Acórdão nº 532/04 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Julho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Helena Brito
Data da Resolução15 de Julho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 532/04 Processo n.º 161/04 1ª Secção

Relatora: Conselheira Maria Helena Brito

Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:

I

  1. No Tribunal de Trabalho de Lisboa, A. intentou, em Agosto de 2000, contra banco B., acção emergente de contrato individual de trabalho, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe uma pensão de reforma, conforme o estabelecido no Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões da Sucursal do Banco do B. em Portugal e na Cláusula 137ª do Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, invocando que o Réu incluiu, no acordo de cessação do contrato de trabalho e passagem da Autora à situação de reforma antecipada, como referência para o cálculo da pensão, um valor da retribuição que é inferior ao legal.

    Na petição inicial, lê-se, entre o mais:

    “[...]

    1. [...] no dia 6 de Setembro de 1999 A. e R. celebraram [um] acordo de cessação de contrato de trabalho e passagem da A. à situação de reforma nos termos do doc. que se junta – Doc. 2.

    2. tendo, por isso, o contrato de trabalho que ligava a A. ao R. cessado em 10.09.99 como se vê da cláusula terceira.

    3. Na cláusula segunda n.º 5 alínea b) ficou estipulado:

      Será atribuída à segunda outorgante, a A., uma pensão calculada de acordo com o estabelecido no Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões da Sucursal do Banco B.

      .

      [...]

    4. O R. diz à A. que a sua pensão é calculada nos termos do mencionado Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões e quando procede à forma de cálculo distorce deliberadamente o que acordara. Na verdade,

    5. A sua pensão passou a ser de Esc. 300.280$00 = 297.500$00 x 86,9% + 41.750$00 em vez de 297.500$00 x 100% + 41.750$00.

    6. E após o 28º mês, essa pensão seria de 233.060$00 = 297.500$00 x 86,9% x 74% + 41.750$00.

    7. Esta atitude do R. mereceu do C. Pensões a tomada de posição crítica conforme doc. que se junta – Doc. n.º 5.

    8. A interpretação que o C. Pensões fez no doc. 5 era a que a A. havia reconhecido e aceite.

    9. E, por isso, havia assinado, em boa fé, o doc. n.º 2.

    10. Já que o mesmo remetia para a forma de cálculo da pensão de reforma prevista no Plano Constitutivo.

      [...].”

      Por sentença de 8 de Março de 2002 (fls. 126 e seguintes), foi a acção julgada procedente e a Ré condenada a pagar à Autora uma pensão de reforma no valor de 100% da retribuição do nível 12 do pessoal no activo no Banco Réu, acrescida do valor correspondente a diuturnidades, em determinados termos, estabelecidos pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa, sendo as prestações vencidas e vincendas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde o respectivo vencimento até integral pagamento.

      Desta sentença foi interposto recurso pelo B..

  2. Por acórdão de 7 de Maio de 2003, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu negar provimento ao recurso (fls. 195 e seguintes).

    Pode ler-se no texto do acórdão, para o que aqui releva, o seguinte:

    “[...]

    Não nos merece, pois, censura a apreciação efectuada pela Srª Juíza quando conclui que a A. assinou o Acordo em erro, determinado e mantido pelo R., ao não a informar da alteração do critério de cálculo ocorrido entre o início da negociação e a apresentação do acordo para assinatura, não devendo ignorar como a forma de cálculo da pensão era essencial para a aceitação da passagem à reforma pela trabalhadora. Não foram, pois, violados os arts. 247°, 253° e 254° do CC. Também não procede o invocado abuso de direito da A. ao vir invocar o erro e a consequente anulabilidade do acordo.

    Já vimos que a A. não tinha razão quando invocou a nulidade do acordo por alegada violação da cl.ª 137ª do ACTV, visto esta cl.ª, conjugada com o anexo VI, não ter o conteúdo que a A. lhe atribuía. Mas tinha razão quando invocou a anulabilidade do acordo por erro, visto tê-lo assinado convencida de que a fórmula de cálculo nele contida era a que tinha sido adoptada na passagem à reforma dos trabalhadores do R. até então reformados e que lhe tinha sido proposta no início da negociação. Embora possa ter havido da parte da A. alguma leviandade e falta de cuidado na conferência do documento antes de o assinar, isso não basta para que se considere abuso de direito a invocação da anulabilidade, pois as regras da boa fé exigiam que o R., mudando o critério de cálculo no decurso da negociação, esclarecesse a outra parte dessa alteração, sem tibiezas. Ao não o fazer, alimentou o erro da A. quanto ao conteúdo do acordo [itálico aditado agora].

    Por fim o R. imputa à sentença violação do art. 292° do CC, mas também sem razão. Não era à A, mas à R. que competia demonstrar que não teria concluído o acordo sem a cláusula 2. 5 b) nos moldes que dele consta (com a aplicação da percentagem 86,9% à retribuição do nível 12 vigente no Banco). Tampouco se pode deduzir do próprio título que, prevendo a anulabilidade o Banco quisesse o acordo mas sem o conteúdo da cl.ª 2. 5 f), tanto mais que não se provou que esta cláusula tivesse qualquer conexão com a mudança da forma de cálculo de 100% para 86,9% da retribuição do nível.

    Improcedem, assim, na totalidade, os fundamentos do recurso.

    [...].”

    Inconformado com este acórdão, o B. dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 208). Nas alegações que apresentou (fls. 216 e seguintes), não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade.

  3. Por acórdão de 20 de Janeiro de 2004 (fls. 265 e seguintes), o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista ao recorrente, invocando, para o que agora importa, os seguintes fundamentos:

    “[...]

    [...] a responsabilidade por culpa na formação dos contrato pode considerar-se genericamente abrangida pelo artigo 227º, n.º 1, do Código Civil, que impõe às partes o dever de agir segundo as regras da boa fé quando negoceia os preliminares e o conteúdo do contrato (SINDE MONTEIRO, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações, Coimbra, 1989, pág. 376).

    De entre os grupos de casos de responsabilidade por culpa na formação dos contratos, conta-se o da celebração de um contrato não correspondente às expectativas devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão do esclarecimento devido (idem, pág. 355).

    É, à partida, o princípio da boa fé, na sua aplicação à fase pré-negocial, que impõe os deveres de esclarecimento, de revelação ou comunicação. A exigibilidade da prestação espontânea da informação, por efeito da aplicação desse princípio, é, por outro lado, aferida em função de diversos factores: o grau de necessidade de protecção social e individual; o carácter duradouro da relação contratual e o nível de confiança que normalmente deverá existir entre as partes; a relevância de que a informação poderá revestir-se para o declarante para concretizar ou frustrar o negócio projectado; o desnível de informação existente entre as partes (idem, págs. 358 e segs).

    Não poderá deixar de reconhecer-se que todos estes critérios têm aplicação no âmbito de uma relação laboral, e, sobretudo, quando o que está em causa é o interesse da entidade patronal, por conveniência própria em reduzir os respectivos quadros de pessoal, em obter um acordo de cessação do contrato de trabalho e a passagem do trabalhador à situação de reforma de um seu trabalhador. A entidade patronal estava vinculada, segundo os princípios do comércio jurídico, e, em particular, as exigências da boa fé na preparação do contrato, a esclarecer a trabalhadora sobre os novos critérios do cálculo da pensão da reforma, mormente quando estes envolvem uma redução do montante a auferir, o que, normalmente, constituirá um elemento da maior relevância para o interessado formar conscientemente a sua vontade de aceitar a extinção do contrato de trabalho. E, face às regras de experiência comum, poderá também facilmente compreender-se que a falta de completo esclarecimento acerca das condições do acordo poderá induzir em erro o parceiro negocial, quando se constate que o acordo prevê critérios de cálculo da pensão...

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