Acórdão nº 561/04 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Setembro de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução15 de Setembro de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 561/04

Processo n.º 805/2004

  1. Secção

Relator: Conselheiro Bravo Serra

1. Em 29 de Julho de 2004 o relator proferiu decisão com o seguinte teor:

“1. Não se conformando com o acórdão proferido em 1 de Outubro de 2003 pela 2ª Vara de Competência Mista de Vila Nova de Gaia que, pela autoria de factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo nº 1 do artº 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o condenou na pena de sete anos e três meses de prisão, recorreu o arguido A. para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 17 de Março de 2004, negou provimento ao recurso.

De novo inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça.

Na motivação adrede apresentada, o arguido não suscitou, relativamente a qualquer normativo ínsito no ordenamento jurídico ordinário, a questão da sua desconformidade com a Constituição.

Na verdade, naquela peça processual, para o que ora releva, pode ler-se:

‘............................................................................................................................................................................................................................................

II - Termos em que se recorre:

As questões a versar pelo recorrente são as seguintes:

1 - Nulidade do Acórdão emanado pelo Colendo Tribunal de Vila Nova de Gaia - ex vi al. a) do Artº. 379º do C.P.P.;

2 - Inconstitucionalidade da decisão emanada pelo Tribunal da Relação - ex vi nº. 2 do Artº. 32 da Constituição da República Portuguesa;

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Passemos a analisar cada um de per se.

1 - Nulidade do Acórdão do Tribunal de 1ª. Instância - al. a) do nº 1 do Artº. 379º do C.P.P.

Este era um dos pontos objecto do recurso apresentado pelo arguido para o Venerando Tribunal da Relação do Porto e, que foi julgado improcedente, por entender aquele Tribunal que são claros os elementos de prova que constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse no sentido dos factos provados.

Com isto se esgota a questão da nulidade com base no não cumprimento do disposto no Artº. 374º nº. 2 do CPP.

Entendemos, salvo o devido respeito por melhor opinião, não assistir razão ao douto aresto ora em crise.

Foi a seguinte a nossa motivação para fundamentar a nulidade do Acórdão emitido em primeira Instância:

‘O Tribunal a quo na motivação da matéria de facto, formou a sua convicção no ‘acervo probatório produzido em julgamento’, acervo que, foi composto, quer pelas declarações do arguido, quer pela prova testemunhal.

No que à prova testemunhal diz respeito, o Tribunal a quo, fundou a sua convicção nos depoimentos de duas testemunhas, quais sejam, os Srs. Inspectores B. e C. - cfr. fls 184 dos autos.

Para fundar a sua convicção, o Tribunal a quo refere na douta decisão ora em crise que (...) ‘as declarações das testemunhas B. e C., inspectores da PJ que participaram no esquema de vigilância montado no dia da prática dos factos e, em consequência, efectuaram a intercepção e detenção do arguido e procederam às apreensões referidas.

As testemunhas acima indicadas tinham conhecimento directo dos factos relativamente aos quais o seu depoimento foi relevante, tendo deposto de forma a convencer o Tribunal da veracidade dos factos dados como provados’ (...)

Eis, pois, a forma rápida, sintética e sucinta com que o Tribunal a quo valorou os depoimentos das testemunhas, que no entender da defesa, foram a chave da decisão ora em crise.

Na análise dos depoimentos, o Tribunal está vinculado à norma do nº. 2 do Artº. 374º do C.P.P., sendo que, nos termos desse preceito, na fundamentação dos factos dados como provados e não provados, o Tribunal tem que fazer uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos de facto e de direito que levaram àquela decisão, com indicação e exame das provas que serviram para formar a sua convicção.

No caso dos autos, temos uma fundamentação, que, indica como elemento de convicção do Tribunal, quanto a factos essenciais, o depoimento de duas testemunhas, nada dizendo sobre a razão de ciência das mesmas.

O Tribunal a quo não se poderia ter ficado por aquela tão sumária e enxuta fundamentação, pois que, a norma supra referida não se basta com a mera indicação das provas produzidas na Audiência, sendo certo que, face àquela fundamentação fica sem se saber, por exemplo, qual era a intenção do arguido, ou se ele sabia a quantidade que transportava, ou se referiu saber onde se encontrava o produto estupefaciente, ou se foi vista alguma balança e onde, portanto, uma série de factos que se nos afiguram essenciais e que não foram escalp[e]lizados na fundamentação da decisão. Eis pois, no entender da defesa a violação do nº. 2 do Artº 374º do C.P.P. a qual fere de nulidade o douto aresto de que se recorre - ex vi Artº. 379º al. a) do C.P.P. (neste sentido se tem pronunciado a nossa Jurisprudência dos Tribunais superiores, vide, entre outros, o Ac. do STJ de 14-01-1999, in C.J. Acs. Do STJ, VII, tomo I, 187)

Salienta-se, ainda, o facto de o Tribunal Constitucional ter vindo por douto Acórdão de 02-12-1998, julgar inconstitucional a norma do nº. 2 do Artº 374º do C.P.P. de 1987, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com as simples enumerações dos meios de prova utilizados em 1ª. Instância, não exigindo a explicação do processo de formação da convicção do Tribunal, por violação de um dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº. 1 do Artº 205º da Constituição da República Portuguesa, bem como, quando conjugada com a norma das als. b) e c) do nº 2 do Artº 410º do C.P.P., por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do Artº 32º da C.R.P.

Com efeito, o douto Acórdão emitido pelo Tribunal da Comarca de Vila Nova de Gaia é nulo - ex vi Artº. 379º. Nº. 1 al. a), por violação do nº 2 do Artº 374º, ambos do C.P.P., pelo que se impõe a anulação do julgamento, com as legais consequências’.

Atenta a motivação que antecede, o Venerando Tribunal da Relação do Porto, é de entendimento, aliás, na esteira da Jurisprudência supra citada, que está hoje absolutamente afastado o entendimento de que, para que seja observado o disposto nesta norma, basta a mera indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal , contudo, acaba por entender que a decisão emitida pelo Tribunal de Vila Nova de Gaia contém o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal.

Ora, pelas mesmas razões por nós sufragadas na motivação do Recurso para aquele venerando Tribunal, que supra se transcreveram e, que, em nosso humilde entender, não foram abaladas pelo Aresto que ora se coloca em crise, entendemos que o Acórdão emitido pelo Colendo Tribunal de Vila Nova de Gaia não respeitou aquela exigência legal e, por conseguinte, faz uma exposição aligeirada e enxuta das provas que serviram para fundar a decisão, resultando, assim, a sua nulidade, o que expressamente se invoca e ora se reitera, com as legais consequências (neste mesmo sentido se pronunciou esse Colendo Tribunal, por douto Acórdão de 07-07-1999, C.J, ano VII, tomo II, pág. 246-248).

2 - Inconstitucionalidade da decisão - ex vi do nº. 2 do Artº. 32 da Constituição da República Portuguesa;

A decisão emitida pelo Tribunal de Primeira Instância violou, como, já alegado na motivação de recurso para o Tribunal da Relação e, o qual o julgou improcedente, o Princ[í]pio do In Dubio Pr[o] Reo. Na verdade, o Tribunal centrou o quantum da pena no facto de ter sido apreendida uma balança ao arguido. Ora, como se disse, em julgamento não foi feita prova alguma da balança, nem o Tribunal de Primeira Instância fez alusão a qualquer prova que o sustente. Aliás, o Tribunal refere que o arguido não conseguiu explicar a detenção da Balança. Mas, a defesa pergunta onde é que a acusação demonstra que a mesma se encontrava na posse ou detenção do arguido? Ainda que se concebesse que a balança se encontrava no interior do veículo, no que se não concede, cumpria à acusação demonstrar que o arguido sabia da existência da balança e que tinha sido ele a colocá-la ali, o que não foi feito. Contudo, não era ao arguido que cumpria demostrar nada...

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