Acórdão nº 620/03 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Dezembro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução17 de Dezembro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 620/03 Processo n.º 267/03 2.ª Secção

Relator: Cons. Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

  1. Relatório

    A., secretário de justiça, requereu, em 3 de Janeiro de 2002, à Câmara dos Solicitadores, ao abrigo dos artigos 49.º, alínea b), do Estatuto dos Solicitadores (Decreto-Lei n.º 483/76, de 19 de Junho) e 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 8/99, de 8 de Janeiro, a sua inscrição como solicitador e o cancelamento provisório da mesma até à data da sua aposentação como secretário de justiça.

    Por acórdão do Conselho Regional do Norte da Câmara dos Solicitadores, de 15 de Janeiro de 2002, veio tal pretensão a ser indeferida, nos termos do artigo 47.º, alínea f), do Decreto-Lei n.º 8/99, basicamente por se haver entendido que o acto de inscrição só pode ser praticado se o fim em vista for o exercício da profissão, pelo que seriam incompatíveis o pedido de inscrição e o pedido de imediato cancelamento dessa inscrição.

    Desta deliberação interpôs o interessado recurso contencioso de anulação para o Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, imputando ao acto impugnado vício de violação de lei, por violação dos artigos 49.º, alínea b), do Estatuto dos Solicitadores de 1976 e 2.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 8/99.

    Após contestação da entidade recorrida, o recorrente apresentou alegações, nas quais, além do mais, sustenta que a norma do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 364/93, de 22 de Outubro, que exigia a cessação de funções públicas, que o requerente viesse exercendo, para a inscrição na Câmara dos Solicitadores foi revogada pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto.

    Nas alegações da entidade recorrida, foi invocada a inconstitucionalidade orgânica deste Decreto-Lei n.º 343/99, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, em matéria de associações públicas, prevista no artigo 165.º, n.º 1, alínea s), da Constituição, com a seguinte argumentação:

    ?15. Na verdade, o Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, ao proceder à revogação em bloco do Decreto-Lei n.º 364/93, de 22 de Setembro, especialmente a norma que condiciona a inscrição na Câmara dos Solicitadores à verificação da condição de cessação de funções, consubstancia uma intervenção legislativa incidente sobre a matéria de acesso às associações públicas, neste caso concreto a Câmara dos Solicitadores.

  2. Tal intervenção legislativa, especificamente na parte em que condiciona o acesso a uma determinada associação pública (rectius, a Câmara dos Solicitadores), assume elevada importância, uma vez que, de acordo com o disposto na alínea s) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa, ressalvando autorização concedida ao Governo (a conceder através de Lei de Autorização), é da competência da Assembleia da República legislar em matéria de associações públicas.

  3. Com efeito, ao versar sobre matérias constitucionalmente reservadas à Assembleia da República ? e apenas nessa parte ?, aquele diploma viola claramente a reserva relativa pertença daquele órgão de soberania, pelo que padece do vício de inconstitucionalidade formal parcial e consequente nulidade, também ela parcial, circunscrita unicamente à alteração, por revogação, do regime legal de acesso à Câmara dos Solicitadores.

  4. Trata-se, portanto, de um vício formal que não acarreta a eliminação integral do acto legislativo, limitando-se a invalidar a «parte que reveste forma de decreto-lei em vez de lei formal, mas que deveria necessariamente revestir esta última forma» ? cf. J. J. Gomes Canotilho, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, págs. 890-891.

  5. Desta forma, dando cumprimento ao disposto no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa ? e que, em termos da jurisdição administrativa, está concretizado no n.º 3 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais ?, deve ser recusada a aplicação do Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, na parte inquinada de inconstitucionalidade, ou seja, na parte em que revoga o regime vigente em matéria de acesso à associação pública Câmara dos Solicitadores.

  6. Em termos práticos, a inconstitucionalidade parcial daquele diploma legal equivale, portanto, à desconsideração, por inexistente, daquela revogação, mantendo-se inalterável o regime vigente até à data da sua entrada em vigor.?

    Por sentença de 20 de Dezembro de 2002, o Tribunal Administrativo do Círculo do Porto negou provimento ao recurso contencioso, por entender que o acto impugnado não padecia do vício de violação de lei que lhe fora imputado, desenvolvendo, para tanto, a seguinte fundamentação jurídica:

    ?O Decreto-Lei n.º 483/76, de 19 de Junho, aprovou o Estatuto dos Solicitadores, que vigorou após a entrada em vigor daquele diploma legal.

    Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 8/99, de 8 de Janeiro, aprovou novo Estatuto dos Solicitadores, tendo revogado o Decreto-Lei n.º 483/76, de 19 de Junho, que aprovara o anterior Estatuto dos Solicitadores ? cf. o seu artigo 3.º.

    Entretanto, o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 8/99, de 8 de Janeiro, que aprovou o novo Estatuto dos Solicitadores, estabeleceu disposições transitórias, constituindo uma delas a que determina que a aplicação do novo Estatuto não prejudica a manutenção do regime de inscrição e de estágio na Câmara por um período de três anos.

    Tal significa que, designadamente em matéria de inscrição na Câmara dos Solicitadores, se mantém o regime anterior, ou seja, o regime definido pelo Decreto-Lei n.º 483/76, de 19 de Junho, que aprovara o anterior Estatuto dos Solicitadores, por um período de três anos, ou seja, até Janeiro de 2002, mais propriamente até 9 de Janeiro de 2002, em face da data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 8/99 ? cf. o seu artigo 4.º.

    Para além disso, tratando-se de funcionários de justiça, há que ter em atenção o respectivo Estatuto.

    Ora, nos termos do disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 364/93, de 22 de Outubro, diploma que introduziu alterações ao Estatuto dos Funcionários Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, os secretários judiciais, os secretários técnicos, os escrivães de direito e os técnicos de justiça principais têm direito, após a cessação de funções, à inscrição na Câmara dos Solicitadores, nos termos previstos no respectivo Estatuto.

    Tal diploma legal foi, entretanto, revogado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto ? cf. o seu artigo 2.º.

    Acontece que enquanto que o Decreto-Lei n.º 364/93, de 22 de Outubro, foi decretado ao abrigo de autorização legislativa concedida por lei e nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição da República Portuguesa, já o Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, foi produzido sem autorização legislativa.

    Em função disso, a norma revogatória constante do artigo 2.º deste último diploma legal, ao operar a revogação do Decreto-Lei n.º 364/93, configura-se como organicamente inconstitucional, pelo que, em consequência, para efeitos da disposição transitória constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT