Acórdão nº 65/02 de Tribunal Constitucional (Port, 08 de Fevereiro de 2002

Data08 Fevereiro 2002
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 65/02

Processo nº 58/02 Plenário

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

(Guilherme da Fonseca)

Acordam, no Plenário do Tribunal Constitucional:

I – Relatório:

  1. O Presidente da República, nos termos do disposto no artigo 278°, nºs 1 e 3 da Constituição e nos artigos 51º, n° 1 e 57°, n° 1 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, veio requerer ao Tribunal Constitucional a “apreciação da constitucionalidade das normas constantes dos artigos 1º, 4°, 5° e 6° do Decreto do Governo registado na Presidência do Conselho de Ministros com o n° 475/2001-MS, recebido na Presidência da República no passado dia 16 de Janeiro para ser promulgado como decreto-lei”, por “eventual violação da norma constitucional consagrada no artigo 186º, nº 5, da Constituição”.

    Em síntese, o Presidente da República coloca a dúvida de saber se cabe na competência constitucionalmente definida para um Governo demitido a aprovação de alterações que, independentemente do mérito que se lhes atribua, considera significativas quanto à “forma de designação dos órgãos de direcção técnica dos estabelecimentos hospitalares e dos centros de saúde”, à “composição dos conselhos técnicos dos hospitais” e ao regime aplicável à “contratação de bens e serviços pelos hospitais”.

    Refere ainda que não está em causa valorar as “razões políticas de peso” apontadas pelo Governo para justificar tal aprovação, mas tão somente determinar se pode qualificar-se a mesma como “um acto estritamente necessário para assegurar a gestão dos negócios públicos”.

    Juntou ao requerimento o texto do Decreto.

  2. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 54º da Lei nº 28/82, o Primeiro Ministro veio responder, afirmando, em resumo, o seguinte:

    2.1. O nº 5 do artigo 186º da Constituição, ao restringir a competência do Governo à “prática dos actos estritamente necessários à gestão dos negócios públicos”, não a limita em função da natureza daqueles actos, não vedando, nomeadamente, a aprovação de actos legislativos. Estabelece, sim, um critério cujo cumprimento só casuisticamente se pode avaliar, através da verificação de dois índices: o da importância significativa do acto e o da sua inadiabilidade.

    Passando à demonstração de que, no caso, foi respeitada a limitação constitucional, o Primeiro Ministro procede à descrição do conteúdo das normas abrangidas pelo pedido de fiscalização da constitucionalidade:

    – O artigo 1º – cuja entrada em vigor não faz cessar os mandatos em curso, conforme resulta do artigo 2º – determina que “a designação do director clínico e do enfermeiro director do serviço de enfermagem dos hospitais se passe a fazer por nomeação do Ministro da Saúde, sob proposta do director do hospital, e já não apenas de entre os dois elementos mais votados por corpos eleitorais dos respectivos colegas” e que aos dirigentes assim nomeados se aplica o “regime de incompatibilidades próprio dos dirigentes do sector público, mantendo para os médicos a possibilidade de exercer medicina, pública ou privada, no interior do hospital”;

    – O artigo 4º estabelece que a designação dos membros da direcção técnica dos Centros de Saúde, “um médico e um enfermeiro que são também vogais não executivos do conselho de administração (...) passe do actual sistema de eleição pelos pares (...) a nomeação pelo Ministro da Saúde, sob proposta do presidente do conselho de administração”;

    – O artigo 5º substitui, na composição do Conselho Técnico dos Hospitais, os “directores de departamentos e ou de serviços de acção médica, no máximo de quatro” e os “enfermeiros-supervisores, no máximo de dois”, actualmente “designados pelos pares das categorias mais elevadas (...), por um representante dos médicos e um representante dos enfermeiros, eleitos pelos respectivos grupos profissionais, à semelhança do que acontecia e continua a acontecer com o administrador hospitalar”;

    – Por fim, o artigo 6º prevê que a contratação de bens e serviços pelos hospitais passe a reger-se pelas regras de direito privado.

    2.2. Ora, sustenta o Governo, nenhuma destas alterações excede os poderes de um Governo demitido, pelas seguintes razões:

    – Não se traduzem em inovações fundamentais, pois incluem apenas medidas de “agilização da gestão dos hospitais (...), usando regras já experimentadas, no passado, ou em experiências em curso”, querendo aqui referir-se a três hospitais onde presentemente se aplicam (Hospitais de Santa Maria da Feira, de Matosinhos e do Barlavento Algarvio), quer o regime de nomeação contido no artigo 1º, quer o regime de contratação de bens e serviços a que se refere o artigo 6º;

    – Não “limitam os poderes de decisão política do futuro Governo”, não lhe sendo difícil, se assim o entender, “voltar atrás”;

    – Devem considerar-se “estritamente necessári[a]s para assegurar a gestão dos negócios públicos (...), já que sem o essencial delas é impossível ao Governo cumprir, no domínio da saúde, quer o Orçamento de Estado, quer o que consta do Programa de Estabilidade e Crescimento para 2002-2005 (...) apresentado à União Europeia em Dezembro de 2001”. Neste Programa, aliás, indica-se expressamente, “como um dos instrumentos fundamentais da estratégia de consolidação das finanças públicas, ‘a reforma em curso do sistema de saúde, cujas medidas de carácter estrutural propostas permitirão melhorar substancialmente a qualidade da despesa e reduzir o desperdício (...)’ ”, referindo, entre essas medidas, a unificação, “pelo critério da nomeação, [d]a responsabilidade gestionária dos conselhos de administração”.

    No que toca em particular ao Orçamento de Estado para 2002, o Governo lembra que foi elaborado na convicção de que as medidas em causa seriam aprovadas; e que, aliás, anunciou, no debate na generalidade do referido Orçamento de Estado e das Grandes Opções do Plano, que, entre os meios que utilizaria “para controlar a despesa e o nível do défice”, figurava “a alteração da forma de designação em relação aos membros eleitos dos conselhos de administração”.

    Ainda para justificar a estrita necessidade das alterações aprovadas, o Governo refere o peso do financiamento dos hospitais, no quadro do Serviço Nacional de Saúde (“cerca de 50% dos gastos totais”) e o tempo previsível em que haverá um governo de gestão (acrescendo ao tempo em que o actual se manterá nesse regime aquele que decorrerá até que o seguinte veja o seu programa apreciado pela Assembleia da República).

    2.3. Procurando demonstrar, por um lado, a adequação das medidas aprovadas aos objectivos propostos, por permitirem “importantes ganhos no que diz respeito ao desperdício de recursos e à concentração das administrações no real serviço dos utentes” e, por outro, o seu carácter inadiável, o Governo aponta, seguidamente, as graves consequências que o regime actualmente em vigor quanto à designação do director clínico e do enfermeiro director do serviço de enfermagem provocou do ponto de vista da “qualidade do desempenho gestionário e [d]o nível de desperdício”. Essas consequências advêm, segundo observa, da “dupla lógica” de designação dos elementos dos conselhos de administração, em parte nomeados (o administrador e o administrador-delegado) e em parte eleitos, como se viu, o que gera “conflitos de legitimidade e de interesse”.

    Diz ainda o Governo ter a convicção de “que há uma correlação directa entre a passagem de nomeação a eleição dos responsáveis hospitalares em causa e o descontrolo das despesas; com efeito, desde que a nomeação foi substituída pela eleição, os estabelecimentos passaram a acumular défices enormes e muitas vezes inexplicáveis, a despender cada vez mais recursos em medicamentos (a factura farmacêutica duplicou em poucos anos) e a realizar, sem submissão ao planeamento, obras dispendiosas, por vezes de prioridade discutível, mas consideradas indispensáveis para os equilíbrios internos de poder, com obras muitas vezes pagas pelo orçamento corrente, e ficando frequentemente por despender recursos do PIDDAC e até do Quadro Comunitário de Apoio”; e acompanha estas afirmações de vários exemplos e de quadros destinados a suportá-las.

    Entende o Governo que estes inconvenientes poderão ser ultrapassados com o novo regime – já aplicado “no passado, com melhores resultados do que [o] actual”, e presentemente vigente nos hospitais atrás identificados, “com bons resultados” – , que permite que os conselhos de administração sejam equipas homogéneas e responsáveis perante o Governo, “que, pela legitimidade democrática que lhe assiste, (...) representa o conjunto dos utentes”.

    Insistindo na urgência da sua aplicação, e nos prejuízos irreversíveis que o seu adiamento provocará, o Governo chama a atenção para o termo iminente de vários mandatos agora em curso, e para a vantagem de não permitir que novos mandatos se iniciem segundo o regime actual, uma vez que entende que deve ser respeitado o respectivo período de duração.

    2.4. Quanto aos Centros de Saúde, o Governo afirma que, embora “numa escala diferente”, valem as mesmas observações e, portanto, as mesmas razões para a mudança do regime de nomeação dos elementos da sua direcção técnica.

    2.5. No que toca “à composição dos conselhos técnicos dos hospitais”, o Governo justifica a medida que propõe por razões de “coerência e oportunidade globais do conjunto” e da vantagem “de se aproveitar a designação electiva entre médicos e enfermeiros para a composição de órgãos de direcção técnica”.

    2.6. Finalmente, quanto ao regime aprovado relativo à contratação de bens e serviços, o Governo afirma que pretende generalizar as experiências em curso nos três hospitais atrás referidos, que têm permitido alcançar bons resultados no que toca à “redução drástica de desperdícios (...), controlo de gastos e assim cumprimento dos orçamentos”, sendo urgente a sua aplicação generalizada, pois que o seu adiamento comporta o “risco de graves prejuízos”.

    Conclui, assim, no sentido de que o Tribunal Constitucional se deve pronunciar no sentido da não inconstitucionalidade das normas cuja...

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