Acórdão nº 708/05 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Dezembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Gil Galvão
Data da Resolução14 de Dezembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 708/2005

Processo n.º 557/05

  1. Secção

    Relator: Conselheiro Gil Galvão

    Acordam, na 3ª secção do Tribunal Constitucional:

    I - Relatório

    1. Por decisão da 17ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, de 26 de Novembro de 2004, foi indeferida a reclamação das contas de custas elaboradas a fls. 1897 e 1899 (que fixou a responsabilidade da ora recorrente, A.,Lda., no total de 80.834,79 €) e a fls. 1899 e 1900 (que fixou a sua responsabilidade da recorrida em 26.064,33 €).

    2. Notificada desta decisão a reclamante recorreu dela para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, a concluir a sua alegação, formulado as seguintes conclusões:

  2. Vem o presente Recurso de Agravo interposto do despacho de fls. 1930 e 1931 dos autos, que indeferiu a reclamação contra a conta de custas.

  3. Em 1991 a previsão do custo máximo de custas em caso de decaimento total era de € 24.161,77.

  4. A aplicação à presente acção das alterações ao regime das custas operada com o D.L. n° 224-A/96, de 26 Novembro, resultou num agravamento das custas totais em 342%, tendo sido apurado um montante global de custas de € 106.899,12 (sendo a responsabilidade por € 80,834,79 atribuída à Recorrente).

  5. Este substancial aumento não pode deixar de ser qualificado de injustificado e inconstitucional, porquanto as decisões do legislador sobre matérias de custas deverão ter-se por inconstitucionais quando estipulem um aumento tão acentuado que seja susceptível de ferir as expectativas dos litigantes de uma forma opressiva e demasiado acentuada que viole a confiança que lhes é legítimo depositar no legislador - o que é o caso. Na verdade,

  6. Do confronto entre as verbas que seriam liquidadas nos presentes autos à luz do CCJ de 1962 (na redacção em vigor à data da propositura da acção) e as que efectivamente - foram apuradas por via do CCJ de 1996, aplicável por força do artigo 4 ° do DL n° 224A/96, de 26 de Novembro, resulta que não só a expectativa originária da A. em matéria de custas foi afectada, como a sua expressão se revela acentuadamente desfavorável, concretizando-se a dívida de custas em números que o interesse público que motivou a alteração normativa certamente não terá pretendido dar cobertura,

  7. O que põe em causa o princípio da confiança e o do Estado Democrático plasmado no artigo 2 ° da CRP. Destarte,

  8. O referido artigo 4 ° do DL n° 224-A/96, de 26 de Novembro, disposição que manda aplicar o Código das Custas Judiciais de 1996 à presente acção, é inconstitucional, assim devendo ser julgado, e em consequência,

  9. Deverá a conta de custas dos presentes autos ser reformada de forma a, na sua elaboração, se atender à legislação afastada através da aludida norma inconstitucional. Ainda que assim não se entenda, e sem conceder, sempre se dirá que,

  10. O valor da acção nos presentes autos é, nos termos do critério constante dos artigos 5° n° 4 do CCJ e 306 n° 2 do C PC, de € 1.591.167,90, aí compreendidos os valores de capital peticionados (pedidos principais de A. e RR.) e ainda o valor dos juros vencidos, respectivamente, até à data da petição inicial e à data da dedução da reconvenção.

  11. A norma do no n ° 4 do artigo 53° do CCJ é uma regra de contagem que não deve prevalecer face ao critério determinado nos referidos artigos 5° nº 4 do CCJ e 306 n° 2 do CPC.

    l1ª Além do mais, a norma do no n° 4 do artigo 53° do CCJ é inconstitucional.

  12. A consideração dos juros vencidos na pendência da acção para efeitos de determinação do valor tributário da causa levaria a que a morosidade da Justiça consubstanciasse para as partes um encargo acrescido (nas custas a suportar), o que viola flagrantemente o direito de acesso aos tribunais, condensado no artigo 20° n° 1, na sua vertente do direito de obter uma solução num prazo razoável, bem como o direito à igualdade, plasmado no artigo 13°, ambos da CRP. Com efeito,

  13. Se o cidadão tem direito, constitucionalmente consagrado, a uma justiça célere, por maioria de razão terá direito a não ser prejudicado pelas demoras processuais, como que ocorreu nos presentes autos. Na verdade,

  14. A decisão final do STJ transitou em julgado em 15.03.2001, e a conta apenas foi elaborada em finais de 2004, i.e. volvidos três anos.

  15. Na elaboração da conta a Senhora Contadora considerou, com fundamento no n° 4 do artigo 53° do CCJ na redacção do DL n° 224-A/96, de 26 de Novembro, não só os juros vencidos na pendência da acção, como também os juros "vencidos " entre a data do trânsito em julgado da sentença e o momento da elaboração da conta (mais de três anos).

  16. A interpretação e aplicação do n° 4 da artigo 53° do CCJ nos termos referidos é, assim, inconstitucional por violação do artigo 20° da CRP.

  17. Ainda que não fosse julgado inconstitucional o n° 4 do artigo 53.º do CCJ de 1996, não poderiam, ainda assim, ser - como foram - considerados os juros vencidos após o trânsito em julgado da decisão, já que o aludido n° 4 do artigo 53°, na redacção em questão, refere expressamente a contagem dos juros "que se vencerem na pendência da causa “- o que não é o caso.

  18. A norma do n° 4 do artigo 53° do CCJ de 1996 é igualmente inconstitucional por violação do artigo 13° da CRP, já que,

  19. Por força da interpretação e aplicação do preceito feita na elaboração da conta e subscrita no despacho sub judice, dois processos com o mesmo valor, que tenham dado entrada na mesma data, poderão dar origem a contas de custas totalmente distintas, apenas pelo facto de terem diferentes durações.

  20. O legislador já reconheceu, no DL n° 324/2003, de 27 de Dezembro, o tratamento desigual que a aplicação do referido preceito do CCJ originava, e também que .a mesma implicava a" repercussão no cidadão dos efeitos da morosidade da Justiça.

  21. Por essas razões, o referido DL n° 324/2003, de 27 de Dezembro, revogou o n° 4 do artigo 53° do CCJ.

  22. Ao indeferir a reclamação das contas apresentada pela A., o Mmo. Juiz a quo fez inconstitucional interpretação e aplicação do disposto nos artigos 5° n° 4 e 53° n° 4° do CCJ e 306° n° 2 do CPC, pelo que o despacho recorrido não pode deixar de ser revogado e substituído por outro que julgue a referida reclamação procedente.

  23. E consequentemente, a conta deverá ser elaborada tomando em consideração apenas o valor da causa, de acordo com o critério dos artigos 5° nº 4 do CCJ e 306° nº 2 do CPC, i.e., atendendo apenas ao valor dos pedidos iniciais, sem consideração dos juros vencidos na pendência da acção, e muito menos dos vencidos após o trânsito em julgado e até ao momento da elaboração da conta, e,

  24. Deverá tomar-se em consideração para efeitos do apuramento do valor das custas a legislação em vigor no momento da propositura da acção. Ainda que assim se não entenda, e sem conceder,

  25. Mesmo que se julgasse não estar ferido de inconstitucionalidade o referido n° 4 do artigo 53 do CCJ; não poderia, ainda assim, aplicar-se esse preceito na elaboração das contas de custas nos presentes autos, pois,

  26. É inconstitucional a norma do artigo 14° do D.L. n° 324/2003, de 27 de Dezembro, na parte em ,que determina que a alteração que introduziu ao artigo 53° do CCJ (designadamente a revogação do seu n° 4) só se aplica aos processos instaurados após 1 de Janeiro de 2005.

  27. Atentas as razões que levaram à revogação do n° 4 do artigo 53° do CCJ; não poderia deixar de se aplicar a nova redacção do aludido preceito legal a todos os processos, sob pena de se estar, injustificadamente, a tratar de forma diferente o que é igual (sendo certo que o legislador já admitiu que o regime anterior criava, também, injustificadas desigualdades entre os cidadão e neles fazia repercutir a morosidade da justiça e era, além disso, muito mais penalizante para as partes).

  28. Ao não contemplar como imediatamente aplicável a todos os processos, incluindo ao presente, a revogação do n° 4 artigo 53° do CCJ; o artigo 14° do D.L. n° 324/2003, de 27 de Dezembro, é inconstitucional por violação o princípio da igualdade (art. 13 ° da CRP), assim devendo ser julgado,

  29. E consequentemente, aplicar-se na elaboração da conta dos presentes autos a actual redacção do artigo 53° do CCJ.

    1. O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 28 de Abril de 2005, julgou improcedente o recurso, “alterando a decisão de fls. 1930 e 1931 apenas quanto à data de referência para contagem dos juros vencidos, fixando-a agora na do trânsito em julgado do Acórdão do S.T.J (15.3.2001)”. Para concluir dessa forma escudou-se, designadamente no que se refere às alegadas inconstitucionalidades, na seguinte fundamentação:

      “[...] Antes de mais, há que vincar que os juros considerados na elaboração da conta foram tão somente os vencidos até 18.4.2001 e não até à data da elaboração da conta 24.9.2004. O trânsito em julgado da sentença que justificou e fundou a conta impugnada tinha ocorrido, como se viu, em 15.3.2001.

      [...]

      Passando à questão das diversas inconstitucionalidades.

      A recorrente arguiu a decisão recorrida de ter violado os princípios constitucionais da confiança, da igualdade e do acesso à justiça (respectivamente arts 2, 13 e 20 da CRP).

      Da confiança, por a redacção introduzida ao art 53 do CCJ pelo DL 224-A/96 ter agravado desmesuramente as custas que com a anterior redacção confiadamente se previa vir a pagar .

      Da igualdade das partes, por a nova redacção do art 53, com o acrescento do teor inserto no n° 4, levar a que processos como o mesmo valor venham a ser tributados diferentemente só porque factores de morosidade estranhos às partes levaram a durações muito distintas. E também, por o disposto no art 14 do DL 324/03, que mandou aplicar o CCJ, com a nova redacção que lhe fixou, só aos processos instaurados a partir de 1.1.2004, levar ao favorecimento da situação tributária destes em detrimento dos anteriores.

      Finalmente, do acesso à justiça, por a morosidade da justiça consubstanciar para as partes um encargo acrescido (nas custas a suportar).

      Começando por esta última questão, justifica-se que volte a referir-se que no caso não ocorreu a demora imputável aos serviços da...

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