Acórdão nº 601/04 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Outubro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução12 de Outubro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 601/04

Processo n.º 793/03

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

  1. Relatório AUTONUM 1.Em 5 de Novembro de 1990, A. e B., melhor identificados nos autos, casados sob o regime de comunhão geral de bens, deduziram impugnação judicial da liquidação oficiosa de IRS respeitante ao ano de 1993, feita em 25 de Setembro de 1998, que os tornava devedores da quantia de 10 766 845$99 em razão do não pagamento de mais-valias pela venda, em 29 de Outubro de 1993, de um prédio doado à impugnante em 1 de Fevereiro de 1979, mas que fora alvo de alienação pelo casal em 20 de Março de 1984 (pela importância de três milhões de escudos) e re-adquirido pelo impugnante em 3 de Julho de 1990 (pela importância de um milhão e quinhentos mil escudos), correspondendo tais mais-valias à tributação da diferença entre este último valor de aquisição e o valor de venda em 1993, acrescida de juros compensatórios a favor do Estado.

    Invocaram os impugnantes que durante todo o período que medeou entre a doação do imóvel (1 de Fevereiro de 1979) e a última alienação (29 de Outubro de 1993) sempre ocuparam, exploraram e fruíram plenamente o referido prédio, com o seu agregado familiar, pois a “venda” de 1984 e a subsequente “compra” de 1990 tinham sido simuladas.

    Por decisão de 11 de Novembro de 2002, o Tribunal Tributário de 1ª instância de Braga deu como provado que “Os impugnantes decidiram declarar falsamente que vendiam o prédio em questão (...) para o furtarem a uma eventual penhora que pudesse seguir-se ao facto de o impugnante ter sido considerado, pela sua entidade patronal, implicado num desfalque de 500 000$00 (...)”, tendo considerado que as transacções de 1984 e de 1990 eram ambas nulas, a primeira por ter sido simulada e a segunda por corresponder à venda de bens alheios, e concluído que a data de aquisição do prédio, já então urbano, era 1979, data “relativamente à qual (...) não se põe a questão de mais valias colocada na liquidação – ver art. 5º, n.º do DL n.º 442-A/88,de 30.11”, pelo que anulou a liquidação.

    AUTONUM 2.O representante da Fazenda Pública recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 1 de Outubro de 2003 da sua Secção de Contencioso Tributário, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e não anulando a liquidação impugnada. Baseou-se o Supremo Tribunal Administrativo, essencialmente, no facto de não ter havido decisão judicial autónoma a declarar nulas as alienações contrapostas de 1984 e 1990 e na opção do legislador, consagrada no artigo 32º do Código de Processo Tributário então em vigor, que considerou conforme a Lei Fundamental, dizendo:

    “Assim sendo, por força do art. 32º do CPT a sentença recorrida deve ser revogada sendo de manter a liquidação efectuada.

    E não ocorre a mencionada inconstitucionalidade desta interpretação do mencionado art.º 32º do CPT, tal como a suscitam os impugnantes em face dos factos dados como provados nos n.ºs 3, 4, 5, e 6.

    Na verdade, os impugnantes não estavam impedidos de obter decisão judicial relativamente ao negócio jurídico eventualmente nulo desde que a respectiva acção fosse instaurada contra os sujeitos intervenientes em tal negócio e no tribunal competente para o efeito.

    E o mencionado art. 32º do CPT não impedia os impugnantes de exercitarem os seus direitos e até de conduzir à não tributação do negócio, constante de documento autêntico, desde que obtida decisão judicial a declará-lo nulo.

    (...)

    Daí que não ocorra inconstitucionalidade em tal preceito normativo ao estabelecer que os negócios jurídicos nulos ou anuláveis constantes de documentos autênticos produzem os correspondentes efeitos jurídico-tributários enquanto não houver decisão judicial a declará-los nulos ou a anulá-los.”

    AUTONUM 3.Recorreu o impugnante para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, para ver apreciada a conformidade constitucional da norma do artigo 32º do Código de Processo Tributário, que impugnara perante o tribunal recorrido por, no seu entendimento, violar os “princípios constitucionais da legalidade e das garantias de defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e, implicitamente, os arts. 3º, 103º, n.º 3, e 200º, n.º 2, da Constituição da República.”

    Admitido o recurso e determinada a produção de alegações, concluiu assim:

    “I. O tribunal tributário de 1ª instância de Braga julgou procedente a impugnação deduzida pelos recorrentes, anulando a liquidação de imposto, na qual se considerou a data de realização de uma escritura de compra do prédio daqueles, outorgada em 1990.

  2. Na sua decisão, aquele tribunal de 1ª instância deu como provada a simulação da dita compra, bem como da anterior venda, ocorrida em 20/03/84 (3, 4 e 5 dos factos provados).

  3. Face às ditas simulações, os recorrentes foram detentores do prédio objecto da liquidação impugnada desde 1979 até efectiva venda em 1993, assim inexistindo motivação para liquidar qualquer imposto.

  4. Após tramitação do recurso interposto pelo Digmº Representante da Fazenda Pública, o Supremo Tribunal Administrativo revogou a sentença da 1ª instância, julgando improcedente a impugnação, por considerar aplicável à situação dos autos o art.º 32º do Código de Processo Tributário.

  5. Tal norma (art. 32º do CPT) é inconstitucional, não só em si mesma, por permitir a tributação de actos meramente formais, não correspondentes a efectivos negócios jurídicos, mas também na interpretação propugnada pelo colendo STA, violando os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva.

  6. Por um lado, tal norma admite ser tributável um acto, cuja simulação possa ser reconhecida pela administração fiscal, dada a concreta factualidade apurada, ‘exigindo’ uma outra decisão judicial a declarar a respectiva nulidade, preterindo, assim, factos reais a favor de meras formalidades.

  7. Por outro lado, na interpretação do dito art. 32º do CPT feita pelo STA, a declaração de nulidade de actos simulados, conducente à procedência da impugnação, decretada pelo tribunal de 1ª instância de Braga, é excluída do conceito de decisão judicial, ínsito na dita norma, violando o princípio da jurisdicionalidade dos Tribunais Tributários, constitucionalmente acolhido no art. 212º, n.º 3, da Constituição da República.

  8. Além do mais, tendo sido revogado o art. 32º do CPT, e encontrando-se, actualmente, em vigor o art. 39º da Lei Geral Tributária (Dec.-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro), cujo texto afasta, claramente, a tributação sobre negócios jurídicos simulados, sem exigência de declaração judicial autónoma, bastando, obviamente, a jurisdição dos tribunais tributários, afigura-se manifestamente ilegal a decisão do STA, ora recorrida, violadora do respectivo princípio constitucional da legalidade.

    ...

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