Acórdão nº 639/05 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução16 de Novembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 639/2005

Processo n.º 189/2005

  1. Secção

Relator: Conselheiro Bravo Serra

1. Pelo Tribunal do Trabalho do Barreiro intentaram A., B., C., D., E., F., G., H., I., J., K., L., M., N., O., P., Q., R., S., T., U., W., X., W. (posteriormente falecido, intervindo nos autos, como habilitados, Y. e Z.), AA., BA., CA., DA., EA., FA., GA., HA., IA., JA., KA., LA., MA., NA., AO., PA., QA., RA., SA., TA., UA. e WA., contra XA., S.A., acção, seguindo a forma de processo comum, solicitando a condenação da ré a pagar-lhes determinadas importâncias, que discriminaram, que lhes seriam devidas a título de diuturnidades de antiguidade e de diferença de subsídio de alimentação e, bem assim, de montantes, cujo quantitativo se apuraria em execução de sentença, que igualmente lhes seriam devidos a título de remuneração de trabalho em dias de descanso semanal, obrigatório e complementar, de trabalho suplementar, de descanso compensatório por trabalho suplementar efectuado em dias de descanso e de trabalho nocturno, de complemento de subsídio de doença profissional ou acidente de trabalho, de subsídio de antecipação e prolongamento, de subsídio de medicamentos, de subsídio de livros escolares e de compensação por mudança de turno.

Invocaram, para tanto, em síntese, que, tendo a ré tido a sua génese na QUIMIGAL, E.P., que, por via do Decreto-Lei nº 25/89, de 20 de Janeiro, foi transformada na QUIMIGAL, S.A., a qual, por sua vez, foi «desmembrada», dando origem a várias empresas, entre as quais a aludida ré, aos trabalhadores desta eram de aplicar as regras do Acordo de Empresa QUIMIGAL, E.P., publicado no nº 7 do Boletim do Trabalho e Emprego, de 22 de Fevereiro de 1986, Acordo esse que, por via de certas cláusulas, lhes conferiria o direito às importâncias reclamadas e que a ré se recusava a pagar, pretextando que tal Acordo não era aplicável.

Tendo, por sentença proferida em 23 de Agosto de 2002, sido entendido ser aplicável à relação laboral entre as partes o Acordo de Empresa QUIMIGAL, E.P., e, em consequência, julgada procedente a acção e o pedido reconvencional nela formulado pela ré, sendo relegado para execução de sentença o apuramento dos quantitativos devidos aos autores, apelaram autores e a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 15 de Outubro de 2003, negou ambos os recursos.

De novo inconformada pediu a ré revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

Na alegação adrede produzida, para o que ora releva, a ré formulou as seguintes «conclusões»: -

“...............................................................

9.) - O art. 6º. nº 2, do Dec. Lei nº 25/89, teve como objectivo determinar e apontar, de forma inequívoca, que os trabalhadores passavam, automaticamente, para as novas empresas resultantes da Quimigal, SA, não havendo lugar a qualquer outra solução alternativa, designadamente, a que consta da parte final do nº 1 do art. 37º da L.C.T.

10.) - E transitavam sujeitos às regras estabelecidas na legislação aplicável, o art. 37º da L.C.T. no que respeita aos aspectos individuais e o art. 9º do Dec. Lei nº 519-C-1/79 no que respeita à regulamentação das relações colectivas de trabalho;

11.) - Portanto, a douta decisão recorrida, ao decidir pela sobrevigência do AE/Quimigal, errou na interpretação do nº 2 do art. 6º do Dec. Lei nº 25/89 e violou o disposto no art. 37º da L.C.T. e art. 9º do Dec. Lei nº 519-C-1/79, este último com a redacção que detinha ao momento da privatização da Recorrente;

12.) - Sendo o processo de privatização da Quimigal, SA, a via política encontrada para viabilizar e assegurar a continuidade desta empresa, através da sua divisão em actividades autónomas e com maior capacidade, seria contra-natura que se pretendesse sujeitar as novas empresas a um AE/Quimigal perfeitamente desajustado e que havia sido pensado e negociado para vigorar numa estrutura empresarial gigantesca e multifacetada;

13.) - Não se pode conceber, perante propósito tão claro e importante, que o legislador quisesse a sobrevigência do AE/Quimigal pondo em causa a viabilidade das novas empresas que consubstanciavam a continuidade da Quimigal, SA;

14.) - E, na verdade, embora não sendo legítimo procurar interpretar o Dec. Lei nº 25/89 com a al. c) do nº 1 do art. 296º da Constituição da República Portuguesa e a Lei-Quadro das Privatizações, designadamente o seu art. 19º, porque posteriores, o que é certo é que estas mesmas disposições legais jamais permitem a conclusão a que chega a decisão recorrida;

15.) - Quer o legislador constitucional, quer o legislador ordinário, apenas pretendem assegurar a neutralidade do processo de reprivatização em relação aos trabalhadores envolvidos, em qualquer fase do processo, mantendo os seus direitos e obrigações, mas não lhes concedendo novos direitos;

16.) - Nenhuma razão política ou social, nenhum factor legitimador, permite a conclusão da decisão recorrida de que os trabalhadores das empresas privatizadas têm mais um direito que todos os restantes trabalhadores – o direito ao IRCT aplicável no momento da privatização;

17.) - Logo, ao interpretar dessa forma o nº 2 do art. 6º do Dec. Lei nº 25/89, estaria este ferido de inconstitucionalidade material por violar o princípio da igualdade e não discriminação consagrado no art. 13º da Constituição da República;

18.) - Por outro lado, a interpretação do já citado art. 6º. nº 2, do Dec. Lei nº 25/89 feita no acórdão recorrido, que manteve a decisão de primeira instância recorrida, acaba por interferir na conformação do direito à contratação colectiva, originando, ainda um desequilíbrio injustificado no âmbito do exercício do direito à autonomia colectiva;

19.) Como já se demonstrou o direito à contratação colectiva é um direito fundamental dos trabalhadores, pelo que qualquer alteração à sua forma ou ao seu conteúdo é matéria que não é da competência do Governo, sendo certo que o Dec. Lei nº 25/89 emanou do exercício da competência do Governo e não ao abrigo de qualquer autorização legislativa da Assembleia da República;

20.) - Logo, a interpretação do art. 6º, nº 2 do Dec. Lei nº 25/89, que o acórdão recorrido consagra, implicaria a inconstitucionalidade orgânica desta disposição legal, por violação do disposto nos arts. 57º, nº 3 e 168º nº 1 al. b) da Constituição da República na versão de 1982, hoje artºs. 56º, nº 3 e 165º, nº 1. al. b).

................................................................”

O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 15 de Fevereiro de 2005, negou a revista.

Nesse aresto, e quanto à questão de saber se à relação entre as «partes» era aplicável o Acordo de Empresa da Quimigal, foi retomado o entendimento perfilhado pelo acórdão uniformizador de jurisprudência nº 1/2000, de 16 de Dezembro de 1999, publicado na I Série-A do Diário da República de 2 de Fevereiro de 2000, entendimento esse segundo o qual o artº 6º do Decreto-Lei nº 25/89 veio estabelecer um regime especial para salvaguarda de todos os trabalhadores envolvidos no processo de privatização da QUIMIGAL, E.P., que se sobrepõe ao regime geral constante do artº 9º da LRCT aprovada pelo Decreto-Lei nº 519-C-1/79, de 29 de Dezembro, regime esse que não era aplicável aos casos de reprivatização de empresas públicas e por via do qual se visou assegurar aos trabalhadores transferidos para as empresas a criar pela cisão da QUIMIGAL, S.A., a manutenção de todos os direitos e regalias de que eram titulares na QUIMIGAL, E.P., independentemente de terem como fonte a lei, o contrato individual de trabalho ou a convenção colectiva, sendo que a introdução da alínea c) do nº 1 do artigo 296º da Constituição, ao prescrever que os trabalhadores das empresas objecto de reprivatização manterão no processo de reprivatização da respectiva empresa todos os direitos e obrigações de que forem titulares, visou afirmar a peculiaridade do processo de reprivatização, com o fim de impedir o retrocesso social desses trabalhadores, resultado que só seria conseguido se se entendesse que no bloco de direitos e obrigações da titularidade dos trabalhadores transferidos para as empresas criadas a partir da QUIMIGAL, S.A., estava integrado o acordo de empresa que vinculava a QUIMIGAL, E.P., sob pena de ficar defraudado o objectivo daqueles artº 6º e alínea b) do nº 1 do artigo 289º.

E, enfrentando as questões da invocada ofensa do princípio da igualdade, e de inconstitucionalidade orgânica, concluiu o acórdão: –

- quanto ao primeiro vício, que o mesmo se não deparava, pois que “ao estipular-se a manutenção dos direitos, obrigações e regalias dos trabalhadores, ... , está-se a tratar de forma igual todos os trabalhadores transferidos para as empresas criadas a partir da cisão da Quimigal, S.A.,”, não se podendo “afirmar a existência de uma discriminação desses trabalhadores das empresas privatizadas em relação aos restantes trabalhadores em geral, pois, ... , nada impede que razões objectivas determinem a diferença de tratamento em relação àqueles trabalhadores, quando o próprio ordenamento constitucional lhes salvaguardou – nas empresas objecto de reprivatização – , a manutenção dos direitos e obrigações de que era, titulares”;

- pelo que tange ao segundo vício, que, identicamente, o mesmo se não vislumbrava, já que “não se verifica qualquer limitação ao direito de contratação colectiva, mas sim o que está em causa com a aludida interpretação do art. 6º do DL n.º 25/89, é a manutenção dos direitos, obrigações e regalias dos trabalhadores constantes de um acordo de empresa”, nada impedindo “a substituição desse acordo de empresa por outro instrumento de regulamentação colectiva; isto é, da interpretação do art. 6º do DL n.º 25/89, não resulta a manutenção, indefinidamente, dos direitos e obrigações constantes do AE/Quimigal, antes é imposto um limite a tal vigência, até que o AE seja substituído por outro instrumento de regulamentação colectiva.

Aliás, não deixa de existir o direito à contratação colectiva pela circunstância de se...

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