Acórdão nº 417/02 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução10 de Outubro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

Proc. n.º 633/01 Acórdão nº 417/02

  1. Secção

Relatora: Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. Nos presentes autos de acção especial de expropriação por utilidade pública, foi adjudicada à Região Autónoma da Madeira o direito de propriedade sobre um prédio (identificado nos autos) pertencente a A, por despacho proferido no 4º Juízo Cível do Funchal em 18 de Outubro de 1999 (fls. 251 e seguintes).

  2. A. interpôs, ao abrigo do disposto no artigo 56º do Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, recurso da decisão arbitral de fls. 5 e 6, que fixara à indemnização a atribuir pela expropriação o valor de 584.460$00, pedindo que à indemnização fosse fixado o valor de 1.823.100$00 (fls. 259 e seguintes).

    Na sua resposta, o Governo Regional da Madeira sustentou que deveria ser mantido o valor da indemnização fixada pela arbitragem (fls. 270 e seguintes).

    Realizada a avaliação, A. produziu alegações, nas quais sustentou, para o que aqui releva, o seguinte (fls. 326 e seguintes):

    "[...]

    [...]a grande divergência situa-se na aplicação do disposto no artº 25º nº 5 do anterior Código das Expropriações, que surge ao arrepio de qualquer fundamentação, nada sendo invocado a favor da sua utilização ao caso concreto dos presentes autos.

    Essa norma, que foi totalmente suprimida no actual Código, dispõe que:

    5 - À parte do solo apto para construção que exceder a profundidade de 50m, relativamente a todos os arruamentos que o ladeiam e que não possa ser aplicada na construção corresponderá, no caso de ser economicamente justificável, um valor unitário de 20% do valor unitário da parte restante...

    Ora, e independentemente de quaisquer outras considerações, é bem patente que os Srs. Peritos não avaliaram qualquer «parte restante», nem fizeram qualquer distinção entre terreno expropriado apto para construção e terreno abrangido pela limitação desta norma, sendo portanto, evidente que a mesma não se aplica ao caso dos autos.

    E, por outro lado, a norma em causa refere-se a terreno «que não possa ser aplicado na construção», e, segundo todos os peritos, o terreno que foi avaliado não sofre dessa limitação, o que torna também mais do que evidente que o aludido nº 5 do artº 25º do anterior Código não se aplica a esta situação.

    Mesmo que assim não fosse, seria necessário ter em consideração que:

    ... as consequências do limite de 50m fixado no nº 5 do artº 25 são injustas e inaceitáveis...

    ...Este requisito põe em causa o princípio da justa indemnização que, como se refere doutamente no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 210/93, tem implicada necessariamente a observância do princípio da igualdade...

    (José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, pág. 198 e 199).

    [...]."

    O Governo Regional da Madeira também alegou, tendo entre o mais sustentado o seguinte (fls. 330 e seguintes)

    "[...]

    Os critérios adoptados pelos árbitros são os constitucionalmente consagrados – valor real e actual do bem objecto de expropriação.

    O que o recorrente/expropriado pretende é subverter os princípios constitucionais, de modo a que eles cubram intuitos especulativos.

    Só que a Constituição tanto impede (e bem) a fixação de valores que não correspondem à realidade, como impede (até por maioria de razão) a fixação de valores especulativos, como pretende o recorrente.

    O dinheiro afecto ao pagamento da expropriação são dinheiros públicos (dinheiro de todos nós), que deve conduzir à justa compensação do expropriado, mas não à especulação e diga-se que o valor fixado no auto de arbitragem já é bastante acentuado.

    [...]

    A Administração não pode, nem deve, penalizar o expropriado, não lhe pagando o justo preço mas, também, não pode permitir que o expropriado se sirva da expropriação para especular e extorquir valores desproporcionadamente superiores ao efectivo valor dos bens objecto da expropriação.

    [...]

    Não tem o recorrente/expropriado razão já que tem lugar a aplicação do artº 25º, nº 5 do Código das Expropriações, que nada tem de inconstitucional.

    [...]."

  3. Por sentença de fls. 386 e seguintes, o juiz do 4º Juízo Cível do Funchal julgou o recurso parcialmente procedente e, em consequência, fixou o valor da indemnização a atribuir ao recorrente e aos demais comproprietários da parcela expropriada em 715.500$00, acrescida da aplicação da taxa resultante da evolução do índice de preços no consumidor que viesse a ser fixada para o ano 2000 pelo I.N.E.. Lê-se no texto da sentença o seguinte:

    "[...]

    Resulta, desde logo, do teor da norma transcrita [o artigo 25°, nº 5, do Código das Expropriações de 1991], que a redução de valor aí prevista apenas terá lugar quando a área excedente não possa ser aplicada na construção, o que significa que, se todo o terreno estiver destinado, de acordo com plano municipal eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a) do nº 3 do art. 25°, não tem lugar a redução de valor para 20% do valor unitário da parte restante [...].

    De referir também que o art. 25°, nº 5 terá de ser conjugado com o disposto no nº 3 do art. 24° do Código das Expropriações, dado que há que ponderar que a área de implantação e o logradouro das construções isoladas até ao limite do lote padrão, terá de ser equiparada a solo apto para a construção.

    Importa salientar ainda que «(...) se o terreno, embora situado para além da linha de 50 m, tiver sido considerado para efeito da determinação da edificabilidade do terreno (i. e., tiver servido de base, tal como o restante, para aplicação do índice de construção), já não será economicamente justificável a aplicação do preceito» [...].

    Significa isto que, mesmo quando o solo é classificado como solo apto para a construção, nem toda a área da parcela expropriada tem necessariamente o mesmo valor: o valor da parte do solo da parcela expropriada que não exceda a profundidade de 50 m relativamente a todos os arruamentos que o ladeiam, é calculado em conformidade com os critérios constantes dos nºs 1 a 4 do art. 25°; o valor do solo que exceda essa referida profundidade de 50 m e que não possa ser aplicado na construção será encontrado em função da aplicação de uma redução de 20% do valor unitário da parte restante.

    De realçar que «(...) esta norma, ao fixar um critério objectivo de determinação do valor de parte das parcelas expropriadas, tem natureza imperativa, aplicando-se sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos e não podendo ser afastada por considerações subjectivas» [...].

    Pugna o recorrente pela inconstitucionalidade da norma em apreço por entender que a mesma viola o princípio da justa indemnização consagrado constitucionalmente – art. 62°, nº 2 da C.R.P.

    J. Osvaldo Gomes a fls. 198 e 199 do seu livro Expropriações por Utilidade Pública, defende que o limite de profundidade fixado no art. 25°, nº 5 trata de modo desigual e injusto os proprietários de terrenos sempre que estes tenham profundidade superior a 50 m, para além do que impede uma compensação integral afastando o valor real e corrente de mercado.

    Ora, como resulta do já anteriormente expendido, a justa indemnização deve ser aferida em função das circunstâncias e das condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública.

    A Constituição não define concretamente o que deve entender-se por justa indemnização, contudo, esta há-de aproximar-se o mais possível de uma reconstituição natural, atento o princípio vertido no art. 562° do Código Civil.

    A génese do princípio constitucional da justa indemnização radica na pretensão de evitar que aos expropriados possam ser concedidas indemnizações manifestamente insuficientes para compensar o dano sofrido com a privação do bem, que seriam desajustadas do montante que resultaria da aplicação da teoria da diferença prevista na lei civil e do valor venal ou de mercado do bem expropriado.

    A indemnização, com efeito, só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente ele sofreu. Não pode, por isso, ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. Não deve, assim, atender a factores especulativos ou outros que distorçam, para mais ou para menos, a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela

    – Acórdão nº 20/2000 do Tribunal Constitucional – proc. nº 209/98, publicado no D.R II Série de 28.04.2000.

    A observância ao princípio constitucional da justa indemnização, exige ao legislador ordinário a definição de um critério do quantum indemnizatório susceptível de realizar o princípio da igualdade dos expropriados entre si e destes com os não expropriados.

    Desta forma, «(...) a desigualdade imposta pela expropriação tem de compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure ‘uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado’. (...) O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe que se dê tratamento jurídico desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material para tanto. (...) O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento de um direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública, alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor de mercado do bem expropriado» (Acórdão nº 20/2000 acima mencionado).

    A diferença estabelecida no art. 25°, nº 5 que, no entender do expropriado, acarretaria uma violação do princípio da justa indemnização, radica na diferenciação de critérios para o cálculo do valor das partes da parcela expropriada em função de excederem ou não 50 m de profundidade relativamente a todos os arruamentos que o ladeiam.

    Ora, trata-se, por conseguinte, da aplicação de um critério objectivo, qual seja, o exceder a profundidade de 50 m relativamente a todos os arruamentos que ladeiam o solo...

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