Acórdão nº 594/05 de Tribunal Constitucional (Port, 02 de Novembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução02 de Novembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 594/2005

Processo n.º 296/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – A Câmara Municipal de A. reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal Constitucional, de não conhecimento dos recursos de constitucionalidade interpostos dos acórdãos prolatados pelo Tribunal da Relação de Guimarães TRG), de 15 de Outubro de 2003, e do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 13 de Janeiro de 2005.

2 – Fundamentando a sua reclamação, a reclamante desenvolve o seguinte discurso argumentativo:

QUESTÃO PRÉVIA

1. – A Requerente reconhece e compreende que há excesso de trabalho nos nossos tribunais, a todos os níveis: também aqui! É público e notório!

2. – A sociologia do direito demonstra o que é habitual ocorrer (o signatário fala, também, em nome de 37 anos de profissão):

a. – Raramente as principais “vítimas” da situação reclamam perante os titulares do poder político, exigindo condições dignas de trabalho: alargamento dos quadros; mais údiceias; mais e melhores instalações; mais apoio técnico; etc.

b. – Quase sempre as principais “vítimas” deste processo (que são os magistrados, funcionários) têm tendência para apreciar as questões postas de um modo formal, mais rápido, acabando as questões de fundo por não serem julgadas: até é mais fácil “resolver” o litígio!

3.- Mas, quando se chega a uma situação insustentável. Na qual tais “expedientes” não são suficientes para resolver problemas estruturais atinentes ao funcionamento do sistema judiciário, surgem outros “expedientes” do próprio legislador (encarecer a justiça, privatizar alguns dos seus aspectos, formas de justiça “administrativa”, etc.);

4.- nomeadamente facultando ao julgador a possibilidade de proceder a um julgamento … sumário (Ex: arts. 701º, nº 1 e 705º do C. P. Civil. Julgamento sumário significa que se tenha de FUNDAMENTAR a “evidência”,

a. – pois a celeridade da justiça não pode ser causa de decisões não motivadas,

b. – sendo certo que aquilo que será evidente para um, já não acontecerá para outro!

5.- De resto, não será pelo facto do Ex.mo Conselheiro Relator ter procedido a uma análise detalhada das duas questões em apreço que se justificará tal hipotética ….”evidência”. Quer dizer: o Ex.mo Conselheiro Relator não chegou ou a abordar a QUESTÃO PRÉVIA do julgamento sumário, incidindo, de imediato, na análise das questões de fundo que estavam em apreciação (mesma na versão de não conhecimento).

6.- Por isso, na forma como tal aconteceu, não era legítimo que o Ex.mo Conselheiro Relator decidisse não tomar conhecimento do objecto do presente recurso. De resto, não se pode presumir que estão confirmadas algumas das circunstâncias a que VITAL MOREIRA se refere em artigo recente – B. F . Direito – Volume comemorativo – 2003, pág. 841. Como o legislador, também entendemos que não se deve recorrer para este V. Tribunal como se houvesse uma 4ª instância normal. Mas não temos culpa da ocorrência da seguinte REALIDADE:

a.- Ao contrário do que alguns pretendiam (mera Secção no S.T.J.), o T. Constitucional justificou-se a si mesmo, por ter vindo dar resposta a uma necessidade específica, e pela qualidade das suas decisões.

b.- Pela sua composição, veio “quebrar” determinados “vínculos” corporativos existentes.

c.- O seu êxito manifesto poderá transformar-se no que é o “pesadelo” da justiça em geral!

II

7.- A Douta Decisão reclamada não tomou conhecimento do “objecto do recurso”, reportando-se naturalmente aos dois recursos de constitucionalidade interpostos pela Câmara Municipal recorrente: o do Acórdão do S. Tribunal de Justiça (recurso de fls. 1863 a 1864) e o do Acórdão do T. Relação de Guimarães (recurso de fls. 1775-1779).

8.- Não aceita, porem, a Câmara recorrente o decidido quanto a esses recursos, nem concorda com os fundamentos invocados na douta Decisão reclamada. Assim e por partes;

a.- O recurso do Acórdão do S.T.J. não foi mandado seguir pelo Juiz Relator para a fase seguinte das alegações, não se tomando, por consequência, dele conhecimento, pela simples e única razão de que a decisão a proferir em sede de recurso de constitucionalidade nunca “teria a virtualidade de afectar o teor da decisão recorrida”, não cabendo ao Tribunal Constitucional “sindicar o juízo aplicativo feito pelo Tribunal a quo”.

b.- Não se questionando o que diz o Juiz-Relator, na linha do entendimento constante do Tribunal Constitucional, acerca da projecção da decisão do Tribunal sobre o caso sub údice, havendo que entender, nessa medida, com a decisão recorrida (e a pronúncia não pode, e não deve, recair sobre “pleito puramente teóricos ou académicos”), a DISCORDÂNCIA, todavia, está na simples afirmação que consta da DECISÃO reclamada, de que atendendo “ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, onde, expressis verbis, se considerou que o Tribunal da relação do Porto não limitou o exame futuro da lide a uma única questão (a avaliação da parcela expropriada como terreno da RAN) tendo apenas o alcance de vincular os peritos à consideração de que a parcela expropriada que não integra a RAN tem de ser classificada como “solo apto para construção” e a parte que integra a RAN tem de ser classificada como “solo para outros fins”, isto seria o bastante para dar como verificado que “o critério legal em crise não foi, afinal, aplicado ao caso concreto, como ratio decidendi do juízo proferido”. Assim só e nada mais, não se retirando daí outra consequência.

- Para além da incompreensão do alcance a que se quer chegar com a consideração retirada do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, é bem verdade que a leitura deste Acórdão tem de ser outra e para a sua verdadeira compreensão deve atentar-se na CONSULTA que foi junta aos autos, conquanto sobre o mérito do recurso de constitucionalidade, sendo útil a sua leitura cuidada, mesmo numa perspectiva processualista.

- É que, e para encurtar razões que constam dessa CONSULTA, o Supremo aceitou que a decisão do Tribunal da Relação do Porto “conheceu de uma única questão” (a de saber se uma parte da parcela expropriada devia ter sido avaliada como solo para outros fins (ao invés de ter sido toda ela avaliada como tendo aptidão construtiva”)) e que o “alcance do caso julgado do acórdão da Relação no tocante à única questão tratada – como antecedente lógico da parte definitiva desse aresto – é o de vincular os peritos, na avaliação que efectuaram, e as instâncias, na determinação do montante da indemnização devido, à classificação a parcela de terreno expropriada segundo a apontada dicotomia, dependente da integração ou não na RAN.

- Mas, o mesmo Supremo numa aparente contradição aceitou também que os Peritos “vieram ao novo laudo maioritário indicar uma verba atinente à desvalorização das partes sobrantes”, ao contrário do que tinham entendido no laudo maioritário anulado, excedendo aquele alcance do caso julgado do acórdão da Relação do Porto, e tudo isto foi seguido na segunda sentença da primeira instância, ao arrepio desse acórdão, tendo depois a sentença sido confirmada, no essencial, pelo Acórdão da Relação de Guimarães, de 15 de Outubro de 2003 (e esta decisão foi confirmada também pelo acórdão recorrido do Supremo).

Ora, o Supremo, nesse Acórdão, moveu-se só no âmbito do CASO JULGADO, interpretando e aplicando as normas pertinentes do caso julgado e, nesta sede, menosprezou as decisões das instâncias relativamente, pelo menos, à matéria da hipotética desvalorização das partes sobrantes, aceitando a sua livre modificabilidade, a partir da alterabilidade das posições assumidas pelos Peritos, no novo laudo maioritário,

Isto não é um daqueles “pleitos puramente teóricos ou académicos”, antes é o eixo de uma questão normativa quanto ao alcance do caso julgado que, decisivamente, pode afectar o teor da decisão do Supremo. Assim, a decisão reclamada não pode manter-se por não ter tomado em consideração o eixo da questão normativa em questão.

Ora, ao contrário do que se refere no Douto despacho reclamado (fls. 11), no caso em apreço estava em causa a inconstitucionalidade da(s) norma(s) que constitui[u](ram) a ratio decidendi do juízo recorrido: pelo que a decisão a proferir e solicitada ao Tribunal Constitucional se projectará necessariamente sobre o caso “sub údice”, contendendo, nessa medida, com a decisão recorrida

Como é óbvio, repete-se, não estamos, aqui, perante uma espécie de “pleitos puramente teóricos ou académicos”: tal resulta, de resto, em termos inequívocos, do conteúdo do próprio Acórdão do S. T. Justiça. Salvo o devido respeito, chega a ser ABSURDO que se tenha entendido que naquele Acórdão se discutiu um “pleito puramente teórico ou académico”: não é verdade que a ÚNICA QUESTÃO apreciada pelo “Supremo”, a partir de uma lide concreta, com pedidos e causa de pedir específicos, foi a da inconstitucionalidade das normas invocadas, na sua dimensão interpretativa?!...

III

Também o recurso do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (recurso de fls. 1775-1779) não foi mandado seguir pelo Juiz-Relator para a fase das alegações, não se tomando, por consequência, dele conhecimento, pela única razão de se não poder ter-se por “adequadamente suscitada uma questão de constitucionalidade” e antes “a inconstitucionalidade foi imputada ao juiz decisório, resultante do processo fáctico-valorativo desenhado pelas instâncias”.

O JUIZ-RELATOR, depois de considerar que se apresenta “inútil dar cumprimento” ao nº 5, do artigo 75º-A, da L.T.C., dada “a inverificação de outro pressuposto do recurso” e é aquela falta de suscitação adequada da questão de inconstitucionalidade normativa no caso concreto – alongou-se numa “pedagogia” sobre aquele pressuposto, numa óptica processualista e formal, citando e transcrevendo jurisprudência conhecida do Tribunal Constitu...

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