Acórdão nº 277/02 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Junho de 2002

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução19 de Junho de 2002
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 277/02

Procº nº 111/2002.

  1. Secção.

Relator:- BRAVO SERRA.

1. Por sentença proferida em 11 de Julho de 2000 pela Juíza do Tribunal do Trabalho do Funchal foi parcialmente julgada procedente a acção que S..., M..., F..., I..., A... e D... intentaram contra C..., S.A., condenando esta a pagar às autoras, durante o período de maternidade, a título de subsídios de refeição, acrescidas dos juros vencidos e vincendos, respectivamente, as quantias de Esc. 99.272$00, Esc. 90.997$00, 90.113$00, 106.540$00, 211.404$00 e 534.413$00.

Tendo dessa sentença recorrido a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando que a sentença apelada "violou o disposto no artigo 82º da LCT, o Acordo de Empresa C..., designadamente a Cl[á]usula 148º, correspondente [à] anterior Cl[á]usula 156º, a Cl[á]usula 195º, o artigo 13º, 59º, 63º, 68º da Constituição da Rep[ú]blica Portuguesa, o artigo 805º do Código Civil" aquele Tribunal, por acórdão de 12 de Dezembro de 2000, negou a apelação.

Pode ler-se nesse aresto para o que ora releva:-

"........................................................................................................................................................................................................................................................................................

c)

O subsídio de refeição ou de alimentação tem por escopo a comparticipação na alimentação do trabalhador enquanto tal, seja em espécie, através das cantinas, seja por equivalente, através da atribuição de valor certo ou até do custeio, por compensação, dos montantes efectivamente dispendidos, em regra com determinado tecto; nessa medida, tem carácter retributivo.

Como complemento regular e periódico, já distante do efectivo dispêndio com o custo da refeição do trabalhador, deve ser incluído no conceito de retribuição (cfr. Acs. STJ, de 1998.04.14 e 1996.11.20, respectivamente, in AD, 320/3321, 1151, e CJ-III/255), excepto quanto às situações de falta por doença e outras não equiparáveis a trabalho efectivo (v.g. de prisão efectiva).

d)

Por via do n° 3 daquele art. 68°, com a revisão de 1997 (seguramente que dando acatamento à Directiva Comunitária n° 92/85/CEE, de 1992.10.19 (que estabeleceu medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras, grávidas, puérperas ou lactantes), a todas as mulheres foi atribuído o ‘direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto’, tendo-se conferido às ‘mulheres trabalhadoras ainda o direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda de retribuição ou de quaisquer regalias (sublinhemos).

Como se acentua no bem elaborado Ac. desta Relação, de 1998.12.09, lançado sobre questão idêntica no Proc. 6.473/98, em que foi relator o Dr.R..., cuja jurisprudência merece inteiro acatamento, ‘com essas normas visou o legislador constitucional não só proteger a saúde das mães trabalhadoras num período difícil das suas vidas, em que normalmente são requeridos repouso e maiores cuidados médicos, como ainda proteger a saúde e bem estar dos nascituros ou dos filhos já nascidos, permitindo às mães cuidar destes últimos a tempo inteiro, sem as preocupações e limitações decorrentes da prestação do trabalho. Visou-se ainda incentivar o aumento demográfico, já que no nosso País, como aliás nos países desenvolvidos, a taxa anual dos nascimentos tem vindo a decrescer, ano após ano, com o indesejável e progressivo envelhecimento da população’ .

Anote-se que foi pressuposto daquela Directiva a consideração de que ‘as disposições relativas à licença de maternidade não teriam igualmente efeitos úteis se não fossem acompanhadas da manutenção dos direitos ligados ao contrato de trabalho e de uma remuneração e/ou do beneficio de uma prestação adequada’ (cfr. os arts. 11° quanto ao asseguramento da manutenção da remuneração/beneficio e a consequente defesa judicial do direito).

Sem que deva negar-se a característica fortemente programática dessa norma fundamental, importa acentuar que não carece de todo de exequibilidade através do processo legislativo de grau inferior (a feitura de lei específica; na verdade, as suas regras impositivas não deixam de ser ‘repositórios dos valores mais característicos na sociedade e que exercem uma influência marcante em todas as operações tendentes à solução de casos concretos’ (Meneses Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, 154), imiscuindo-se decisivamente no processo da realização jurídica. É essa mensagem constitucional da manutenção de todos os direitos retributivos e regalias que deve presidir à adequada interpretação daqueles diplomas regulamentadores, como até à própria compreensão das relações laborais concretas.

Daí que o regime do art. 18°, reportado ao 9° do DL n° 136/85,de 3 de Maio, reportado ao art. 23° da Lei n° 4/84, que fixa a não perda de ‘retribuição, como prestação efectiva de serviço’, tem de ser entendida como generalizada a todos os trabalhadores, para além dos abrangidos pelo regime da função pública (cfr. art. 8°-nº 1 do DL194/96, de 16 de Outubro), assumindo foros de evidente desconformidade constitucional a excepção ‘salvo quanto à retribuição’, por claro desatendimento do ‘valor social assumindo foros de evidente desconformidade constitucional a excepção ‘salvo quanto à retribuição’, por claro desatendimento do ‘valor social eminente da maternidade’ (cfr. art. 1°), senão do estabelecimento de desigualdade real por via do sexo (art. 13°- nº2).

Nesse mesmo sentido - que a apelante conhece já, tantas vezes tem sido confrontada com decisões desfavoráveis, sobretudo nesta Relação, de vem desmerecendo - se pronunciou especificamente a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, pelos Pareceres nsº 7/CITE/91, de 1991.07.02, 8/CITE/91, da mesma data, e 12/CITE/91, de 5 de Outubro, quanto ao subsídio de refeição e ao prémio mensal de assiduidade. E, conquanto o não conhecesse, mais cuidada interpretação das normas, melhor ponderação dos interesses em conflito e justa conduta que pudesse servir como modelo aos empregadores privados - recusando o máximo e desmerecido lucro versus a protecção devida à mulher-mãe - sobretudo tratando-se de empresa titulada pelo mesmo Estado que é regido por aquela lei fundamental e deve conformar a ela as restantes.

E é claro que, desrespeitando as leis ordinárias as normas prevalentes inscritas na Constituição, padecerão aquelas de nulidade, por vício desconformidade material em relação a esta, não podendo ser aceites e antes declaradas inaplicáveis.

e)

Efectivamente, a expressão constitucional ‘ ... sem perda de retribuição ou de quaisquer regalias...’, configurando um acentuado majus quanto à situação das trabalhadoras, à face da lei ordinária, não pode deixar ‘margem para dúvidas de que da [ ] dispensa do trabalho não pode resultar perda para as mulheres-trabalhadoras, quer ao nível da retribuição, quer ao de outros benefícios concedidos pelo empregador, relacionados com a prestação de trabalho’ (cfr. Ac. citado), e mesmo que estes não possam qualificar-se como retribuição.

Em tal conformidade, para além de justificadas (o que aqui nem sequer se discute), essas mesmas faltas são remuneradas como se de serviço efectivo se tratasse, inclusive com o correspondente subsídio de refeição, tudo se passando como se cumprissem normalmente a jornada laboral.

Pelo que, ainda que se recusasse o carácter imediatamente retributivo do...

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