Acórdão nº 86/03 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Fevereiro de 2003

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução14 de Fevereiro de 2003
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃ0 N.º 86/03

Processo n.º 99/02

  1. Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção

do Tribunal Constitucional:

1. A, B, C e D recorreram para o Tribunal Judicial da Comarca da Anadia da decisão arbitral, de fls. 4 e seguintes, proferida no âmbito do processo de expropriação de uma parcela de terreno para construção de um parque de estacionamento da escola C+S e pavilhão polidesportivo da Pampilhosa, em que os recorrentes são expropriados e expropriante a CÂMARA MUNICIPAL DA MEALHADA, que interpôs também recurso (subordinado) da referida decisão arbitral.

Por sentença do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Anadia de 19 de Setembro de 2000, constante de fls. 90 e seguintes, integrada, nos termos previstos no artigo 668º, n.º 4, do Código de Processo Civil, pela decisão de fls. 134, o recurso principal foi julgado parcialmente procedente e totalmente improcedente o recurso subordinado, condenando-se o Município da Mealhada a pagar uma indemnização actualizada de Esc. 8.992.109$00.

Inconformada, a entidade expropriante recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por Acórdão de 27 de Novembro de 2001, de fls. 183, confirmou a decisão recorrida.

O Acórdão da Relação de Coimbra considerou que, contrariamente ao que pretendia a recorrente, a indemnização a pagar deveria ser calculada nos termos previstos no artigo 25º do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, em vigor à data da declaração de utilidade pública, aplicando-se, em particular, as percentagens indicadas nas alíneas a), c) e e) do seu n.º 3; não caberia, assim, efectuar a dedução do montante correspondente às mais valias previstas, hoje, nas alíneas b) a d) do n.º 2 do artigo 23º do actual Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, porque "a lei só dispõe para o futuro"; e referiu ainda que, além do mais, no caso dos autos as mais valias em causa teriam ocorrido em 1994, "quando a declaração da utilidade pública da expropriação teve lugar em 99/03/03, mais de 5 anos depois".

Para além disso, e no que agora interessa, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou que "de forma nenhuma é inconstitucional o artigo 25º, por afrontar o artigo 62º, n.º 2, da CRP, pois a expropriação foi efectuada com base na lei vigente e mediante pagamento de indemnização justa"; e que "não houve violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da CRP, não tendo os expropriados sido beneficiados ou privilegiados, face aos outros cidadãos".

2. De novo inconformada, a Câmara Municipal da Mealhada recorreu para o Tribunal Constitucional, "nos termos do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional", considerando que "a interpretação do artigo 25º do C.E., sufragada pelo Tribunal a quo, viola as seguintes normas e Princípios: – Artigo 62º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa que consagra o Princípio da justa indemnização. – Artigo 13º da Constituição da República Portuguesa que consagra o Princípio da igualdade."

Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as respectivas alegações. A Câmara Municipal da Mealhada formulou as seguintes conclusões:

"1 – No seguimento de uma longa tradição legislativa, o artigo 22º do CE de 1991 consagrou que o prejuízo do expropriado se mede pelo critério do valor de mercado ou valor venal.

2 – Contudo, não nos podemos esquecer que o processo expropriativo é marcado por exigências de interesse público que fundamentam a declaração de utilidade pública, e, como tal, o montante da indemnização está sujeito a algumas reduções ditadas por exigências de justiça e em homenagem ao princípio da repartição dos encargos públicos – cfr. Alves Correia, ‘Expropriações de Utilidade Pública’, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XV – 1990, Tomo V, pág. 465.

3 – Com efeito, podemos constatar que apesar do critério da indemnização a ser pago pela expropriação ser o do valor venal do terreno, em certos casos, permite-se uma redução, ou melhor, um desvio ao critério para que o valor da indemnização seja justo conforme é exigido pelo n.º 2 do artigo 62º da CRP.

4 – A prossecução do interesse público determina que no cálculo do montante indemnizatório não se considerem aumentos de valor decorrentes do processo expropriativo.

5 – Ora, este enriquecimento sem causa verifica-se quando o expropriado recebe como indemnização, não o valor do prédio expropriado anterior aos trabalhos públicos que o beneficiaram, mas o valor que passou a ter em virtude dos melhoramentos públicos – cfr. preâmbulo da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.

6 – Deste modo, as regras de indemnização não podem esquecer que a expropriação é um instituto voltado para fins públicos – cfr. Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Almedina, 2001, pág. 553.

7 – Assim, o conceito de justa indemnização vertido no n.º 2 do artigo 62º da Lei Fundamental só será efectivamente realizado quando não se incluam no quantum indemnizatório a pagar ao expropriado as mais valias resultantes de obras públicas.

8 – Acresce que a exclusão das mais valias resultantes de obras ou melhoramentos públicos está enraizada no nosso ordenamento jurídico, bem como no de outros Países Europeus que nos são próximos, desde 1948 sendo que a única alteração que se registou ao longo dos tempos foi a relevância da dilação temporal para efeitos dessa exclusão.

9 – Com efeito, o único diploma que efectivamente não prevê qualquer regulamentação que exclua as mais valias que se referiram supra é o CE de 91.

10 – Ora, esta falta de disposição não pode passar despercebida a este Colendo Tribunal, pois conforme alegámos, e a longa tradição legislativa confirma, só mediante a exclusão das mais valias em causa se logrará concretizar o conceito de justa indemnização constitucionalmente previsto.

11 Pelo que a inexistência de tal disposição no CE de 91 terá de, necessariamente, confluir para que se julgue inconstitucional a inclusão das mais valias resultantes de obras ou melhoramentos...

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