Acórdão nº 225/03 de Tribunal Constitucional (Port, 29 de Abril de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução29 de Abril de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 225/2003

Processo n.º 436/01

  1. Secção

Relator: Cons. Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

l. Relatório

A. intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Tabuaço, acção declarativa de condenação contra B., L.da, pedindo: (i) o seu reconhecimento como dono e legítimo proprietário do prédio urbano sito na Rua ........, n.º ....., na vila de .....; (ii) o decretamento da caducidade do contrato de arrendamento do rés-do-chão do mesmo prédio; (iii) a determinação da sua entrega imediata, livre de pessoas e bens; e (iv) a condenação da ré no pagamento de 300$00 escudos por cada dia de ocupação e até efectiva entrega. Para tanto, aduziu, em síntese, que é dono e legítimo proprietário do referido prédio por o ter comprado aos anteriores proprietários; que estes haviam dado de arrendamento, por escrito particular, o rés-do-chão desse prédio à ré para armazém de produtos agrícolas ou agro-pecuários e materiais de construção de utilização própria; que esse contrato de arrendamento foi por si denunciado para o termo do prazo de renovação, por notificação judicial avulsa; e que a ré não procedeu à entrega do espaço em causa na data devida.

A acção foi julgada totalmente procedente no despacho saneador, de 10 de Março de 2000, confirmado por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21 de Junho de 2000, tendo a ré interposto recurso de revista deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, suscitando, nas respectivas alegações, além do mais, a questão da inconstitucionalidade orgânica do artigo 5.º, n.º 2, alínea e), do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (doravante designado por RAU), por pretenso desrespeito do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 168.º da Constituição da República Portuguesa (doravante designada por CRP).

A esse recurso foi negado provimento pelo acórdão de 3 de Abril de 2001 do Supremo Tribunal de Justiça, com base na seguinte argumentação:

“III – 1 – Consideraram as instâncias que, ao arrendamento da loja sita no rés-do-chão a que se referem os presentes autos, destinada a armazenagem de produtos agrícolas ou agro-pecuários e materiais de construção de utilização própria – cf. facto 4.º e documento de fls. 16 –, se aplica o regime da liberdade de denúncia pelo senhorio, findo o prazo do contrato ou da respectiva renovação, tudo de harmonia com o artigo 5.º, n.º 2, alínea e), do Regime do Arrendamento Urbano (RAU) e com o artigo 1055.º do Código Civil.

Em conformidade com esse entendimento, que, diga-se, desde já, merece a nossa concordância, foi decretada, no saneador, a caducidade do contrato de arrendamento, mais se condenando a ré na entrega imediata, livre de pessoas e bens, do referido rés-do-chão.

Discorda a ré, que, no essencial, suscita, nas conclusões, as seguintes questões essenciais:

a) o contrato de arrendamento remontaria ao ano de 1988, pelo que o citado artigo 5.º, n.º 2, alínea e), não se aplicaria à situação controvertida, uma vez que o RAU foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro;

b) o arrendamento dos autos destinou-se a fins de suporte de uma actividade comercial e industrial, pelo que, em face do disposto pelo artigo 10.º do Código Civil, lhe deveria ser aplicada, por analogia, a ressalva constante da parte final da referida alínea e) do n.º 2 do artigo 5.º do RAU;

c) a referida alínea e) do n.º 2 do artigo 5.º estaria ferida por uma inconstitucionalidade orgânica, por alegado desrespeito do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 168.º da CRP.

A solução das questões acabadas de enunciar nas alíneas a) e b) passa pela interpretação e pela aplicação ao caso dos autos da norma da mencionada alínea e) do n.º 2 do artigo 5.º do RAU.

Nestes termos, depois da interpretação do citado normativo e da realização de uma breve incursão em redor da problemática da aplicação das leis no tempo, e uma vez solucionada a questão ora em equação, terminar-se-á com uma breve referência à (insólita) questão da inconstitucionalidade orgânica, agora invocada pela recorrente.

Vejamos, pois, pela ordem enunciada.

2 – O artigo 5.º do RAU prescreve o seguinte, na parte que ora releva, em face da economia do presente recurso:

«1 – O arrendamento urbano rege-se pelo disposto no presente diploma e, no que não esteja em oposição com este, pelo regime geral da locação civil.

2 – Exceptuam-se:

(...)

e) Os arrendamentos de espaços não habitáveis, para afixação de publicidade, armazenagem, parqueamento de viaturas ou outros fins limitados, especificados no contrato, salvo quando realizados em conjunto com arrendamentos de locais aptos para habitação ou para o exercício do comércio.

(...).»

2.1. – Anotando o presente artigo, escreve Aragão Seia (cf. Arrendamento Urbano, 5.ª edição, Almedina, 2000, págs. 153 e seguintes): «Espaços não habitáveis são aqueles em que não é possível estabelecer habitação: uma parede, um telhado, um terraço, uma varanda, um armazém, uma garagem, um lugar para estacionamento de carro, etc.».

Ou, como refere Menezes Cordeiro (cf. Revista da Ordem dos Advogados, vol. 54, pág. 848, em anotação ao Acórdão da Relação de Lisboa de 31 de Maio de 1983, sumariado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 335, pág. 329), «o espaço não habitável é, antes de mais, aquele que não é tratado pelas partes em termos de habitação (...). A lei vigente permite, pois, às partes, através da estipulação de “fins limitados” para o arrendamento, regressar ao esquema puro da locação, como hipótese, designadamente, de livre denúncia pelo senhorio. Os “fins limitados” serão todos aqueles que não possam reconduzir-se aos fins habitacionais ou comerciais que informam o arrendamento comum». [Tal será, segundo Menezes Cordeiro, o caso de um arrendamento feito a um partido político, para o exercício da sua actividade. O senhorio de um partido político pode, assim, denunciar o arrendamento nos termos gerais do artigo 1055.º do Código Civil. O conteúdo do conceito de «fins limitados» é questão controvertida na doutrina. Assim, enquanto Pinto Furtado (Manual do Arrendamento Urbano, 2.ª edição, pág. 143) entende que na alínea e) estão ressalvados apenas os «fins limitados» aí exemplificados, ou seja, os arrendamentos de espaços não habitáveis que se destinem à afixação de painéis de publicidade, ao estacionamento de viaturas ou a armazenagem – e quer tenham, ainda, quer não tenham um fim comercial ou industrial, de exercício de profissão liberal ou outro, já Carneiro da Frada é de parecer que a ratio do artigo 5.º, n.º 2, alínea e), abarca certamente todos os arrendamentos de fins limitados, na multiplicidade e variedade das suas manifestações («O Novo Regime da Arrendamento Urbano: Sistematização Geral e Âmbito Material de Aplicação», Revista da Ordem dos Advogados, vol. 51, pág. 169)].

Fins limitados são, segundo Aragão Seia, os que, com limitação especificada no contrato, não consubstanciam os habituais fins do normal arrendamento para habitação ou para o...

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