Acórdão nº 391/04 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Junho de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução02 de Junho de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 391/2004

Processo n.º 243/99

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A. e B. intentaram, no Tribunal do Trabalho do Funchal, acção emergente de contrato de trabalho contra C., pedindo a condenação desta a pagar-lhes as indemnizações devidas pela rescisão unilateral dos contratos de trabalho a que os autores procederam, com justa causa, na sequência de transferência do respectivo local de trabalho, do Funchal para Câmara de Lobos. Fundaram a pretensão deduzida, em primeira linha, na cláusula 32.ª, n.º 2, do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical (CCTV) celebrado entre associação D. e o Sindicato E. (publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, II Série, Suplemento ao n.º 4, de 1 de Fevereiro de 1980), com Portaria de Extensão publicada no mesmo Jornal Oficial, II Série, Suplemento ao n.º 12, de 10 de Abril de 1980, e, subsidiariamente, no artigo 24.º, n.º 2, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (doravante designado por LCT).

Por sentença de 12 de Julho de 1997 foi a acção julgada improcedente, por se entender: (i) por um lado, que o n.º 2 da aludida cláusula 32.ª (que atribui ao trabalhador que haja optado pela rescisão do contrato, na sequência de transferência de estabelecimento para outro local, direito a uma indemnização igual à respeitante ao despedimento colectivo), na medida em que contraria o regime prescrito pelo artigo 36.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante designado por LCCT), que apenas atribui o direito a uma indemnização no caso de a rescisão se fundamentar em conduta culposa do empregador (o que no caso não se verificava), deve considerar-se revogado, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º da LCCT; e (ii) por outro lado, que não há direito à indemnização prevista no artigo 24.º da LCT, por o empregador ter logrado provar que a transferência do local de trabalho dos autores não era idónea a causar-lhes “prejuízo sério”.

Os autores apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando, nas respectivas alegações, além do mais, que “se a revogação das normas convencionais estabelecida pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 abrangesse também situações como a da transferência do trabalhador para outro local de trabalho, deveria, nesse caso, ser julgada inconstitucional, por ofensa ao artigo 56.º, n.º 3, da CRP”, mas, por acórdão de 18 de Março de 1998, foi negado provimento ao recurso.

Os autores interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, suscitando a mesma questão de constitucionalidade, tendo, por acórdão de 3 de Março de 1999, sido negado provimento ao recurso, com base na seguinte fundamentação:

“Entendeu-se no acórdão recorrido que o direito dos recorrentes à indemnização pedida pela rescisão dos contratos devia ser apreciado em face do regime estabelecido pelo artigo 24.° da LCT e não de qualquer CCT, designadamente da cláusula 32.ª do CCT invocado pelos autores.

Assim e considerando que os factos apurados levam a concluir que da transferência do estabelecimento e da consequente deslocação para o novo local de trabalho não resultavam prejuízos sérios para os autores, concluiu-se pela inexistência do direito às indemnizações reclamadas.

Alegando que o Contrato Colectivo de Trabalho de que consta a invocada cláusula 32.ª foi objecto de Portaria de Extensão publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, II Série, n.º 12, de 10 de Abril de 1980, sendo por isso indiscutível a sua aplicação à ré, pretendem os recorrentes que, podendo o regime previsto no artigo 24.° da LCT ser modificado por convenção colectiva em sentido mais favorável ao trabalhador, regulando aquela cláusula, que autores e ré aceitam ser aplicável às respectivas relações laborais, a transferência do trabalhador para outro local de trabalho em termos mais favoráveis, não colidindo com o regime do referido artigo 24.° e sendo certo que aquele regime não foi revogado peto Decreto-Lei n° 64-A/89, também não se pode considerar esta cláusula abrangida por esta revogação.

Os recorrentes não se insurgem contra a denegação do seu direito às indemnizações com fundamento na aplicação do regime previsto no artigo 24.° da LCT.

Entendem, porém, que não é esse o regime aplicável, mas sim o estabelecido pela cláusula 32.ª do CCTV, cujo âmbito foi alargado pela Portaria de Extensão publicada no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira, II Série, n.° 12, de 10 de Abril de 1980.

Efectivamente, esta Portaria de Extensão alargou o âmbito de aplicação das disposições constantes daquele CCTV, na Região Autónoma da Madeira, a todas as empresas que tenham ao seu serviço trabalhadores das categorias profissionais previstas nessa convenção não abrangidos por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho específico, bem como a estes trabalhadores, filiados ou não nos Sindicatos signatários.

A cláusula 32.ª desse CCTV dispõe:

«1 – Em caso de transferência do estabelecimento para novo local de trabalho, o trabalhador poderá, em alternativa, optar por rescindir o contrato ou aceitar a mudança.

2 – No caso de o trabalhador optar pela rescisão, terá direito a uma indemnização igual à resultante do despedimento colectivo.”

Reafirma-se, assim, a possibilidade, que já se encontrava prevista no n.° 2 do artigo 24.° da LCT, de o trabalhador, no caso de transferência para outro local de trabalho, resultante da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde presta serviço, rescindir o contrato de trabalho.

Mas, diversamente do que nesse artigo 24.° se dispõe, confere-se ao trabalhador o direito a uma indemnização igual à do despedimento colectivo, ou seja, a uma indemnização de acordo com a respectiva antiguidade e correspondente a um mês de retribuição por cada ano ou fracção, nos termos do n.° 1 do artigo 20.° do Decreto-Lei n° 372-A/75, então vigente, não se ressalvando a possibilidade de a entidade patronal se eximir a esse pagamento fazendo prova de que da mudança não resulta prejuízo sério para o trabalhador.

A cessação do contrato por iniciativa do trabalhador passou a ser regulada pelos artigos 34.º e seguintes do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

O artigo 36.º desse diploma legal só confere ao trabalhador direito a uma indemnização calculada nos termos do n.º 3 do artigo 13.º se a rescisão do contrato tiver fundamento nos factos previstos no n.º 1 do artigo anterior, ou seja, se se verificar um comportamento da entidade empregadora constitutivo de justa causa, que, como é doutrina dominante e jurisprudência pacífica e desde há muito fixada, se há-de aferir pelo conceito geral de justa causa consagrado pelo artigo 9.º do mesmo regime jurídico.

Esse regime, salvo disposição legal em contrário, não pode ser afastado ou modificado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato individual de trabalho, consoante expressamente prescreve o n.º 1 do artigo 2.º do regime...

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