Acórdão nº 489/03 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução22 de Outubro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 489/2003 Processo n.º482/98 2ª Secção

Relator ? Cons. Paulo Mota Pinto

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.A., B., C., D., E., F., G., H., I., J., L. e M., devidamente identificados nos autos, demandaram no Tribunal do Trabalho de Lisboa, em processo declarativo ordinário, o banco N., com sede na Rua -------------------------, n.º -----------, em ----------------, solicitando a condenação deste a pagar a cada um dos Autores o montante de 1 044 620$00, correspondente a um subsídio de valorização profissional, subsídio esse que o demandado deliberou atribuir aos seus trabalhadores que se encontrassem em determinadas condições, mas cujo pagamento mais tarde veio a suspender, invocando para tal um despacho do Secretário de Estado do Tesouro com data do dia 17 de Janeiro de 1983.

    O demandado ofereceu oportunamente contestação, na qual, além do mais, impugnou a existência dos créditos invocados, pois, alegadamente, a deliberação do Conselho de Gestão por intermédio da qual foram atribuídos os referidos subsídios nunca produzira quaisquer efeitos, em virtude de ter sido tomada sem previamente ter sido obtida a autorização tutelar, terminando a pugnar pela absolvição do pedido e juntando um parecer jurídico da autoria do Prof. O..

    Seguindo a acção os seus termos, B., C., F., G. e H., vieram a desistir do pedido, prosseguindo o processo com os restantes demandantes.

    Realizada audiência de discussão e julgamento, a acção veio a ser julgada improcedente por sentença de 6 de Dezembro de 1996 que, deste modo, absolveu o réu do pedido, fundamentando-se para tal, além do mais, em que

    ?não se constituiu, pois, na esfera jurídica dos trabalhadores do Réu abrangidos pela deliberação em causa o direito a receberem os subsídios, não estando o Réu, consequentemente, obrigado a pagá-los. A proposta não vinculou o Réu, e a aceitação por parte dos trabalhadores ? inclusive os AA. ? não tem qualquer relevância?.

    Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo as suas alegações de recurso referindo, no que ora interessa, o seguinte:

    ?(...)

    1. Interpretados e aplicados como o foram pela decisão recorrida, os art.ºs 9º, 13º, 30º e 49º (este com a redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 353-A/77, de 29/8) do Dec.-Lei n.º 260/76, de 8/4 e os art.ºs 2º e 5º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 729-F/75, serão manifestamente inconstitucionais.

    2. Desde logo, por assentarem na ideia da possibilidade de os Tribunais se poderem substituir ao legislador ordinário na tal tarefa de ?mediação concretizadora? face à pretendida aplicação dos princípios ? note-se bem, e não preceitos ? do Dec.-Lei n.º 260/76, com violação óbvia do princípio da separação de poderes consagrado no art.º 114º da C.R.P..

    3. Depois, tal entendimento, ao permitir a impunidade de actuações arbitrárias e injustas do Réu, gravemente lesivas dos direitos e legítimos interesses dos trabalhadores do mesmo Réu (que sempre actuaram com boa fé e sempre esperaram que este cumprisse aquilo a que livre e formalmente se comprometera) consubstanciaria manifesta violação do art.º 2º da C.R.P..

    4. A manifesta desigualdade dos ?pratos da balança? da relação jurídica laboral, e ainda por cima contra precisamente a parte que já é mais fraca (ou seja, os trabalhadores), permitindo e ?legalizando? esta absurda e monstruosa iniquidade de um Conselho de Administração de um Banco propor a atribuição de um dado montante retributivo, os trabalhadores aceitarem e depois a mesma ou a nova Administração o retirarem, viola também o princípio da igualdade, o princípio da segurança no emprego e o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, consagrados respectivamente nos art.ºs 13º, 53º e 59º, n.º 1, al. b) da C.R.P..

    5. E viola também o art.º 266º, n.º 1 da Constituição já que consagraria, em nome da defesa do pretenso interesse público, um abusivo sacrifício dos cidadãos trabalhadores.

    6. Todas estas inconstitucionalidades ficam desde já arguidas, e no decurso do presente processo, para todos os devidos e legais efeitos.

    7. O despacho do S.E.T. de 19/1/83 é um mero acto (erroneamente) interpretativo de simples instruções genéricas, não tendo qualquer eficácia normativa sobre o conteúdo dos contratos individuais de trabalho dos AA. e seus colegas.

    8. A Resolução do C.M. n.º 163/80, sobre não ter também qualquer eficácia normativa, não é aplicável às instituições financeiras (por ter por pressuposto o campo de aplicação do Dec.-Lei n.º 260/76) e sempre seria ilegal, por manifesta violação da lei ordinária (v.g. art.º 14º, n.º 1 da L.R.C.) e inconstitucional (todos os preceitos da C.R.P. atrás citados).

    9. Rigorosamente o mesmo se diga da inaceitável Resolução do C.M. n.º 35/93 (ostensivamente produzida para tentar virar a favor do Réu o desfecho das acções judiciais em curso!?), além de que viola também os art.ºs 115º, n.º 5 e 18º, n.º 3 da mesma C.R.P.

      (...)

    10. A sentença recorrida, sobre fazer uma apressada apreciação das questões jurídicas aqui em causa (limitando-se, claramente, a apoiar-se em Acórdãos já produzidos), viola manifestamente várias disposições legais e designadamente ? e para além dos art.ºs 9º, 227º e 776º, n.º 2 do Código Civil ? os art.ºs 9º, 13º, 30º e 49º (este com a redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 353-A/77) do Dec.-Lei n.º 260/76, de 8/4, e os art.ºs 2º e 5º, n.º 1 do Dec.Lei n.º 729-F/75.

    11. Ou então, caso se entenda que as não violou, tais disposições, assim interpretadas e aplicadas, padecem de evidente inconstitucionalidade material, designadamente por violação dos art.ºs 2º, 13º, 18º, n.º 3, 53º, 59º, n.º 1, al. b), 114º, 115º, n.º 5 e 266º, n.º 1, todos da C.R.P., jamais podendo ser, em obediência ao art.º 207º da C.R.P., aplicadas na decisão da questão sub judice.?.

      Contra-alegando, o demandado concluiu que o recurso deve improceder, mantendo-se a decisão recorrida.

      Também o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

      O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 18 de Junho de 1997, negou provimento ao recurso interposto e confirmou a sentença apelada.

      AUTONUM 2.Inconformados, os apelantes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, reafirmando, no essencial, a argumentação que ao longo do processo foram expendendo quanto às questões de constitucionalidade suscitadas.

      O réu, por sua vez, nas alegações que apresentou, concluiu que deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida. O Ministério Público emitiu de novo parecer no sentido de ser negada a revista.

      O recurso de revista veio a ser julgado improcedente por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1989. Para tal, no que à questão de constitucionalidade respeita, teceram-se as seguintes ordens de considerações:

      ?Pretendem, por outro lado, os recorrentes que, com a interpretação e aplicação feita pelo acórdão recorrido, os art.ºs 9º, 13º, 30º e 49º do Dec.-Lei n.º 260/76 e dos art.ºs 2º e 5º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 729-A/75 são inconstitucionais, por violação dos art.ºs 2º, 13º, 18º, n.º 3, 53º, 59º, n.º 1, b), 114º, 115º, n.º 5 e 266º da Constituição da República Portuguesa.

      As questões de inconstitucionalidade só podem ser referidas a normas jurídicas, porque sendo elas aplicáveis na decisão proferida, não foram aplicadas por serem consideradas inconstitucionais ou porque foram aplicadas e não o deviam ter sido por serem inconstitucionais (cf. Ac. do Trib. Const, de 2-5-87, publicado no D.R., II série, n.º 100, pág. 5.602).

      O juízo de inconstitucionalidade há-de recair sobre as normas aplicadas ou desaplicadas nas decisões judiciais mas não pode ter como objectivo essas mesmas decisões.

      Estando a eficácia da deliberação do Conselho de Gestão do Réu que atribuiu aos AA. o questionado subsídio, legalmente condicionada pela aprovação ou autorização dos Ministros da Tutela, impunha-se que na decisão recorrida fossem interpretadas, como foram, todas as normas legais pertinentes, designadamente os art.ºs 9º, 13º, 30º, e 49º do Dec.-Lei n.º 260/76 e os art.ºs 2º e 5º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 729-F/75, ditos inconstitucionais, com vista à sua aplicação ou não ao caso debatido.

      As regras estabelecidas e os princípios consagrados por aqueles preceitos legais foram analisados e aplicados em termos de justificar o exercício dos poderes de tutela do Governo sobre a Administração do Réu, de controlo da legalidade da actividade desenvolvida pelos respectivos órgãos, sendo, manifestamente, constitucionais.

      Nos termos do art.º 664º do Cód. Proc. Civ., o Juiz goza de liberdade de acção quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, não podendo, de modo nenhum, dizer-se que se substitui ao legislador ao desenvolver essa sua actividade seja qual for o resultado a que chegou.

      Diversamente do que pretendem os recorrentes, o entendimento que determinou a decisão recorrida não dá cobertura a uma qualquer actuação arbitrária ou injusta do R., nem lesa quaisquer interesses legítimos dos A.A.

      O entendimento defendido pelos recorrentes, salvo o devido respeito, assenta numa petição de princípio pois dá por assente que a deliberação do Réu é válida e eficaz, não dependendo da autorização nem da aprovação da tutela por não ser aplicável ao Réu o art.º 13º, n.º 2, al. g) do Dec.-Lei n.º 260/76, quando é, precisamente, essa eficácia que se discute e que deve ser previamente demonstrada.

      É com base neste vício de raciocínio que os recorrentes são levados a concluir que a suspensão daquela deliberação é ilegal e injusta, como se tal deliberação fosse válida e eficaz o que, como já se julga ter ficado demonstrado, não é de aceitar.

      A inexecução da deliberação em causa justifica-se por relevante interesse público, pois, como decorre do n.º 1 do relatório do Dec.-Lei n.º 260/76, o papel que cabe às empresas públicas ? e o Réu, não se esqueça, era uma empresa pública ? é da máxima importância, ?não só porque estas detêm posições de...

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