Acórdão nº 595/04 de Tribunal Constitucional (Port, 12 de Outubro de 2004

Data12 Outubro 2004
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 595/2004 Processo n.º 540/03 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A - Relatório

1 - Nos presentes autos foi proferida, ao abrigo do disposto no art. 78.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), a seguinte decisão de não conhecimento do objecto do recurso interposto para este Tribunal pelas rés na respectiva acção:

«[1.] Em 14 de Março de 2000, A., melhor identificada nos autos, propôs contra B., e C., acção com processo ordinário, pedindo que seja declarado extinto por caducidade um contrato, que denomina de utilização de loja em centro comercial, que vigorava entre a autora, como empresa gestora do centro comercial em que tal loja se integrava, e a primeira ré, a quem a autora cedera a respectiva utilização mediante retribuição, pedindo a condenação da dita primeira ré a entregar-lhe a aludida loja livre e desimpedida de pessoas e bens, e a condenação de ambas as rés (sendo a segunda como fiadora da primeira), a pagarem-lhe a importância de 1.440.000$00, acrescida de juros legais, a título de indemnização pelos danos que lhe têm causado com a ocupação não titulada da loja ou a título de enriquecimento sem causa, bem como a quantia mensal de 288.000$00 relativa à mesma ocupação desde Março de 2000 até à efectiva desocupação e entrega da loja (acrescida de juros moratórios e eventual actualização de valores), e a quantia mínima de 8.000$00 por cada dia de atraso na devolução, a título de sanção pecuniária compulsória e todos os montantes indemnizatórios, acrescidos de juros, que venham a ser liquidados em execução de sentença.

[1.1.] O Juiz do Tribunal Cível do Porto – 1ª Vara – conheceu, logo no despacho saneador, do mérito da causa, tendo julgado a acção parcialmente procedente, condenando as rés no pedido (salvo quanto à quantia de 1.440.000$00 que considerou já paga à autora e aos meses de Março a Maio de 2000 por já se encontrarem depositados, e reduzindo a quantia de 288.000$00 a 287.471$00, não condenando a segunda ré na sanção pecuniária compulsória, e, por fim, condenando ambas no pagamento de despesas comuns e remuneração percentual desde Outubro de 1999 até efectiva desocupação, ao invés da condenação em montante a liquidar em execução de sentença.

[1.2.] Não se conformando com tal decisão, as rés interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 28 de Outubro de 2002, confirmou a sentença recorrida.

[1.3.] Novamente inconformadas, as rés interpuseram, para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso de revista, considerando nas suas alegações, quanto “a [uma] violação da Constituição”, que:

«A qualificação jurídica dada aos contratos celebrados entre [a]os lojistas e os promotores dos centros comerciais, como sendo estes contratos atípicos, leva a uma solução injusta e abusiva.

O lojista recebe do promotor a loja “paredes vazias”, como é o caso em apreço, instala nela o seu estabelecimento comercial, concluindo, à sua custa, as obras necessárias para tal, fazendo a sua decoração, adquirindo o equipamento, nomeadamente mobiliário, prateleiras, máquinas, mercadorias, contratando pessoal e com fornecedores, obtendo as necessárias licenças administrativas.

O referido lojista, se celebra com o promotor do centro comercial um contrato do tipo do contrato que a 1ª ré celebrou, pelo prazo de seis anos e com um[a] retribuição mensal fixa acordada e, findo o prazo inicial do contrato tem que desfazer o estabelecimento comercial que naquele espaço instalara, sem qualquer compensação e sem que tenha a possibilidade de se manter na loja por um novo período contratual, com ou sem negociação prévia, porque o contrato celebrado, apesar de ter os elementos tipo do contrato de arrendamento, não o é, deixando o lojista, dono do estabelecimento comercial, sem espaço físico para o exercício do seu comércio, certo é que, prevalecendo esta interpretação – plasmada na sentença – violado é o princípio da confiança do cidadão, emanado do Estado de Direito democrático, na sua vertente de estado de direito consagrado no art. 2.º da Constituição da República Portuguesa.

Mas, o acórdão em revista viola ainda a Constituição porque interpreta e aplica a norma do art. 405.º do C. Civil (única disposição legal em que se baseou) no sentido de que não existem quaisquer limitações à liberdade contratual, sendo as partes livres de “fixar o conteúdo dos seus contratos, incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente tipificados, ou até de celebrar contratos diferentes dos previstos no catálogo legal, conforme decorre do disposto no artigo 405.º do Código Civil”.

(…)»

E concluíram a sua argumentação sustentando que:

“1.ª - As rés continuam a atender que no caso em apreço existem verdadeiros e justificados fundamentos para se atribuir ao presente recurso efeito meramente devolutivo, como se deixou expresso no requerimento de interposição de recurso.

2.ª - Com efeito, “… discute-se nos presentes autos se o contrato celebrado entra as partes é um contrato de arrendamento ou um contrato atípico, que tem por objecto um estabelecimento comercial, este instalado num imóvel propriedade da recorrida; atribuindo-se ao presente recurso efeito devolutivo, as recorrentes terão que entregar de imediato à recorrida o imóvel onde está instalado o seu estabelecimento comercial, livre e devoluto;

3.ª - e, como é notório, com a saída do estabelecimento comercial do local onde actualmente está instalado as recorrentes perderão, natural e inevitavelmente, clientela, insusceptível de avaliação pecuniária; por outro lado, a suspensão dos efeitos do acórdão recorrido não trará à recorrida qualquer prejuízo patrimonial uma vez que as recorrentes continuarão a pagar-lhe, como sempre o têm feito, atempadamente, as rendas do imóvel e pelo mesmo montante que a recorrida auferiria se o entregasse a outra entidade, conforme a própria recorrida o confessou nos seus articulados.

4.ª - Os centros comerciais são edifícios que integram vários estabelecimentos comerciais harmoniosamente distribuídos, autónomos entre si, com donos próprios e com ramos de comércio diversificados.

5.ª - O aglomerado, harmonioso, formado pelo conjunto das lojas de um centro comercial, apesar de potenciador de clientela, não é necessariamente um espaço privilegiado; há neles lojas bem situadas e lojas mal situadas.

6.ª - O contrato celebrado entre o proprietário (o promotor ou explorador das lojas) e um comerciante, através do qual aquele cede a este o gozo temporário de uma loja (espaço físico) de um centro comercial, com paredes vazias, em tosco, mediante o pagamento de uma retribuição convencionada, e na qual o comerciante instala uma actividade comercial, qualifica-se juridicamente, no actual ordenamento jurídico português, como um contrato típico de arrendamento, de acordo com os critérios de qualificação dos contratos em típicos e atípicos;

7.ª - critério esse a que a nossa jurisprudência adere com mais frequência, o chamado critério da essentialia: a procura no contrato da identificação dos elementos essenciais de cada espécie contratual.

8.ª - Também o critério (mais seguido pela doutrina) da causa todo o contrato nominado possui uma função...

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