Acórdão nº 461/02 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Novembro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução08 de Novembro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 461/02

Processo nº 178/2002

  1. Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção

do Tribunal Constitucional:

  1. Em 29 de Fevereiro de 2000, o IGAPHE – INSTITUTO DE GESTÃO E ALIENAÇÃO DO PATRIMÓNIO HABITACIONAL DO ESTADO propôs contra A e mulher, no Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, uma acção destinada a obter a resolução do contrato de arrendamento devidamente identificado nos autos, com fundamento em falta de pagamento de rendas.

    A acção foi julgada parcialmente procedente no despacho saneador, de 6 de Abril de 2001, de fls. 67. Os réus foram absolvidos do pedido de resolução do contrato, por ter ocorrido a caducidade do direito correspondente, mas foram condenados a pagar a quantia de 1.433.700$00 a título de rendas vencidas e não pagas. No que agora releva, o tribunal desatendeu a invocação da prescrição das rendas relativas ao período de Janeiro de 1989 a Janeiro de 1995 porque entendeu que, dispondo de força executiva as certidões passadas pelo IGAPHE relativas a rendas, nos termos do artigo 29º do Decreto-Lei nº 88/87, de 26 de Fevereiro, sendo ainda certo que pendia contra o réu uma execução fiscal para o efeito, passava a ser-lhes aplicável o prazo geral de 20 anos (artigo 309º e nº 1 do artigo 311º do Código Civil).

    Inconformados, os réus recorreram para o Tribunal da Relação do Porto.

    Por acórdão de 3 de Dezembro de 2001, de fls. 120, foi reduzido o montante a pagar, por se ter apurado existir uma duplicação na cobrança de algumas das rendas devidas, bem como um erro de cálculo.

    Apenas no que agora interessa, o Tribunal da Relação do Porto desatendeu a acusação de inconstitucionalidade orgânica e material do artigo 29º do Decreto-Lei nº 88/87, de 26 de Fevereiro.

  2. Por requerimento de 18 de Dezembro de 2001, os réus vieram arguir a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação do Porto (arguição que foi deferida pelo acórdão de 4 de Fevereiro de 2002, de fls. 147) e interpor recurso para o Tribunal Constitucional.

    Ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie a "inconstitucionalidade do artigo 29º do DL nº 88/87, por violação da actual alínea p) do nº 1 do artigo 165º (ao tempo, alínea q) do artigo 168º) e artigos 2º e 13º da CRP".

  3. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as correspondentes alegações.

    No que toca aos recorrentes, concluíram do seguinte modo:

    1ª Com o artigo 29º do DL 88/87, o Governo (sem autorização da Assembleia da República) fixou uma nova competência aos tribunais tributários: a de cobrarem coercivamente as rendas habitacionais do IGAPHE – violando a alínea q) do artigo 168° da CRP (versão de 1982) que reserva para a Assembleia a competência legislativa de fixar as competências dos tribunais.

    2ª Além disso, ao estatuir sobre a cobrança das rendas habitacionais de que é senhorio o IGAPHE, o Governo (sem autorização da Assembleia da República) legislou sobre matéria de arrendamento urbano (regime de cobrança de rendas) – violando a alínea h) do artigo 168° da CRP (versão de 1982) que reserva para a Assembleia a competência legislativa de legislar sobre arrendamentos.

    3ª Parece assim, modestamente, aos recorrentes que o artigo 29º do DL 88/87 de 26 de Fevereiro sofre duplamente de inconstitucionalidade orgânica por ter invadido a esfera de reserva relativa da Assembleia da República.

    4ª Como titular das rendas habitacionais dos prédios de que é proprietário, o IGAPHE tem de ter o mesmo tratamento que os demais senhorios em Portugal (recorrer aos tribunais comuns, com garantias dos inquilinos para poderem contestar os factos invocados).

    5ª O artigo 29º do DL 88/87 é materialmente inconstitucional ao conceder um tratamento especial, injustificado e diferenciado ao senhorio IGAPHE (quando os demais senhorios não podem passar certidões e recorrer ao tribunal tributário para cobrarem executivamente as rendas habitacionais não pagas pelos inquilinos) violando os princípios fundamentais da igualdade ( estabelecido no artigo 13° da nossa Constituição) e de vivermos num Estado de direito democrático (estabelecido no artigo 2° da CRP).

    O recorrido formulou as seguintes conclusões:

    1. O artº. 29º do D.L. 88/87 não fixou nova competência aos Tribunais Tributários, pois estes órgãos judiciais têm a sua competência definida no Código de Processo Tributário – artº 39º e no D.L. 129/84, de 27 de Abril, complementado pelo D.L. 374/84, de 29 de Novembro nomeadamente a cobrança coerciva das dívidas ao Estado (ou pessoa colectiva pública) no âmbito do seu estatuto próprio.

    2. A emissão de certidões de dívida (quando ela exista) é um procedimento legal que assiste ao Estado ( ou ente público ) não violando o artº 168º/1 alínea h) versão 1982.

    3. O Igaphe não é um senhorio privado, pois não prossegue fins económicos, não praticando rendas habitacionais com rentabilidade do capital e consequentemente não lucrativas. Outros sim tem por missão proporcionar habitação digna a famílias de carências económicas, proporcionando rendas de baixo valor real do mercado e portanto não existe razão "materialmente fundada" para ser extensível o regime do artº 29° aos senhorios privados. AC TRP 03/12/2001.

    4. E prosseguindo o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, vem esclarecer que "o regime expedito de cobrança de rendas em dívida, mediante atribuição de força executiva a certidões emitidas pelo Igaphe, não traduz afronta ao princípio constitucional de igualdade por, afinal, reflectir a necessidade de dar tratamento desigual a situações desiguais".

    5. O Igaphe não é um "mero instituto" como o recorrente parece crer, mas sim um ente público dotado de força legal para emitir certidões de dívida com força de título executivo, para prossecução dos seus fins sociais apoiando as famílias de fracos recursos, dotando-as de habitação condigna a preços manifestamente inferiores aos do mercado (veja-se o caso do Recorrente em que Ihes foi fixada uma renda de 13.900$00/mês, para mais tarde lhe ser reduzida para 9.999$99/mês - ou seja obteve uma redução de cerca de 35%).

    6. É...

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