Acórdão nº 466/04 de Tribunal Constitucional (Port, 23 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução23 de Junho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 466/2004

Proc. n.º 801/02

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Outubro de 2002, “com fundamento na inconstitucionalidade material das normas constantes do art.º 442º, n.º 3 e 755º, n.º 1, alínea f), ambos do Código Civil (CC)”, quando interpretadas no sentido de atribuírem ao promitente comprador de um edifício ou fracção autónoma e que obteve a tradição da coisa o direito de retenção sobre essa mesma coisa e de esse direito prevalecer sobre a garantia hipotecária registada em data anterior à referida tradição, por violação dos princípios da proporcionalidade, da protecção, da confiança e segurança jurídicas no comércio imobiliário ínsitos no art.º 2º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e bem ainda “com fundamento na inconstitucionalidade orgânica” dos Decreto-Leis n.ºs 236/80, de 18 de Julho, e 379/86, de 11 de Novembro, na medida em que alteraram e introduziram aqueles preceitos do Código Civil, aqui por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 165º da CRP, na medida em que tais diplomas foram editados a descoberto de lei de autorização e a matéria a que respeitam se insere no âmbito dos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

2 – A par do Ministério Público que reclamou o pagamento de créditos da Fazenda Nacional e cuja sorte é alheia ao recurso, o ora recorrente reclamou no apenso de reclamação de créditos à execução sumária instaurada por B. contra a sociedade C., o pagamento de um crédito emergente de um contrato de mútuo, garantido por hipoteca constituída em 6 de Agosto de 1991. Por sentença do Tribunal Judicial de Oeiras, onde corria o processo, o crédito da ora recorrente foi graduado imediatamente depois do crédito reclamado por D., crédito este emergente do incumprimento de contrato promessa outorgado entre este e a referida executada relativo à fracção autónoma que foi vendida no referido processo executivo e sobre a qual o promitente comprador gozava de direito de retenção, tudo conforme sentença de 9 de Outubro de 1992.

Inconformado com esta decisão, a ora recorrente recorreu para o Tribunal da Relação, com fundamento, além de mais, nas referidas questões de inconstitucionalidade. Todavia, o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo seu acórdão de 7 de Fevereiro de 2002, negou a apelação confirmando a sentença recorrida.

Novamente inconformado, o recorrente recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que lhe negou a revista pretendida.

3 – Na parte concernente à apreciação das questões de inconstitucionalidade assim discorreu o acórdão recorrido:

A) Inconstitucionalidade material das normas dos artºs. 442º, nº 2 e 755º nº 1 alínea f) do Código Civil, interpretadas e aplicadas no sentido de que o direito de retenção tem preferência sobre a hipoteca registada anteriormente, por violadoras dos princípios da proporcionalidade, da protecção, da confiança e segurança jurídicas no comércio jurídico imobiliário insitos no artº 2º e 20º da C.R.

Vista em abstracto a posição assumida pela recorrente até parece correcta.

Porém, não o é, vistas e analisadas os negócios jurídicos donde decorrem os direitos de crédito, que recorrente e recorrida pretendem fazer valer na graduação de créditos, em apreço, em posição de superioridade recíproca.

A recorrente, como entidade bancária, tem por objecto da sua actividade a circulação lucrativa do dinheiro.

Assim, financiou a executada, a pedido desta, que é uma empresa construtora de imóveis, para lucrativamente vender a terceiros, emprestando-lhe determinada quantia a ser aplicada na construção do prédio, em causa, em regime de propriedade horizontal.

Para defesa do capital emprestado a recorrente constituiu hipotecas sobre determinadas fracções autónomas, a expurgar, na altura da venda de tais fracções a terceiros, com o montante da venda, reduzido do lucro do construtor.

Temos, pois, que a recorrente, ao conceder o empréstimo à executada, embora descontando-se nas hipotecas registadas, primeiro provisoriamente e depois definitivamente, assumiu o risco da executada não cumprir o contrato de promessa com o terceiro promitente comprador de uma das fracções anteriormente hipotecadas.

É evidente, que a recorrente sabia perfeitamente que, se o promitente comprador habitasse na fracção autónoma, que prometeu comprar, face ao incumprimento definitivo da executada construtora e promitente vendedora, aquele ficaria com o direito de retenção sobre tal fracção, até ser pago do direito de crédito decorrente de incumprimento referido – artºs 442º nº 2 e 755º nº 1 alínea f), do Código Civil.

Assim sendo, é manifesto que a recorrente, desde o início do contrato de empréstimo, que celebrou com a executada construtora, tinha conhecimento perfeito do ónus, que sobre si recorria, pesem embora as hipotecas constituídas, em caso de incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda por parte da promitente vendedora e sua devedora, dando-se a “traditio” da fracção autónoma para o promitente comprador.

Por tal motivo, não pode agora querer ultrapassar tal ónus mediante pretensão de inconstitucionalidades materiais, que não existem.

Mas vejamos a questão sobre a perspectiva da situação económica dos intervenientes nos dois negócios jurídicos em apreço contrato de mútuo entre a recorrente e a executada...

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