Acórdão nº 351/04 de Tribunal Constitucional (Port, 19 de Maio de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução19 de Maio de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 351/2004 Processo n.º 400/04 2.ª Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional.

1. Relatório

A. vem reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), da decisão sumária do relator, de 13 de Abril de 2004, que, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 do mesmo preceito, não julgou inconstitucional – na sequência dos Acórdãos n.ºs 741/98 e 403/2002 – a norma do § único do artigo 67.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (Decreto-Lei n.º 41 234, de 20 de Agosto de 1957), enquanto determina que a falta de apresentação de alegações no recurso contencioso acarreta a sua deserção, e, consequentemente, negou provimento ao recurso.

1.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:

“1. A. interpôs, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 5 de Fevereiro de 2004, que negou provimento a recurso jurisdicional do despacho de 27 de Maio de 2002 do Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, que julgara deserto, por falta de alegações, recurso contencioso por ela interposto. Pretende ver apreciada a inconstitucionalidade – “por ofensa aos princípios do Estado de direito democrático (artigo 2.º), de acesso ao direito, a uma decisão e à tutela jurisdicional efectiva (artigos 20.º, n.º 4, e 268.º, n.º 4), da proporcionalidade (artigo 18.º, n.º 2) e do princípio da igualdade e do acesso ao direito e aos tribunais (artigos 13.º e 20.º, n.º 1), todos da Constituição da República Portuguesa (CRP)” – da norma do § único do artigo 67.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (RSTA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 41 234, de 20 de Agosto de 1957, “quando interpretado no sentido em que o foi no acórdão recorrido, ou seja, com a cominação de deserção na falta de alegações no recurso contencioso”.

A questão que constitui objecto do presente recurso é de qualificar como “simples”, por já ter sido objecto de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, o que possibilita a prolação de decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC.

2. Com efeito, o Tribunal Constitucional apreciou especificamente, nos Acórdãos n.ºs 741/98 (Diário da República, II Série, n.º 57, de 9 de Março de 1999, pág. 3486; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41.º vol., pág. 639) e 403/2002 (Diário da República, II Série, n.º 290, de 16 de Dezembro de 2002, pág. 20 511), a constitucionalidade da questionada norma do § único do artigo 67.º do RSTA, enquanto determina, por remissão para os artigos 292.º e 690.º do CPC, a deserção do recurso contencioso por falta de apresentação das respectivas alegações, tendo, em ambos os casos, concluído pela sua não inconstitucionalidade.

No Acórdão n.º 741/98 foi especialmente analisada a invocada violação do princípio da igualdade, quer face à inexistência, para a falta de alegações do recorrido, de consequências jurídicas equiparáveis às ligadas à falta de alegações do recorrente, quer atenta a diversidade das situações da falta de alegações em recurso jurisdicional cível e da falta de alegações em recurso contencioso administrativo (no qual os fundamentos do pedido de anulação do acto impugnado já constam da petição inicial desse recurso) – sendo este último o argumento central utilizado pela ora recorrente na suscitação da questão de inconstitucionalidade. O citado Acórdão n.º 741/98 deu por não verificada a alegada inconstitucionalidade, desenvolvendo, para tanto, a seguinte fundamentação:

II. Fundamentos:

5. Objecto do presente recurso de constitucionalidade é a norma do § único do artigo 67.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, enquanto determina, por remissão para os artigos 292.º e 690.º do Código de Processo Civil, que na falta de alegações do recorrente o recurso é julgado deserto.

O recorrente sustenta que o princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, é violado pelo facto de apenas uma das partes no recurso – o recorrente – estar sujeita à deserção do recurso por falta da sua alegação.

É a seguinte a redacção do artigo 67.º do Regulamento do STA:

“Artigo 67.º

(Vista para alegações)

O relator, logo que se encontre nos autos a resposta referida no artigo 62.º ou haja decorrido o prazo em que deveria ter sido apresentada, mandará dar vista para alegações, primeiro ao advogado do recorrente e depois ao do recorrido, se o houver, e em seguida irão os autos com vista ao Ministério Público.

§ único. À alegação e à sua falta é aplicável o disposto nos artigos 292.º e 690.º do Código de Processo Civil

Por sua vez, e para o que para o caso releva, era a seguinte a redacção das disposições do Código de Processo Civil referidas neste § único, antes da reforma da legislação processual civil operada pelos Decretos-Leis n.ºs 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro (hoje correspondente à redacção dos artigos 291.º, n.º 2, e 690.º, n.ºs 1 e 3):

Artigo 292.º

(Deserção dos recursos)

1. Os recursos são julgados desertos (...) pela falta de alegação do recorrente.

(...)

Artigo 690.º

(Ónus de alegar e formular conclusões)

1. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

2. Na falta de alegação, o recurso é logo julgado deserto.

(...).

A transcrita redacção do artigo 690.º (e, mesmo, a do actual) louva-se na que o Decreto n.º 38 387, de 8 de Agosto de 1951, deu ao correspondente artigo do Código de Processo Civil de 1939.

É, assim, ainda inteiramente pertinente a lição de Alberto dos Reis, lembrando (no seu Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pp. 352 e ss.) que no Código de Processo Civil de 1876 se discutia se o conhecimento do recurso dependia da produção de alegações e que tal questão foi resolvida, no sentido afirmativo, pelo Decreto n.º 2, de 15 de Setembro de 1892, solução que se manteve até à primeira versão do Projecto de Código de Processo Civil elaborado pelo Autor (artigo 679.º).

Na segunda versão, porém, o correspondente artigo (622.º) determinava que o recorrente minutasse o recurso e concluísse a minuta com a indicação resumida dos fundamentos por que pedia a alteração ou anulação da sentença ou despacho, sob pena de o tribunal não conhecer do recurso.

Na Comissão Revisora discutiram-se, a este propósito, dois pontos: se devia ser obrigatória a minuta, sob pena de não conhecimento do recurso, e se deviam exigir-se conclusões, acabando o texto final por estabelecer que o tribunal superior não conheceria do recurso na falta de alegação e que a falta de conclusões na alegação seria suprida a convite do juiz, sob pena de não conhecimento do recurso.

Dando conta do espírito da norma, escrevia o ilustre Processualista: «... o artigo teve em vista obrigar o recorrente a submeter expressamente à consideração do tribunal superior as razões da sua discordância para com o julgado, ou melhor, os fundamentos por que o recorrente acha que a decisão deve ser anulada ou alterada, para que o tribunal tome conhecimento delas e as aprecie» (pág. 357).

  1. Pretende o recorrente que recorrente e recorrido ficam, assim, em posição de desigualdade: «o recorrido pode deixar de produzir alegações sem sofrer com a sua inacção nenhuma espécie de consequência processual enquanto idêntica atitude por parte do recorrente leva a que o processomorra, deixando o Tribunal, pura e simplesmente, de apreciar a...

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