Acórdão nº 274/04 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Abril de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Maria dos Prazeres Beleza
Data da Resolução20 de Abril de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 274/2004 Processo n.º 295/03 3ª Secção

Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Acordam, na 3ª Secção

do Tribunal Constitucional:

1. A., impugnou judicialmente “a liquidação e cobrança da ‘taxa municipal de infra-estruturas’ operada pela Câmara Municipal de Baião” (petição de fls. 2), no montante de Esc. 27.960.018$00 (cfr. guia junta a fls. 36), exigida, conjuntamente com a taxa correspondente à “concessão de alvará de loteamento” (cfr. referida guia), como condição do licenciamento do loteamento do prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia de ---------------------- do concelho de ----------------- com o n.º -----------, e respectivas obras de urbanização, e da emissão do correspondente alvará n.º -----/1998, com fundamento na sua ilegalidade.

Por sentença do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto de 17 de Maio de 1999, de fls. 445 e seguintes, a impugnação judicial foi julgada procedente.

Entendeu o Tribunal Tributário de 1ª Instância que “a taxa municipal liquidada à impugnante (e por esta paga) é uma verdadeira taxa (e não um imposto ou contribuição especial)”. No entanto, tendo ficado provado que a Câmara Municipal de Baião “não realizou quaisquer obras de infra-estruturas, nem de beneficiação, respeitantes ao loteamento sub judice”, afirmou-se na sentença mencionada que “não foi respeitada, nesta hipótese, a natureza bilateral ou sinalagmática daquela figura jurídica”. Assim, conclui-se na mesma sentença, “na hipótese vertente, em que todas as obras indispensáveis ao licenciamento do loteamento ficaram a cargo da impugnante, a sua pretensão tem de ser atendida pese embora a constitucionalidade da taxa em análise”.

Quanto à questão de constitucionalidade, a sentença havia considerado que a impugnante carecia de razão quando sustentava a inconstitucionalidade decorrente «da inexistência de norma ou normas habilitantes expressamente referidas no falado regulamento. (...)

É que naquele regulamento consta, de forma explícita, “no uso de competência que está cometida às Câmaras Municipais nos termos da al. a) do nº 3, do art. 51º, do DL nº 100/84, de 28 de Março, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 18/91, de 17 de Junho, elabora-se o presente regulamento que vai ser submetido à Assembleia Municipal para aprovação, nos termos das alíneas a) e l), do nº 2 do art. 39º, do DL nº 100/84,...”.

E, no nº 1, daquele regulamento pode ler-se:

“É aprovada a nova tabela de taxas e licenças municipais a cobrar pela Câmara Municipal de Baião, bem como a respectivo regulamento ... e têm o seu suporte legal na Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro e legislação complementar”.

Assim sendo parece-nos óbvio que não foi violado o nº 7, do art. 115º da Constituição da República Portuguesa, já que se mostra mencionada expressamente, quer a respectiva lei habilitante, quer a lei que se pretende regulamentar. Está, pois, afastada a alegada inconstitucionalidade formal.

E o que dizer da apontada inconstitucionalidade decorrente do facto de as taxas municipais devidas pela realização de infra-estruturas urbanísticas terem de ser criadas por lei, nos termos do nº 2, do art. 103º, da C.R.P., atenta a sua natureza de imposto?

Aqui, neste domínio, existe lei a autorizar os municípios a cobrar taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas ou pela concessão de licenças de loteamento – cfr. o art. 11º da Lei nº 1/87, de 6.1 –, do mesmo modo que a liquidação e cobrança das ditas taxas estão autorizadas pelo art. 32º do DL nº 448/91, de 4 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pelo art. 1º do DL nº 334/95, de 28/12.

Nestes termos é também infundada esta argumentação da impugnante.

Posto isto, importa enfrentar a questão de saber se os Municípios, neste caso, o de Baião, poderá cobrar taxas nos termos do Regulamento aprovado, nas situações em que não há lugar à realização de quaisquer infra-estruturas.

Na hipótese em apreço ficou provado que aquela edilidade não realizou quaisquer obras de infra-estruturas, nem de beneficiação, respeitantes ao loteamento “sub judice”.

Além disso defendemos que a taxa municipal liquidada à impugnante (e por esta paga) é uma verdadeira taxa (e não um imposto ou contribuição especial).

Assim sendo, não foi respeitada, nesta hipótese, a natureza bilateral ou sinalagmática daquela figura jurídica.

E, como já se deixou dito nos termos do art. 47º, do regulamento do Município de Baião, a T.M.I. é devida quando há contraprestação aos particulares, isto é, aquela constitui a contraprestação pelas utilidades prestadas pelo município na realização ou beneficiação das infra-estruturas urbanísticas relativas a operações de loteamento, mormente arruamentos, pavimentações ... .

Tal equivale a dizer que, na hipótese vertente, em que todas as obras indispensáveis ao licenciamento do loteamento ficaram a cargo da impugnante, a sua pretensão tem de ser atendida, pese embora a constitucionalidade da taxa em análise.

Efectivamente a C.M., que não realizou, nem estabeleceu a obrigação de realizar quaisquer obras de infra-estruturas ou de beneficiação, não podia exigir à aqui impugnante quaisquer taxas referentes à denominada T.M.I..

E, na falta de suporte jurídico para a liquidação da T.M.I. no montante de Escudos 27.960.010$00, a mesma é ilegal.

Nestes termos impõe-se anular o acto impugnado, naturalmente, censurável.»

Inconformada, a Câmara Municipal de Baião recorreu para o Tribunal Central Administrativo. Por acórdão de 14 de Novembro de 2000, de fls. 492, foi concedido provimento ao recurso, revogada a sentença recorrida e julgada improcedente a impugnação deduzida, mantendo-se, em consequência, a liquidação da taxa impugnada. O Tribunal Central Administrativo entendeu que, “constituindo a quantia impugnada, devida pelo licenciamento de uma operação de loteamento e das respectivas obras de urbanização, titulado pelo competente alvará emitido pela recorrente a favor da recorrida, uma taxa, que não um imposto ou contribuição especial, e não sendo inconstitucionais as normas regulamentares que a fixaram, não padece de ilegalidade a liquidação impugnada”, nos seguintes termos:

“Começa a recorrente por alegar que a decisão recorrida não teve em consideração toda a matéria de facto carreada para os autos.

Tal alegação não colhe (...).

Levar-se ao probatório que a recorrente já teve de efectuar determinados trabalhos, substituir vários materiais e terá ainda de suportar as despesas do agravamento das circunstâncias criadas pela aprovação e implementação do loteamento era irrelevante para a questão controvertida – a recorrente poderia exigir o pagamento de uma taxa numa situação em que as obras de infraestruturas ficaram a cargo do loteador?

(...) A quantia impugnada foi exigida à ora recorrida, a título de taxa municipal de infraestruturas, como condição do licenciamento dum loteamento e respectivas obras de urbanização e da emissão do correspondente alvará.

Ora, preceituava na altura o art° 11.º da Lei 1/87, de 6/1, nas suas alíneas a) e b), que os municípios podiam cobrar taxas quer pela realização de infraestruturas urbanísticas quer pela concessão de licenças de loteamento.

Por sua vez, no art. 32.° do DL 448/91, de 29/11, que aprova o regime jurídico dos loteamentos urbanos, estabelece-se que a realização de infraestruturas urbanísticas e a concessão do licenciamento da operação de loteamento estão sujeitas ao pagamento das taxas a que se referem as alíneas a) e b) do art. 11.º da Lei 1/87, de 6 de Janeiro, não havendo lugar ao pagamento de quaisquer mais-valias ou compensações, com excepção das previstas no art. 16.º do mesmo DL.

Eram três os argumentos aduzidos pela ora recorrida na impugnação deduzida contra a liquidação de tal taxa pela recorrente: a inconstitucionalidade do regulamento municipal e da tabela de taxas e licenças municipais, ao abrigo dos quais foi a quantia em causa liquidada, a natureza jurídica de tal imposição tributária (contribuição especial ou imposto) e a falta duma contraprestação por parte da recorrente uma vez que foi a impugnante quem ficou de realizar as infraestruturas necessárias à operação de loteamento requerida.

Quanto à apontada inconstitucionalidade, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida ao considerar que a mesma se não verificava, razão por que para os fundamentos nela enunciados a esse propósito se remete, nos termos do n.º 5 do art. 713.º do CPC.

Já no que se refere à natureza jurídica da quantia exigida à recorrida não obstante na sentença recorrida se ter qualificado a mesma como uma verdadeira taxa, e não um imposto ou contribuição especial, concluiu-se que, no caso em apreço, por não se mostrar respeitada a natureza bilateral ou sinalagmática daquela figura jurídica, não poderia aquela ser exigida.

É neste ponto que não podemos acompanhar, porém, a decisão sob recurso.

Na verdade, se se entende que falta a natureza bilateral ou sinalagmática característica da taxa à quantia impugnada então não poderá classificar-se esta como uma verdadeira taxa mas sim como um imposto.

Com efeito, o Tribunal Constitucional, na esteira de alguma doutrina (v. Teixeira Ribeiro, in RLJ 117, p. 289, e Sousa Franco, in Finanças Públicas e Direito Financeiro, T. 1, p. 33) tem entendido que, quando em causa se encontra uma situação de remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte dos particulares, relativamente proibida, a prestação que acompanha a licença só poderá configurar-se como taxa se com a dita remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semipúblico ( ou colectivo ), pois, de contrário, haverá imposto somente dimanável de lei formal, a cujas características não respondem os regulamentos municipais (v. Acs. 558/98, de 29/9/98, in DR 261, II Série, de 11/11/98, p. 16046, e 63/99, de 2/2/99, in DR 76, II Série, de 31/3/99, p. 4769).

Todavia, tal entendimento não corresponde à distinção entre taxa e imposto preponderante na doutrina especializada em direito fiscal (v. Alberto...

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