Acórdão nº 275/03 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Maio de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução28 de Maio de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

Acórdão nº 275/03 Proc. n.º 211/03 3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão

Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:

I – Relatório 1. A. intentou, no Tribunal de Comarca de Angra do Heroísmo, contra o Governo dos Estados Unidos da América, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, emergente de contrato individual de trabalho, em que pedia que fosse declarada a ilicitude do despedimento de que foi objecto por parte do réu e que este fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização global no valor de Esc. 5.722.573$00, acrescidos dos respectivos juros de mora até efectivo pagamento.

  1. O Juiz daquele Tribunal, por despacho de 22 de Janeiro de 2003, considerou territorialmente competente o Tribunal de Trabalho de Lisboa. Para assim decidir, recusou, por inconstitucionalidade, a aplicação do n.º 1 do art.º 17º constante do Acordo Laboral, incluído no Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos da América, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 38/95, de 11 de Outubro, e ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 72/95, de 11 de Outubro, entrado em vigor em 21 de Novembro de 1995, de acordo com o Aviso n.º 23/96, emanado do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

    Na fundamentação desta decisão pode ler-se, a dado passo e para o que agora importa:

    “[...] B.

    O Acordo Laboral de 1995, estando as partes acordantes determinadas em promover e manter condições de trabalho que garantissem a segurança e igualdade de tratamento de todos os trabalhadores, pretendeu regular as relações de emprego entre as Forças dos Estados Unidos da América nos Açores e os seus trabalhadores portugueses - cfr. o Preâmbulo e art.º 1º, n.º 1, do Acordo referido.

    Contudo, a propalada igualdade não é assegurada, se tivermos em consideração a posição de qualquer outro trabalhador na ordem jurídica portuguesa que não preste o seu trabalho às Forças americanas. Nomeadamente, e para o que aqui nos interessa, em termos processuais.

    É que dispunha do seguinte modo o Código de Processo de Trabalho em vigor em 1998 (DL 272-A/81, de 30/09), data da entrada em juízo da presente acção:

    - Art.º 14º, n.º 1: ‘As acções devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes’.

    - Art.º 15º, n.º 1: ‘As acções emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade patronal podem ser propostas no tribunal do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor’.

    As regras de determinação da competência territorial obedecem a critérios de justiça e de razoabilidade, norteando-se igualmente pela comodidade das partes e pelo interesse da boa administração da justiça (nesse sentido, Antunes Varela, ‘Manual de Processo Civil’, 2ª Ed., pág.219). Cumulativamente, e no direito laboral, acresce o interesse e a conveniência do trabalhador, tendo em conta a estrutural debilidade contratual existente entre aquele e a sua entidade patronal (Leite Ferreira, ‘Código de Processo do Trabalho Anotado’, 4ª Ed., pág. 87).

    O princípio da igualdade está sobejamente tratado na jurisprudência do Tribunal Constitucional.

    [...]

    No caso em análise, constata-se uma discrepância entre o tratamento dado ao trabalhador por conta da Força americana e o trabalhador em geral. A este são disponibilizados, para sua conveniência no acesso à justiça laboral e em alternativa, três foros competentes para apreciação do litígio que mantenha com a sua entidade patronal; ao primeiro somente um e que, para mais, nenhuma conexão razoável mantém com a fonte do litígio.

    Desta forma, o trabalhador ordinário que houvesse prestado trabalho na Base Aérea n.º 4, sita na freguesia das Lages, Praia da Vitória, por conta, v. g., da Força Aérea portuguesa e tivesse ido residir para Bragança, poderia intentar uma acção laboral na Praia da Vitória e em Bragança (sendo Réu o Estado português, ao domicílio do réu substitui-se o do domicílio do autor - art.º 86º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 1º, n.º 2, al. a), do CPT). O trabalhador por conta das Forças dos Estados Unidos teria forçosamente de instaurar a sua acção em Angra do Heroísmo.

    Tal discrepância não encontra arrimo em qualquer diferença existente na prestação laboral levada a cabo por uns e por outros.

    Se o objectivo buscado pelas partes acordantes foi o de ‘promover e manter condições de trabalho que garantissem a segurança e igualdade de tratamento de todos os trabalhadores, regulando-se as relações de emprego entre as Forças dos Estados Unidos da América nos Açores e os seus trabalhadores portugueses’, a necessidade de criar uma determinada relação jurídica reguladora das relações entre a Força americana e os seus trabalhadores civis portugueses adveio da específica natureza da entidade empregadora – uma força militar de um Estado estrangeiro sediada em território nacional - não das diferenças existentes entre o contrato de trabalho celebrado entre as partes, pois, quanto a este, nada distingue o previsto no art.º 6º, n.º 1, do Acordo Laboral de 1995 do [ ] art.º 1º da LCT (DL 49.408, de 24/11/69).

    Poder-se-ia argumentar que o Acordo de 1995, como fonte de direito supra legal, não estaria vinculado à regulamentação mais favorável ao trabalhador levada a cabo por um instrumento que lhe é hierarquicamente inferior. Contudo, e como vimos, aquele deve obediência aos ditames constitucionais; ora, face a este diploma, não existe critério diferenciador que autorize distinto tratamento para os trabalhadores por ele vinculados; ou seja, e por outras palavras, o Acordo Laboral poderia estabelecer direitos diferentes dos consagrados para os trabalhadores em geral, não menos direitos, não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT