Acórdão nº 414/02 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Outubro de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Artur Maurício
Data da Resolução10 de Outubro de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 414/02

Proc. nº 39/02

TC – 1ª Secção

Relator: Consº. Artur Maurício

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

1 – A, com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que negou a revista da decisão proferida no 2º Juízo Cível de Coimbra que julgara improcedentes os embargos deduzidos à falência contra si decretada em processo especial movido pelo B .

No requerimento de interposição de recurso, disse o recorrente pretender a apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 147º, 148º e 149º conjugados com o artigo 27º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPERREF) que, segundo ele, violam os artigos 165º nº 2 e 18º nº 2 da Constituição.

Admitido o recurso e produzidas alegações, concluiu o recorrente:

"a) Ao recorrente foi pela petição de 28/6/2000 do B requerida a sua falência na condição de avalista, tendo sido decretada a mesma por sentença de 09/01/2001, da qual o recorrente veio deduzir embargos, os quais foram julgados improcedentes, improcedência esta confirmada pelo STJ, no Acórdão de 27 de Novembro de 2001.

b) De facto o recorrente avalizou duas letras de câmbio com vencimento a 30/06/96 e 18/02/97, sacadas pela sociedade D, a qual não as pagou no seu vencimento.

c) Esta sociedade foi já declarada falida, por sentença de 14/01/98, tendo transitado e por isso cessou a sua actividade e até a sua existência nesta data, como sociedade comercial, assim como a indústria que explorava.

d) E tem de se concluir que a norma do artigo 27º CPEREF, ao permitir declarar o recorrente falido, sendo este apenas um garante do cumprimento daquelas obrigações, assim como ao permitir aplicar ao mesmo as inibições previstas nos artigos 147º, 148º e 149º do CPEREF, têm de ser julgadas inconstitucionais, além do mais por força dos artigos 13º, 18º, 21º, 26º e 27º da Const. Rep.

e) Existe também uma inconstitucionalidade formal, uma vez que a autorização constante do art. 4º da Lei nº 16/92, de 6/8, não oferece respaldo substancial ao conteúdo dos preceitos legais a que se referem os artigos 147º, 148º e 149º daquele Código.

f) E por outro lado as inibições constantes destes artigos 147º, 148º e 149º, permitidas por aquele artigo 27º, não podem deixar de ofender o nº 2 do artº 18º da Constituição da República que determina uma inconstitucionalidade material, nomeadamente quando permite aplicar as mesmas aos garantes ou comuns devedores civis.

g) Em resumo, não deviam os tribunais admitir uma interpretação do novo Código das Falências aprovado pelo Decreto-lei nº 132/93, de 23/4, que acabou com a distinção entre insolvência e falência, que por força daquele art. 27º permita estender a todo e qualquer obrigado ou devedor, independentemente da origem do crédito, a aplicação das leis da falência, muito menos estando em causa apenas um comum devedor civil ou garante ou quanto muito responsável pelo pagamento de um dívida de outrém."

Em contra-alegações, o recorrido sustenta que as normas em causa não enfermam dos vícios de inconstitucionalidade que o recorrente lhes atribui.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – São objecto do presente recurso as normas constantes dos artigos 27º, 147º, 148º e 149º do CPEREF que dispõem como segue:

Artigo 27º

Devedor não titular de empresa

1 – O devedor insolvente que não seja titular de empresa ou cuja empresa não exerça actividade à data em que o processo for instaurado pode ser declarado em situação de falência, mas não pode beneficiar do processo de recuperação; ser-lhe-á, contudo, possível evitar a declaração de falência, mediante a apresentação de concordata que o juiz homologue nos termos dos artigos 240º a 245º.

2 – É aplicável ao devedor insolvente não titular de empresa, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos anteriores relativos à falência.

Artigo 147º

Limitações resultantes da declaração de falência

1 – A declaração de falência priva imediatamente o falido, por si ou, no caso de sociedade ou pessoa colectiva, pelos órgãos que o representem, da administração e do poder de disposição dos seus bens presentes ou futuros, os quais passam a integrar a massa falida, sujeita à administração e poder de disposição do liquidatário judicial.

2 – O liquidatário judicial assume a representação do falido para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à falência.

Artigo 148º

Consequências imediatas da declaração

1 – A declaração de falência determina o encerramento dos livros do falido e implica a sua inibição para o exercício do comércio, incluindo a possibilidade de ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, sem prejuízo do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 238º.

2 – No caso de declaração de falência de sociedade ou de pessoa colectiva, a inibição a que se refere o número anterior será aplicada pelo juiz ouvido o liquidatário judicial, aos gerentes, administradores ou directores a que se referem os artigos 126º-A e 126º-B.

3 – A pessoa que for objecto da inibição pode, no entanto, ser autorizada pelo juiz, a seu pedido ou sob proposta do liquidatário judicial, a exercer as actividades referidas no número anterior, desde que a autorização se justifique pela necessidade de angariar os meios indispensáveis de subsistência e não prejudique a liquidação da massa.

Artigo 149º

Dever de apresentação

O falido e, no caso de sociedade ou pessoa colectiva, os seus administradores são obrigados a apresentar-se pessoalmente no tribunal, sempre que a apresentação seja determinada pelo juiz ou pelo liquidatário, a fim de prestarem os esclarecimentos necessários, salvo a ocorrência de legítimo impedimento ou expressa permissão de se fazerem representar por mandatário.

3 - O Acórdão nº 194/2001 (inédito) pronunciou-se já sobre a questão da constitucionalidade orgânica das normas constantes dos artigos 147º nº 1 e 149º do CPEREF. Fê-lo nos seguintes termos:

"3. A questão de inconstitucionalidade suscitada pela recorrente refere-se, pois, às normas constantes dos artigos 147º, nº 1, e 149º do CPEREF, na medida em que, segundo a recorrente, tais normas dispõem sobre questões atinentes ao estado e capacidade das pessoas e sobre direitos, liberdades e garantias, matérias essas da exclusiva competência da Assembleia da República e para as quais o Governo não...

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