Acórdão nº 229/04 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Março de 2004

Magistrado ResponsávelCons. Fernanda Palma
Data da Resolução31 de Março de 2004
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 229/2004

Processo n.º 541/2003

  1. Secção

Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I

Relatório

  1. A companhia de seguros A., foi condenada, em acção de indemnização contra si instaurada, a pagar aos autores uma indemnização de 9.625.000$00 (48.009,29 euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que o autor e o seu filho sofreram, em consequência da morte da esposa e mãe, resultante de acidente de viação. Logo na contestação, a ré arguiu a inconstitucionalidade da presunção de culpa prevista no artigo 503º, nº 3, do Código Civil, quando interpretado de acordo com a doutrina do Assento de 14 de Abril de 1983, por violação do princípio da igualdade.

    Tanto a ré como os autores apelaram para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, no seu acórdão de 28 de Novembro de 2002, concedeu provimento ao recurso dos autores, condenando a seguradora ré a pagar aos autores a importância de 115.623,50 euros, com os respectivos juros calculados nos termos da sentença de primeira instância.

    Inconformada, a ré recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de revista, concluindo, no que ao juízo de constitucionalidade importa:

    1 - Foi a falecida B. que deu causa ao acidente, violando o dever específico estabelecido no art. 103, nº 2, do Cód. Estrada e o dever geral de prudência e cuidado imposto pelo art. 487 do Cód. Civil.

    2 - A interpretação do art. 503, nº 3, do Cód. Civil, nos termos do Assento de 14-4-83, segundo a qual nele se estabeleceria uma presunção de culpa do condutor por conta de outrem a favor do lesado, é inconstitucional, por descriminar e tratar desigualmente os condutores por conta de outrem, em relação aos condutores por conta própria.

    3 - Ao decidir com base na presunção de culpa, o Acórdão recorrido violou não só o citado art. 503, nº 3 do C.C., como os arts 8, nº 3 e 9, nº 1, do mesmo diploma e ainda os arts 12 e 13 da Constituição da República .

  2. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Maio de 2003, negou a revista, fundamentando o seu juízo, no que à questão de constitucionalidade diz respeito do seguinte modo:

    Com efeito, perante os factos provados, não foi possível apurar-se culpa efectiva, quer da falecida B., quer do condutor do veículo -----------.

    Mas este responde pelos danos causados, a título de culpa presumida, por ser condutor por conta de outrem, sem ter logrado provar que não houvesse culpa da sua parte, nos termos do art. 503, nº 3, do C.C., na interpretação do citado Assento de 14-4-83, e se mostrar tipificada uma relação de comissão, nos termos do art. 500, nº 1, do mesmo diploma, entre a dona do veículo e o condutor do mesmo .

    Por sua vez, o princípio da igualdade reclama que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate diferentemente o que for dissemelhante .

    Não proíbe que se estabeleçam distinções, mas tão só que elas sejam arbitrárias ou irrazoáveis, porque carecidas de suporte ou fundamento material bastante .

    Como se decidiu no Acórdão n° 226/92, do Tribunal Constitucional de 17-6-92 (Bol. 418-420), "a norma do art. 503, nº 3, do C.C., na interpretação do Assento de 14-4-83 - segundo a qual a primeira a parte do nº 3, do mesmo artigo estabelece uma presunção de culpa do condutor do veículo por conta de outrem pelos danos que causar, aplicável nas relações entre ele, como lesante, e o titular ou titulares do direito à indemnização - não viola o princípio da igualdade, pois há sólidas razões para a distinção que, quanto à prova da culpa, a lei estabelece entre o condutor por conta de outrem e o condutor por conta própria de um veículo, que interveio num acidente de viação de que resultaram danos para terceiros: há na condução por conta de outrem um perigo sério de afrouxamento na vigilância do veículo; há o perigo de fadiga dos condutores; sendo estes, por via de regra, condutores profissionais deve exigir-se-lhes perícia especial na condução e podem mais facilmente elidir a presunção de culpa com que a lei os onera; esta presunção, aliada à responsabilidade solidária que recai sobre o comitente, estimula a realização do seguro da responsabilidade civil em termos que cubram todo o montante da indemnização a que possam ser sujeitos".

    No mesmo sentido da constitucionalidade da norma se pronunciam a doutrina e a jurisprudência uniformes do Tribunal Constitucional e deste Supremo Tribunal de Justiça (Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, 8ª ed., pág. 674; Ac. Trib. Constitucional de 28-1-93, Bol. 423-138; Ac. S.T.J. de 10-11-89, Bol. 391-580; Ac. S.T.J. de 31-3-93, Bol. 425-544; Ac. S.T.J. de 26-93, Bol. 428-540).

  3. É deste acórdão que vem o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.

    Pela recorrente foram produzidas alegações no Tribunal Constitucional, que concluiu do seguinte modo:

  4. Porque está provado que a atropelada circulava pelo lado direito da estrada, atento o sentido em que seguia e seguia também o veículo, de noite, em que chovia e utilizava guarda chuva, sem assinalar a sua...

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