forma alguma, em crise, os princípios constitucionais constantes do art. 20º - acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva - e 32º, nº 1, da CRP - garantias de defesa, incluindo o recurso, do processo criminal.

    Efectivamente, a existência da formulação de conclusões sintéticas até permite uma melhor defesa dos arguidos, na medida em que permite ao tribunal de recurso uma mais fácil e rápida percepção dos fundamentos do recurso, assim se obtendo uma justiça mais fácil, mais pronta e mais segura. E, para alcançar tal desiderato os interessados processuais têm o dever de colaborar com os tribunais – v. o já citado acórdão deste STJ de 4-2-1993.

    Nos artigos 9º a 12º da reclamação, o recorrente J... insiste em falar na parte afectada e na parte não afectada das suas primeiras conclusões; quando, como já se disse, o despacho reclamado, bem como o despacho-convite, não faz, nem tinha que fazer, tal distinção, por não estar prevista no nº 3 do artigo 690º do CPC na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 329-A/95.

    De resto, o sentido do despacho-convite foi o de que o recorrente não formulou conclusões, pelo que, neste particular, o recurso estava totalmente afectado.

    A referência feita à remissão constante das conclusões 5ª, 38ª e 52ª primeiramente apresentadas apenas serviu para salientar o agravamento da extensão das conclusões, que já resultava destas, e não para centralizar naquelas a parte afectada do recurso.

    Quanto aos restantes artigos da presente reclamação, só há que dizer que, tal como se afirma no despacho reclamado, o recorrente não foi capaz de cumprir o que lhe foi determinado.

    Assim, quanto aos dois recorrentes, a consequência legal a tirar do não cumprimento do convite que lhe foi feito é a que consta dos despachos reclamados, ou seja, o não conhecimento dos recursos.

    Pelo exposto, indeferem-se as duas reclamações".

  7. Desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça, tirada em conferência, bem como da proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 7 de Maio de 1996 (fls. 1639 a 1692), foi interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, recurso de constitucionalidade. Pretendia o recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição, ver apreciada a constitucionalidade:

    1. da norma que, na interpretação da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1998, se extrai do nº 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à resultante dos Decretos-Lei nºs 329/A-95 e 180/96, por entender que tal norma é violadora dos artigos 18º, 20º e 32º, nº 1, todos da Constituição;

    2. da norma do artigo 36º do Decreto-Lei nº 28/84,de 20 de Janeiro, na interpretação que dela fez a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, por considerar que tal norma é violadora dos princípios da legalidade e tipicidade penal vertidos no artigo 29º da Constituição.

  8. O Tribunal Constitucional, por Acórdão nº 275/99, de 5 de Maio de 1999 (Diário da República de 13.7.1999, II série, p.10157 ss.), decidiu:

    "a) não conhecer do objecto do recurso, na parte em que o recorrente pretendia ver apreciada a constitucionalidade da norma que, na decisão do Tribunal da Relação de...

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