Acórdão nº 330/03 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Julho de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Tavares da Costa
Data da Resolução07 de Julho de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 330/03

Processo n.º 156/03

  1. Secção

    Rel.: Cons. Tavares da Costa

    Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

    I

    1. - A., identificado os autos, intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Angra do Heroísmo, contra os Estados Unidos da América, acção declarativa com processo ordinário emergente de contrato individual de trabalho, pedindo a declaração da ilicitude do seu despedimento como trabalhador da B., com as devidas consequências legais.

      O réu contestou e, além do mais, suscitou o problema da competência do tribunal, considerando que, nos termos do nº 1 do artigo 95º do Acordo Laboral de 1984, o Tribunal competente para a acção é o da comarca de Praia da Vitória, provindo a competência do Tribunal da Comarca de Angra do Heroísmo exclusivamente do Acordo Laboral de 1995, inaplicável à presente acção.

      Seguidamente ? no que ora interessa ? lavrou-se despacho judicial, em 21 de Março de 2002, onde, julgada procedente a invocada excepção da incompetência territorial, não se considerou territorialmente competente o Tribunal Judicial da Comarca da Praia da Vitória , de acordo com o artigo 17º, nº 1, do Acordo Laboral aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 38/95, de 11 de Outubro, e se recusou a aplicação da mesma norma, por materialmente inconstitucional.

    2. - Escreveu-se, então:

      ?I ? Incompetência territorial.

      Deduziu o réu Estados Unidos da América a excepção da incompetência territorial deste Tribunal, alegando ser o Tribunal da Comarca da Praia da Vitória o competente para conhecer dos presentes autos.

      Para tal, e sintetizando, afirmou que a atribuição da competência ao Tribunal de Angra do Heroísmo provém, exclusivamente, do Acordo de 1995, sendo que, nos termos do artigo 95.º, n.º 1, do Acordo de 1984, competente é o Tribunal da Praia da Vitória por ser o tribunal com jurisdição sobre a Base Aérea n.º 4. Assim, só as acções emergentes do Acordo de 1995 correrão seus termos no Tribunal de Angra do Heroísmo, não sendo este o caso, já que o Acordo aplicável é o Acordo de 1984 e a presente acção emerge desse Acordo.

      Respondeu o autor, pugnando pela improcedência da excepção invocada e alegando que o artigo 17.º, n.º 1, do Acordo Laboral, aprovado pela Resolução n.º 38/95, de 11 de Outubro, estabelece como competente para apreciar as eventuais acções resultantes de contratos de trabalho o Tribunal de Angra do Heroísmo, sendo esta a disposição legal vigente à data da propositura da acção.

      Cabe decidir.

      Dispunha o artigo 95.º, n.º 1, do Acordo Respeitante ao Emprego de Cidadãos Portugueses pelas Forças Armadas dos Estados Unidos da América nos Açores (adiante designado como Acordo Laboral de 1984), aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 24/85, de 24 de Setembro, sob a epígrafe «Tribunal Competente»: «Nos casos de queixas não atendidas que envolvam medidas disciplinares tomadas em conformidade com o capítulo 9.º deste Acordo, os trabalhadores podem recorrer ao tribunal com jurisdição sobre a Base Aérea n.º 4. Só casos disciplinares, incluindo aqueles que envolvam despedimento, cairão sob a jurisdição dos tribunais portugueses.»

      O novo Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América (adiante referido como Acordo de 1995), no qual se inclui um Acordo Laboral, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 38/95, de 11 de Outubro, estabeleceu que «O Tribunal de Angra do Heroísmo é o tribunal competente para apreciar eventuais acções resultantes de contratos de trabalho» ? n.º 1 do seu artigo 17.º

      Conforme previsão do artigo X desse Acordo, a 5 de Janeiro de 1996 foi publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 4, o Aviso n.º 23/96, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, declarando 21 de Novembro de 1995 como data de entrada em vigor do Acordo de Cooperação e Defesa.

      O artigo XI, § 5, desse Acordo de 1995 revogou o Acordo Laboral de 1984, estabelecendo-se, em conformidade, no artigo 18.º do Acordo Laboral, que este entraria e permaneceria em vigor nos termos do artigo X do Acordo de Cooperação e Defesa.

      A presente acção deu entrada em juízo no dia 7 de Janeiro de 1998.

      Nessa data, o Acordo de 1984 encontrava-se já revogado, não produzindo quaisquer efeitos reguladores.

      Logo, vigorando plenamente em 1998 o Acordo Laboral de 1995, é a norma constante do seu artigo 17.º, n.º 1, a ditar o tribunal territorialmente competente. Em concreto, essa competência é cometida a este Tribunal Judicial da Comarca de Angra do Heroísmo.

      II ? Conformidade do artigo 17.º, n.º 1, do Acordo de 1995 com a Constituição da República Portuguesa.

      A.

      Todavia, esta solução não será tão límpida quanto queira parecer.

      Ponderemos.

      Dentro da categoria das fontes de direito contamos com as normas de direito internacional.

      Vigora, como norma de Direito Internacional Público, uma regra segundo a qual um Estado soberano não pode ser demandado num tribunal de outro Estado, é o que se chama Imunidade Jurisdicional dos Estados Estrangeiros.

      (...) Para uns, a regra não tem quaisquer excepções; é a doutrina da Imunidade Plena. Para outros a regra abrange apenas as hipóteses em que o Estado demandado intervém na relação jurídica sub judice na qualidade de Estado soberano; aplica-se, pois, aos actos jus imperii, excepcionando os actos jus gestionis, ou seja, excluem-se da imunidade as relações jurídicas em que o Estado demandado interveio como pessoa privada; é a doutrina da Imunidade Restrita.

      (...) O direito dos Estados à Imunidade Jurisdicional é um direito disponível

      ? sumário do estudo «Da Imunidade Jurisdicional dos Estados Estrangeiros», por Geraldes de Carvalho, in Colectânea de Jurisprudência, 1985, tomo IV, pág. 33 e seguintes.

      Deste entendimento resulta que, e pelo menos em matéria de actos de mera gestão e não de soberania, a imunidade de jurisdição é uma prerrogativa disponível, significando tal que um determinado Estado, por sua própria conveniência, pode aceitar submeter-se à jurisdição de outro ou outros Estados, delimitando as matérias por via de Acordo, Tratado ou Convenção internacionais.

      Os acordos internacionais que abranjam Portugal são classificados no âmbito do direito internacional (público) particular, isto é, convencional. Os mesmos extraem a sua força normativa do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), mais concretamente do seu n.º 2, preceito que regula a recepção do direito internacional público na ordem jurídica interna

      Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, pág. 85, ponto VII, comentaram a propósito: «As normas de DIP vigoram na ordem interna com a mesma relevância das normas de direito interno, desde logo quanto à subordinação hierárquica à Constituição ? sendo, pois, inconstitucionais se infringirem as normas da Constituição ou os seus princípios (artigo 277.º, n.º 1). As normas de DIP ? seja comum, seja convencional ? viciadas de inconstitucionalidade não podem ser aplicadas pelos tribunais (artigo 207.º) (...).»

      No que toca à problemática das relações entre o DIP recebido na ordem interna e o próprio direito ordinário interno, concluíram aqueles autores pela tese da primazia do direito internacional, como princípio geral (obra citada, pág. 86, ponto VIII).

      Os Acordos acima mencionados e celebrados entre Portugal e os Estados Unidos da América constituem uma restrição ao âmbito da referida doutrina da Imunidade Plena. Como resulta do artigo 17.º, n.º 1, do Acordo Laboral de 1995, os Estados Unidos da América, no respeitante às matérias ali contidas, aceitaram submeter-se à jurisdição dos tribunais portugueses.

      B.

      O Acordo Laboral de 1995, estando as partes acordantes determinadas em promover e manter condições de trabalho que garantissem a segurança e igualdade de tratamento de todos os trabalhadores, pretendeu regular as relações de emprego entre as Forças dos Estados Unidos da América nos Açores e os seus trabalhadores portugueses ? cfr. o Preâmbulo e artigo 1.º, n.º 1, do Acordo referido.

      Contudo, a propalada igualdade não é assegurada, se tivermos em consideração a posição de qualquer outro trabalhador na ordem jurídica portuguesa que não preste o seu trabalho às Forças americanas. Nomeadamente, e para o que aqui nos interessa, em termos processuais.

      É que dispunha do seguinte modo o Código de Processo de Trabalho em vigor em 1998 (Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro), data da entrada em juízo da presente acção:

      ? Artigo 14.º, n.º 1: «As acções devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes.»

      ? Artigo 15.º, n.º 1: «As acções emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade patronal podem ser...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT