Acórdão nº 256/04 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Abril de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Mário Torres
Data da Resolução14 de Abril de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 256/2004

Processo n.º 674/02

  1. Secção

Relator: Conselheiro Mário Torres

(Cons. Paulo Mota Pinto)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

1. Relatório

A., propôs, no Tribunal do Trabalho da Comarca de Cascais, contra B., “acção emergente de contrato de trabalho, sob a forma ordinária”, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe 3 700 000$00, a título de indemnização por lucros cessantes, e 50 000 000$00, a título de indemnização por violação do pacto de não concorrência contratualmente ajustado entre as partes, acrescendo a essas quantias juros de mora, à taxa legal, a partir da citação. Para tanto alegou, em síntese, que: (i) o réu foi admitido ao seu serviço em 15 de Setembro de 1997, tendo sido contratualmente estabelecido o regime de exclusividade na prestação da actividade do último, obrigando-se ainda o réu, nos dois anos subsequentes à cessação, por qualquer motivo, do contrato, a não prestar os seus serviços profissionais por conta própria ou de outrem, directa ou indirectamente, a entidades que fossem concorrentes ou fornecedores da autora, estipulando-se uma cláusula penal no valor de 50 000 000$00, a pagar pelo réu, caso este incumprisse a obrigação assumida de não concorrência; (ii) em 14 de Janeiro de 1999, o réu rescindiu o vínculo laboral; (iii) porém, ainda na vigência do contrato, negligenciou o cumprimento das suas funções, o que acarretou, como consequência directa, a perda de um cliente, deixando a autora de auferir 3 700 000$00, a título de lucros cessantes; (iv) por outro lado, após a cessação do contrato, o réu começou a laborar para uma sociedade concorrente da autora, violando o pacto de não concorrência, tornando-se assim responsável pelo pagamento do valor estipulado na aludida cláusula penal.

O réu contestou, propugnando a improcedência da acção, porquanto: (i) não teve qualquer responsabilidade nos lucros cessantes invocados; (ii) após a cessação do contrato, apenas lhe foi possível encontrar trabalho na área que conhece; (iii) é inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 36.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (doravante designado por LCT), por violação do disposto nos artigos 47.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (doravante designada por CRP), que consagra a liberdade de escolha da profissão e o direito ao trabalho, que são direitos indisponíveis; (iv) de qualquer modo, não foram cumpridos os condicionalismos impostos pelo artigo 36.º, n.º 2, da LCT, já que não foi prevista retribuição a auferir durante o período de limitação de actividade, pelo que não tem de pagar a reclamada indemnização de 50 000 000$00 prevista na cláusula penal para o caso de incumprimento da obrigação de não concorrência.

Por sentença de 5 de Dezembro de 2001, o Tribunal do Trabalho de Cascais julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o réu dos pedidos. Quanto ao pedido de indemnização por lucros cessantes, considerou-se que a não conclusão do negócio em causa não era imputável ao réu. Quanto ao pedido fundado em alegada violação do pacto de não concorrência, a sentença começou por considerar provados os seguintes factos:

“A) A autora é uma sociedade comercial que se dedica à venda e comercialização de materiais de construção;

B) O réu foi admitido ao serviço da autora, por tempo indeterminado, para trabalhar sob as suas ordens, direcção e fiscalização, como vendedor, nos termos do acordo escrito junto por cópia a fls. 11 a 17 (...);

C) Nos termos desse acordo, ficou estabelecido que o réu prestaria a sua actividade para a autora em regime de exclusividade;

D) Mais ficou acordado na cláusula 6.ª que «o segundo contratante [ora réu] compromete-se a não prestar os seus serviços profissionais, por conta própria e/ou de outrem, directa e/ou indirectamente, a entidades que sejam concorrentes da primeira contratante ou a entidades fornecedoras desta última, durante um prazo de 2 (dois) anos a contar da cessação, por qualquer motivo, do presente contrato de trabalho»;

  1. Nos termos da mesma cláusula 6.ª, ficou ainda estipulado que «fica entendido que a retribuição que o segundo contraente irá auferir ao abrigo deste contrato de trabalho inclui já uma compensação pela obrigação aqui assumida pelo mesmo»;

  2. No n.º 2 da mesma cláusula 6.ª mais ficou estipulado que «em caso de incumprimento da obrigação prevista no número anterior [alíneas D) e E)], o segundo contraente pagará à primeira contraente a quantia de Esc. 50 000 000$00 (cinquenta milhões de escudos)»;

  3. O réu remeteu à autora, que o recebeu, o escrito junto por cópia a fls. 38 (...), comunicando-lhe a rescisão do vínculo laboral a partir de 5 de Fevereiro de 1999;

  4. A autora remeteu ao réu, que o recebeu, o escrito junto por cópia a fls. 19 (...), comunicando-lhe, além do mais, a sua autorização para cessar as suas funções a partir de 14 de Janeiro de 1999, data em que cessou o vínculo laboral entre as partes;

(...)

K) O réu encontra-se presentemente a exercer funções de técnico comercial na sociedade C.;

L) A qual é concorrente directa da autora;

(...)

T) Após a rescisão do vínculo laboral, o autor apenas conseguiu encontrar trabalho na área que conhece, que é a da venda e comercialização de materiais de construção.”

após o que desenvolveu a seguinte fundamentação jurídica:

“Reclama também a autora o pagamento de uma indemnização de 50 000 000$00, contratualmente acordada, por violação do pacto de não concorrência, estabelecido entre as partes.

Nos termos do n.º 2 do artigo 36.º da LCT, «é lícita, porém, a cláusula pela qual se limite a actividade do trabalhador no período máximo de três anos subsequentes à cessação do contrato, se ocorrerem cumulativamente as seguintes condições: a) Constar tal cláusula, por forma escrita, do contrato de trabalho; b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo à entidade patronal; c) Atribuir-se ao trabalhador uma retribuição durante o período de limitação da sua actividade (...)» [sublinhado acrescentado].

No caso vertente, as partes estabeleceram uma cláusula de não concorrência, após a cessação do contrato de trabalho, pelo período de dois anos. E ficou provado que, após a rescisão, ocorrida em 14 de Janeiro de 1999, o réu encontrava-se a exercer funções de técnico comercial numa empresa que é concorrente directa da autora.

Invoca, no entanto, o autor a inconstitucionalidade do n.º 2 do citado artigo 36.º da LCT.

E – adianta-se – entendemos que lhe assiste razão, na medida em que tal norma viola o disposto nos artigos 47.º, n.º 1, e 58.º, n.º 1, da Constituição, que aí consagra a liberdade de escolha da profissão e o direito ao trabalho.

Essa norma – n.º 2 do artigo 36.º da LCT – está ferida de inconstitucionalidade material, pelo que não a aplico (cf. artigo 204.º da CRP).

De qualquer forma, e ainda que se concluísse pela constitucionalidade do referido preceito, sempre haveria que concluir-se pela não verificação do requisito da alínea c) do n.º 2 do artigo 36.º, já que sempre se imporia a atribuição de uma retribuição concretamente definida e individualizada com referência ao período de não concorrência ajustado entre as partes e que não se basta pela alusão, feita na cláusula 6.ª do contrato de trabalho, a que a retribuição paga na vigência do contrato «inclui já uma compensação pela obrigação aqui assumida (...)».

Daqui conclui-se que o réu não está obrigado a pagar à autora a quantia por esta reclamada, a título de cláusula penal.”

Contra esta sentença foram interpostos dois recursos:

– um, pelo Ministério Público, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 70.º, n.º 1, alínea a), 72.º, n.ºs 1, alínea a), e 3, e 78.º, n.º 4, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), visando a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 36.º, n.º 2, da LCT;

– outro, pela autora, para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo por objecto a parte da sentença que julgou improcedente o pedido de indemnização por incumprimento do pacto de não concorrência, sustentando a apelante, na motivação desse recurso, quer o cumprimento, na cláusula 6.ª do contrato de trabalho, de todos os requisitos exigidos pelo artigo 36.º, n.º 2, da LCT, quer a não inconstitucionalidade desta norma.

O juiz a quo admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional e relegou para momento ulterior, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LTC, a apreciação do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Recebidos os autos no Tribunal Constitucional, foi determinada a produção de alegações, tendo o representante do Ministério Público finalizado as por si apresentadas com a formulação das seguintes conclusões:

1 Ocorre manifesta inutilidade no conhecimento da questão de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
5 temas prácticos
  • Acórdão nº 1347/15.7T8PNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Dezembro de 2015
    • Portugal
    • 16 de dezembro de 2015
    ...demais pelo seu especial contacto com a clientela ou acesso a informações confidenciais”, ou, como é expresso no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 256/2004, de 14/04/2004 já referenciado, «[n]ão basta o prejuízo comum de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra emp......
  • Acórdão nº 09S0625 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010
    • Portugal
    • 1 de março de 2010
    ...as cláusulas de exclusividade e pacto de não concorrência não são inconstitucionais, tal como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2004, de 14/04/2004 – que se dá aqui por integralmente reproduzido –, na senda da doutrina maioritária e da jurisprudência constante d......
  • Acórdão nº 09S0625 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2009
    • Portugal
    • 10 de dezembro de 2009
    ...as cláusulas de exclusividade e pacto de não concorrência não são inconstitucionais, tal como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2004, de 14/04/2004 – que se dá aqui por integralmente reproduzido –, na senda da doutrina maioritária e da jurisprudência constante d......
  • Acórdão nº 09S0625 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009
    • Portugal
    • 15 de dezembro de 2009
    ...as cláusulas de exclusividade e pacto de não concorrência não são inconstitucionais, tal como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2004, de 14/04/2004 – que se dá aqui por integralmente reproduzido –, na senda da doutrina maioritária e da jurisprudência constante d......
  • Peça sua avaliação para resultados completos
5 sentencias
  • Acórdão nº 1347/15.7T8PNF.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 16 de Dezembro de 2015
    • Portugal
    • 16 de dezembro de 2015
    ...demais pelo seu especial contacto com a clientela ou acesso a informações confidenciais”, ou, como é expresso no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 256/2004, de 14/04/2004 já referenciado, «[n]ão basta o prejuízo comum de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra emp......
  • Acórdão nº 09S0625 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 01 de Março de 2010
    • Portugal
    • 1 de março de 2010
    ...as cláusulas de exclusividade e pacto de não concorrência não são inconstitucionais, tal como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2004, de 14/04/2004 – que se dá aqui por integralmente reproduzido –, na senda da doutrina maioritária e da jurisprudência constante d......
  • Acórdão nº 09S0625 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Dezembro de 2009
    • Portugal
    • 10 de dezembro de 2009
    ...as cláusulas de exclusividade e pacto de não concorrência não são inconstitucionais, tal como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2004, de 14/04/2004 – que se dá aqui por integralmente reproduzido –, na senda da doutrina maioritária e da jurisprudência constante d......
  • Acórdão nº 09S0625 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Dezembro de 2009
    • Portugal
    • 15 de dezembro de 2009
    ...as cláusulas de exclusividade e pacto de não concorrência não são inconstitucionais, tal como se decidiu no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 256/2004, de 14/04/2004 – que se dá aqui por integralmente reproduzido –, na senda da doutrina maioritária e da jurisprudência constante d......
  • Peça sua avaliação para resultados completos

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT