Acórdão nº 717/04 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Dezembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução21 de Dezembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 717/04

Processo n.º 608/98

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório

    1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional - LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Junho de 1996, “com o fundamento de que este Douto Acórdão aplicou o art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 198/92, de 23 de Setembro, o qual está ferido de inconstitucionalidade material, por violação dos arts. 2.º, 47.º e 53.º da Constituição da República Portuguesa, (...) e de inconstitucionalidade formal, por ofensa dos arts. 54.º, n.º 5, alínea d) e 56.º, n.º 2, alínea a) da Lei Fundamental (...)”.

    2. Por sentença proferida pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa, de 23 de Junho de 1995, em acção intentada pelo ora recorrente contra a RDP – Radiodifusão Portuguesa, foi esta condenada “a reintegrar o Autor, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe todas as retribuições que o Autor deixou de auferir desde a data do despedimento (...), deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, uma vez que esta não foi proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, e o montante das importâncias relativas a vencimentos do trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento. Tudo a liquidar em execução de sentença.”

    3. Inconformada, a Ré RDP recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo concluído as suas alegações afirmando que:

    “(…)

  2. O DL n°. 198/92, de 23-9, criou, por destaque de parte do património da R., permitido pelo n°. 2 do art. 40º do DL n.º 260/76, de 8-4, a empresa pública denominada Rádio Comercial, E.P. (art. 1.°), e determinou a sua subsequente transformação em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (art. 17º.), cujas acções, representativas da totalidade do capital social foram objecto de alienação em OPV realizada em 31.03.1993, autorizada pelo DL n.º 260/92, de 24-12 e pela Resolução do CM n.° 1/93, de 2-1, ao abrigo quer dos arts. 85°-1 e 296°, da CRP, na redacção da LC n.º 1/89, quer da Lei n.º 11/90, de 8-7 (Lei-Quadro das Privatizações), Ora,

  3. O direito positivo laboral vigente prevê e regula, há mais de duas décadas, os direitos dos trabalhadores no contexto de uma cisão simples ou por destaque, tanto nos n.ºs 1 e 4 do art. 37° da LCT, confirmado pelo art. 119°-p) do Cód. Soc. Com., como ainda nos arts 9° e 16°-3-a) do DL n.º 519-C1/79, na versão que lhes foi dada pelo DL n.º 209/92, de 2-10.

  4. De harmonia com o quadro normativo formado pelos citados preceitos, os direitos e deveres dos trabalhadores cujos contratos tenham sido atribuídos ou deferidos à empresa resultante de uma cisão simples permanecem inalterados, subrogando-se esta última, ex lege, na qualidade de entidade patronal.

  5. Porque se trata de uma subrogação ope legis, a perda (por parte da sociedade cindida) e a aquisição (pela sociedade cinditária) da qualidade de entidade patronal é independente de qualquer acto de vontade especialmente dirigida a esse fim, tal como é desnecessária e irrelevante a aquiescência do trabalhador.

  6. A cisão simples ou por destaque, nos termos e pela forma em que foi concretizada na hipótese sub judicio, envolveu a transmissão da exploração de uma unidade técnico-económica de radiodifusão, ou seja, de um "estabelecimento" (art. 37°-4 da LCT), para uma nova entidade jurídica de criação legislativa, isto é, mediante um "título" (art. 37°-1 da LCT), consubstanciado num Decreto-Lei, Assim,

  7. O disposto no n.° 1 do art. 6°. do DL n.° 198/92, de 23-9, não contém qualquer norma inovatória, limitando-se a reafirmar o que já constava apertis verbis da al. p) do art. 119°, do CSC e implícita, mas necessariamente do art. 37° da LCT, e também não regula directamente nem as relações individuais ou colectivas de trabalho, nem os direitos dos trabalhadores enquanto tais, designadamente do Autor, cuja intangibilidade, aliás, o n.º 2 do mesmo art. 6° proclama. Daí que,

  8. A questionada norma não cai no âmbito da legislação laboral, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts 54°-5-d) e 56°-2-a) da CRP, não sofrendo, pois, de inconstitucionalidade formal.

    Acresce que H. Ao recusar ao Conselho de Administração da R. o poder-dever de determinar ou indicar os contratos de trabalho a transferir para a empresa pública cisionária, a decisão recorrida violou os arts 85°-1 e 296°, ambos da CRP, na parte em que os mesmos admitem a (re)privatização, total ou parcial, de empresas públicas, após serem transformadas em sociedades anónimas (n.ºs 1 a 3 do art. 4° da Lei n.º 11/90), porquanto

    I. É inviável a alienação das acções representativas do capital social de uma empresa de capitais públicos desprovida de quadro de pessoal e/ou cujos trabalhadores, a qualquer momento, possam regressar à empresa-mãe, quando tenha havido cisão. Por outro lado,

  9. A decisão recorrida assenta numa discriminação injustificada dos trabalhadores, violadora do princípio da igualdade consagrado nos arts 13°-1 e 59°-1, ao privilegiar os trabalhadores originários de empresa pública cindida, que só foi objecto de privatização parcial, em detrimento dos trabalhadores de empresas integralmente privatizadas, que não dispõem já empresa pública e que regressem.

    L. Ao não considerar a cisão abrangida pelo disposto no art. 37° da LCT, a sentença recorrida violou ainda os arts 61°-1 e 62°-1 da CRP, e pôs em causa a generalidade das privatizações, sem curar, minimamente, das catastróficas consequências sociais e laborais que a por ela perfilhada interpretação, desajustada e descabida, da lei, desencadearia.

  10. Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença sob censura, e julgando- se a acção improcedente, por não provada (….)”

    4. O autor recorrido, por sua vez, contra-alegou sustentando que:

    “(…)

  11. A sentença recorrida reconheceu, bem, a inconstitucionalidade formal do art. 6º do DL 198/92 de 23 de Setembro.

  12. Embora devesse também ter acolhido a tese da inconstitucionalidade material porquanto,

  13. Ao estipular que a Administração da R. (RDP, EP.) determinará, livremente, os contratos de trabalho que passarão para a Rádio Comercial, EP .(criada pelo referido decreto lei), a disposição em apreço permite que, por livre arbítrio do C.A de uma empresa, cesse um vínculo laboral, sem justa causa, e nasça um outro sem intervenção de qualquer das partes que ficarão vinculadas;

  14. Dessa forma ofende expressa e claramente o disposto no art. 53º da Constituição da República Portuguesa;

  15. Acresce que, a intenção do governo ao criar a Rádio Comercial, EP., foi rapidamente a privatizar, único motivo porque se cria a nova EP, transformando-a imediatamente em sociedade anónima;

  16. Ora, com o preceito em apreço, pretendeu-se, pura e simplesmente, impôr a um jornalista, como é o Autor, uma relação laboral não só com uma entidade empregadora desconhecida, como principalmente com um projecto editorial não definido.

  17. O que, inequivocamente, viola o princípio da liberdade do trabalho (art. 47º CRP), que consagra a possibilidade do trabalhador escolher não só o local de trabalho, como a própria actividade a prestar .

  18. Aliás, bastará atentar na Jurisprudência do Acórdão n.º 154/86, de 12 de Junho, para não ficarem dúvidas de que o art. 6º do diploma sob censura não é compatível com a Constituição (cfr., ainda, os Acórdãos n.ºs 31/84, de 17 de Abril; 148/87, de 5 de Agosto; 75/88, de 21 de Junho; 151/90, de 28 de Maio; 285/92, de 17 de Agosto; e 155/92, de 2 de Setembro).

  19. A R., nas suas alegações de recurso, argumenta, sem razão, que existe uma identidade de conteúdo entre o art. 6º do DL 198/92 e o disposto nos art.ºs 37º da LCT, e 119º, al. p), do CSC.

  20. Com efeito, a tese da R., é totalmente errónea e desprovida de base jurídica.

  21. Em primeiro lugar, o referido art. 6º consagrou a possibilidade duma pessoa colectiva, transmitir contrato de trabalho, sem que tenha tido lugar a transmissão dum qualquer estabelecimento. Possibilidade essa, que se traduz numa inovação importante e inequívoca em relação ao art. 37° da LCT .

  22. Efectivamente, o património destacado pela R. não correspondia a nenhum estabelecimento, na medida em que não constituía uma organização dotada de autonomia própria para funcionar, por si só, como uma unidade produtiva.

  23. Em segundo lugar, com o art. 6° do DL 198/92, o legislador ordinário conferiu, ao conselho de administração da R., o poder de transferir os contratos de trabalhadores não afectados, sequer, ao património cindido (factos 32 e 33), i.é., sem curar, sequer, da existência (ou não) de uma qualquer ligação do trabalhador ao departamento Rádio Comercial.

  24. O art. 6° consagra, pois, um regime totalmente distinto do estabelecido no art. 37º da LCT, porquanto não respeita a necessária concordância prática entre os interesses do estabelecimento (que, como se repete, não estão aqui sequer em causa) e os dos trabalhadores, subvertendo, antes, o núcleo de princípios que se julgariam pacíficos, como os da segurança no emprego (art. 53º CRP) e da liberdade de trabalho (art. 47º CRP).

  25. No que diz respeito à alegada identidade entre o art. 6° do DL 192/98 e o art. 119°, al. p), do CSC, também aqui não assiste nenhuma razão à R.

  26. Com efeito, o aludido preceito do CSC, ao contrário do art. 6° do DL 198/92, não dispensa a aplicação dos critérios do art. 37° da LCT para os casos de cisões simples ou parciais (como é o caso dos autos ), a saber, transmissão de um estabelecimento, e, ligação do trabalhador ao referido estabelecimento.

  27. O preceito ofende, ainda, o princípio constitucional da precisão ou determinabilidade das leis, concretizador do princípio do Estado de direito democrático (art. 2° CRP ). R) Acresce que a norma em...

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