Acórdão nº 581/04 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Setembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mota Pinto
Data da Resolução28 de Setembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 581/04

Processo n.º 665/03

  1. Secção

Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

  1. Relatório AUTONUM 1.Em 31 de Outubro de 2002, o subdelegado do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho aplicou ao banco A., entre o mais, uma coima de € 9310,90 por, no dia 10 de Setembro de 2001, na sua dependência sita ---------------, --------, dois dos seus trabalhadores se encontrarem a trabalhar fora do seu horário laboral, sem que se encontrasse registada no respectivo livro a hora de início de tal prestação de trabalho suplementar.

    Recorreu aquela instituição bancária para o Tribunal do Trabalho de ------------, suscitando de pronto várias inconstitucionalidades e juntando um parecer de Direito e vários documentos.

    Por sentença de 10 de Janeiro de 2003 foi diminuída a coima aplicada para € 7000, por se ter julgado procedente o recurso na parte respeitante à reincidência, mas sendo confirmada no restante a decisão administrativa.

    De novo recorreu a entidade arguida, desta vez para a Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, reiterando as mesmas questões de constitucionalidade, mas também sem êxito, já que por acórdão de 18 de Junho de 2003 foi negado provimento ao recurso, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida, com as seguintes considerações:

    (...)

    — Se o facto de o subdelegado do IDICT ter confirmado o auto de notícia e ter proferido a decisão administrativa acarreta qualquer nulidade.

    Alega a recorrente nas conclusões 6 e 7 que:

    “6. No presente processo, quem confirmou o Auto de notícia e quem aplicou a coima foi a mesma pessoa física (...).

    7. Ao confirmar o Auto de notícia e ao outorgar, simultaneamente, a decisão recorrida, o Senhor Subdelegado (...) violou expressamente o disposto no art.º 39º n.º 1, c), e 40º do C.P.P. e ainda o preceituado no art.º 41º, n.º 2, do RGCOL (Decreto-Lei n.º 433/82).”

    Dispõe o n.º 2 do art.º 41º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27-10: “No processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidos aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma.”

    Por sua vez, preceitua o art.º 39º, n.º 1, c), do C.P.P. que nenhum juiz pode exercer a sua função num processo penal “quando tiver intervindo no processo como representante do Ministério Público, órgão de polícia criminal, defensor, advogado do assistente ou da parte civil ou perito.”

    Afigura-se-nos que a recorrente suscita a questão de saber se as fases da investigação e aplicação subsequente da coima no âmbito do processo administrativo estão subordinadas ao princípio da acusação que vigora no processo penal.

    Como põe em relevo João Soares Ribeiro, artigos in Q. L. [Questões Laborais], ano VIII, 2001, pág. 122, ao abordar a natureza do processo de contra-ordenação “(...) nem sempre se equaciona devidamente esta realidade ‘sui generis’ que é, ou deve ser, o processo de contra-ordenação na fase administrativa, fazendo-se por vezes, a nosso ver, um uso demasiado primário do princípio da aplicação subsidiária do processo penal consignado no art.º 41º da lei-quadro, para não dizer uma errada equiparação da estrutura do processo de contra-ordenação na fase administrativa à estrutura processual penal.

    Ora, não pode deixar de ser tida em consideração que a Administração não é um Tribunal, que o decisor da aplicação da coima não é um Juiz, e que, sobretudo, por mais voltas que se lhe dêem, este processo, enquanto decorre perante as autoridades administrativas, tem, necessariamente, uma estrutura inquisitória, sem distinção entre a acusação e o julgamento, que, como é sabido, cabe nos tribunais a duas magistraturas distintas”.

    Como bem salienta o Ex.mº Juiz a quo “(...) tendo a Administração uma estrutura hierarquizada (...), não se vislumbra como se respeitaria o princípio da acusação apenas pelo facto de o confirmador do auto e o decisor serem ‘pessoas físicas’ diferentes, já que entre elas sempre teria que existir uma relação de subordinação, que inevitavelmente anularia a estrutura do acusatório face aos objectivos que tal princípio visa assegurar”.

    Esta é uma das razões para que não se aplique o princípio do acusatório puro, tal como processo penal o concebe, na fase administrativa do processo de contra-ordenação.

    Mas há ainda outra razão, igualmente apontada na decisão da 1ª instância: ‘porque os direitos do cidadão estão absolutamente garantidos, dado que pode sempre o destinatário da decisão promover uma fase judicial, onde são respeitados todos os princípios do processo penal (nomeadamente o do acusatório), não havendo assim qualquer restrição de direitos de defesa ou garantia.’

    Não ocorre assim qualquer nulidade, improcedendo as conclusões 7 e 8.

    — Se o facto de se afastar a aplicação do princípio do acusatório puro na fase administrativa do processo de contra-ordenação implica a violação das garantias constitucionais expressas no art.º 32º, n.º 10 da CRP.

    Dispõe o art.º 32º, n.º 10, que “nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.

    Afigura-se-nos que ao afastar a aplicação do princípio do acusatório puro, na fase administrativa do processo contra-ordenacional pelas razões acima alinhadas, não se está a violar este preceito constitucional. Com efeito, e como também referimos, o destinatário da decisão administrativa tem sempre ao seu dispor o recurso à fase jurisdicional, em que tal princípio é totalmente respeitado, já que a apresentação dos autos ao juiz (acto que equivale à acusação) é feita pelo Mº Pº, cabendo àquele o julgamento (cfr. arts. 62º e segs. do D.L. 433/82).

    Improcede também a conclusão 9.

    (...).

    AUTONUM 2.Insatisfeita, a referida...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT