Acórdão nº 615/05 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Bravo Serra
Data da Resolução10 de Novembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 615/2005

Processo n.º 623/2005

  1. Secção

Relator: Conselheiro Bravo Serra

1. Em 26 de Setembro de 2005 o relator proferiu decisão com o seguinte teor: –

“1. Em 12 de Outubro de 1998 interpôs A. perante o Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra recurso contencioso de anulação do acto praticado em 13 de Agosto de 1998 pela Comissão de Inscrição da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas e por via do qual foi recusada a inscrição do recorrente em tal Associação.

Tendo, por sentença proferida em 25 de Março de 1999 pelo Juiz daquele Tribunal, sido rejeitado o recurso, já que se entendeu que acto em causa carecia de definitividade vertical, dela recorreu o impugnante para o Supremo Tribunal Administrativo (como esclareceu na alegação produzida, assim rectificando o requerimento de interposição de recurso, no qual referiu que o mesmo era dirigido ao Tribunal Central Administrativo).

Por acórdão de 23 de Outubro de 2001, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento ao recurso, determinando o prosseguimento dos autos.

Na sequência, foi lavrada, em 22 de Abril de 2002 e no Tribunal de Círculo de Coimbra, sentença que negou provimento ao recurso contencioso.

Inconformado com a mesma recorreu A. para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo, na alegação adrede produzida, formulado as seguintes «conclusões»: –

‘1.1. A douta sentença recorrida lavra num manifesto erro de interpretação e aplicação do disposto nos artºs 1º e 2º da Lei nº 27/98, de 3 de Junho, bem como no que respeita ao conhecimento da nulidade do regulamento da Comissão Instaladora da ATOC, de 3 de Junho de 1998, que veio subverter e revogar o preceituado naquele diploma, por vício de incompetência absoluta e usurpação do poder legislativo, além de que enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, por não ter conhecido daquela questão e ainda, entre outras questões, do vício de violação do princípio da igualdade, da boa fé e da responsabilidade pelas informações prestadas de que enfermam as disposições daquele Regulamento.

  1. O recorrente desde há largos anos que exerce a sua actividade como profissional de contabilidade, nessa medida executando a contabilidade de empresários individuais e de sociedades, bem como assinando as respectivas declarações fiscais.

  2. O recorrente sempre exerceu as funções de profissional de contabilidade sem necessidade de qualquer inscrição em qualquer associação ou organismo, por tal não ser legalmente exigível.

  3. Com a entrada em vigor do Dec-Lei nº 265/95, de 17 de Outubro, que aprovou o Estatuto dos Técnicos Oficiais de Contas, foi facultada aos técnicos de contas inscritos na DGCI, a possibilidade (e só esta) de se inscreverem na ATOC.

  4. O Dec-Lei nº 265/95, de 17/10 não salvaguardou o respeito pelos direitos adquiridos pelo recorrente, que exercia plenamente a sua actividade de profissional e contabilidade, (Técnico de Contas), sem que lhe tivesse sido exigida ou imposta a sua inscrição na D.G.C.I..

  5. Visando repor a legalidade e assegurar os direitos fundamentais tão grosseiramente ofendidos pelo Dec-Lei 265/95, veio a Lei nº 27/98, de 3 de Junho permitir, a título excepcional, a inscrição como Técnico Oficial de Contas, de responsáveis directos por contabilidade organizada, nos termos do Plano Geral de Contabilidade, no período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995.

  6. O recorrente exerceu durante mais de três anos, entre a data de 1 de Janeiro de 1989 e 17 de Outubro de 1995, e mais concretamente, demonstrou exercer durante mais de três anos, naquele período, as funções de profissional de contabilidade, como responsável directo por contabilidade organizada, nos termos do P.O.C., de entidades que possuíam ou deviam possuir contabilidade organizada.

  7. Deste modo, o pedido de inscrição do ora recorrente, na ATOC devia ter sido aceite, porque verificados os requisitos exigidos no artº 1º da Lei nº 27/95, de 3 de Junho.

  8. Todavia, não foi esse o entendimento da douta sentença recorrida que negou provimento ao recurso da deliberação de 13/08/98, da Comissão de Inscrição da ATOC (V. Doc. 1 junto com a p.i.), que recusou ilegalmente o pedido de inscrição do recorrente.

  9. O fundamento da recusa da inscrição, embora não sejam aduzidas razões concretas, aparentemente só pode fundar-se no disposto no artº 2º, nºs 1 e 2, do Regulamento da ATOC, de 3/6/98, que estabeleceu, arbitrariamente, que o exercício fiscal de 1995 não é legalmente relevante e que não serão tidos em consideração os exercícios cujas declarações tenham sido apresentadas após 17 de Outubro de 1995.

  10. O recorrente instruiu o seu pedido de inscrição com cópias autenticadas das declarações Mod. 22 do IRC relativas a três exercícios compreendidos entre 1 de Janeiro de 1998 e 17 de Outubro de 1995.

  11. Ora, porque, de acordo com o citado Regulamento, os exercícios compreendidos entre 1989 e 1994 não seriam tidos em consideração, se as respectivas declarações fiscais tivessem sido entregues após 17 de Outubro de 1995, estariam em falta documentos comprovativos do exercício da profissão por três anos seguidos, razão pela qual a ATOC recusou o pedido de inscrição apresentado pelo recorrente, recusa que a douta sentença recorrida, pese embora a frontal colisão com o disposto na Lei nº 27/95, considerou conforme ao disposto nesta lei.

  12. Todavia, o Regulamento ‘Executivo’ da Lei nº 27/95, de 3 de Junho, emitido pela Comissão Instaladora da ATOC e ‘assinado’ como nele se diz aos 3 de Junho de 1998, está ferido de várias ilegalidade, (incompetência absoluta, usurpação de poder, etc.), pelo que era dever do tribunal a quo desaplicá-lo, por contrário à Constituição e a lei de valor normativo superior.

  13. Com efeito, a douta sentença recorrida nem conheceu do vício de incompetência absoluta de que enferma o regulamento, geradora de nulidade, nos termos do artº 133º, nº 2., al. b) ex vi do artº 114º do C.P.A., já que a ATOC não dispõe, nem por via dos Estatutos, nem por via da Lei nº 27/98, de competência regulamentar, e, assim, de competência para regulamentar a matéria tratada na Lei nº 27/98, muito menos a Comissão Instaladora da ATOC, às quais as Portarias do Ministério das Finanças nº36/96, de 9/5 (D.R. II série, nº 108, de 9/5) e 61/96, de 1/7 (D.R. II série, nº 150, de 1/7/96) reconheceram tão somente competência para a prática dos «actos necessários para assegurar a respectiva gestão corrente» (nº 3 da Portaria nº 36/96, de 9/5).

  14. Tal Regulamento está também viciado de usurpação de poder, decorrente de incompetência, vício de que a sentença recorrida nem conheceu, igualmente geradora de nulidade, desta feita nos termos da alínea a) do nº 2., do artº 133º ex vi do artº 114º do C.P.A., na medida em que cabe tão só e apenas à Assembleia da República configurar restrições à liberdade de escolha de profissão, nomeadamente fixar a disciplina integral e estabelecer os requisitos de inscrição e de acesso às actividades profissionais – cfr. artº 165º, nº 1, alínea b) e artº 18º ambos da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que a douta sentença recorrida ignorou simplesmente tal facto, omitindo pronúncia sobre um vício da maior relevância, cuja procedência era, por si só, suficiente para acautelar os direitos do recorrente.

  15. Tais vícios, que afectam o Regulamento, afectam, na mesma medida, o acto impugnado nos autos, que também padece, todo ele, de nulidade, cognoscível, a todo o tempo, por qualquer tribunal, situação que a douta sentença recorrida ignorou.

  16. Acresce que o referido Regulamento, cujo intuito era complementar a Lei nº 27/98, ao invés de dispor ‘secundum legem’, permitiu-se inovar ‘contra legem’, derrogando, inconstitucionalmente, o regime imposto por lei.

  17. O Regulamento atenta directa e manifestamente contra o disposto no artº 1º da Lei nº 27/98, que permitia a inscrição de todos os profissionais de contabilidade que tenham sido responsáveis directos por contabilidade organizada ‘… desde 1 de Janeiro de 1989 e até à data da publicação do Dec-Lei nº 265/95, de 17 de Outubro …’, enquanto o artº 2º., nº 2. do Regulamento vem negar qualquer relevância às declarações fiscais compreendidas entre 1989 e 1994 entregues após 17 de Outubro de 1995, assim como ao exercício fiscal de 1995.

  18. E isto quando anteriormente, nomeadamente no ponto 1., da alínea c) do Regulamento da ATOC de aplicação do ponto 3 do Despacho nº 8470/97, de 16 de Setembro, do Ministro das Finanças, a ATOC definiu que o período decorrido entre 1 de Janeiro de 1989 e a data de publicação do Dec-Lei nº 265/95 compreendia, para efeitos dos três anos de actividade exigidos, ‘os exercícios de 1989 a 1995, inclusive’, sem exigir, à revelia da lei, a apresentação das respectivas declarações fiscais até 17 de Outubro de 1995.

  19. Violando-se, desta feita, não só o princípio da igualdade constitucional, previsto no artº 13º da Constituição da República Portuguesa, como também o princípio da boa fé (artº 6º-A do C.P.A.) e da responsabilidade pelas informações prestadas aos particulares (artº 7º, nº 2., [d]o C.P.A.), matéria que a douta sentença recorrida não conheceu, enfermando de omissão de pronúncia.

  20. Como não bastava derrogar a Lei nº 27/98, o Regulamento veio ainda criar ‘… normas definidoras de alguns conceitos …’ (V. Preâmbulo), pelo que se auto atribuiu, abusiva e ilegalmente, de competência para interpretar e integrar a lei.

  21. Com efeito, o artº 3º do Regulamento veio considerar que responsáveis directos, para efeitos do artº 1º, da Lei nº 27/98, eram tão só e apenas ‘… as pessoas singulares que assinaram como responsáveis pela escrita as declarações tributárias, quer o tenham feito em nome próprio, quer em representação de sociedade’, isto é, os afortunados que tenham tido a sorte de assinar as declarações tributárias quando nem a lei, nem os usos tal indicavam.

  22. O referido Regulamento procedeu também à restrição dos meios de prova à apresentação dos documentos referidos na alínea d) do nº 1., do seu artº 1º, violando...

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