Acórdão nº 474/05 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Setembro de 2005

Magistrado ResponsávelCons. Benjamim Rodrigues
Data da Resolução21 de Setembro de 2005
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 474/2005

Processo n.º 46/05

  1. Secção

Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

A – Relatório

1 – O Representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), da sentença proferida naquele tribunal, onde se recusou, com fundamento em inconstitucionalidade formal, a aplicação das normas constantes do Regulamento para Utilização das Redes de Esgotos do Concelho da Maia, editado em 27 de Junho de 1969, e homologado pelo Secretário de Estado das Obras Públicas, em consonância com o estipulado no Decreto-Lei n.º 31.674, de 22 de Novembro de 1941.

2 – O teor da decisão recorrida é o seguinte:

“A., (...) vem deduzir a presente impugnação judicial contra a liquidação da taxa de saneamento efectuada pela Câmara Municipal da Maia.

Para tanto alega em suma que:

- O Regulamento com base no qual a Câmara Municipal da Maia alega ter procedido à liquidação padece de inconstitucionalidade formal por não indicar a lei habilitante;

- Falta de fundamentação da liquidação;

- Preterição do direito de audição.

Concluindo pede que seja julgada procedente a impugnação e em consequência anulada a liquidação impugnada.

Notificada a Câmara Municipal da Maia para querendo contestar veio esta fazê-lo concluindo pela improcedência da acção.

Notificadas as partes para querendo alegarem, estas silenciaram.

Dada vista ao Digno Magistrado do Ministério Público para querendo se pronunciar, este absteve-se de o fazer por se encontrar esgotado o prazo para o efeito.

As questões que importam decidir nesta sede processual consistem em conhecer:

- Da inconstitucionalidade formal do Regulamento com base no qual foi liquidada a taxa impugnada;

- Da falta de fundamentação da liquidação;

- Da preterição do direito de audição.

Dos elementos existentes nos autos apurou-se a seguinte factualidade:

  1. Em 27/6/69 foi homologado por S. Ex.ª o Subsecretário de Estado das Obras Públicas as normas regulamentares para utilização das redes de drenagem de esgotos do Concelho da Maia, o qual consta de folhas 19 a 25 e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

  2. Foi remetido à impugnante o bilhete postal datado de 25/9/2001, para proceder ao pagamento até 31 de Dezembro daquele ano da quantia de Esc. 33.878$00, tudo conforme documento de folhas 7 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

    Não se provaram outros factos para além dos indicados supra.

    O tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos com base nos documentos indicados os quais não foram impugnados.

    Cumpre assim apreciar e decidir.

    O Tribunal é absolutamente competente.

    O processo é o próprio e não enferma de nulidades que invalidem todo o processado.

    As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legítimas.

    Não existem outras excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.

    Invoca a impugnante, com vista à anulação da liquidação impugnada, a inconstitucionalidade formal do regulamento com base no qual terá sido liquidada a taxa impugnada, por não indicar a lei habilitante.

    Estabelece o art. 115º, n.º 7, da Constituição da República Portuguesa que: “Os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.”

    Na esteira da norma citada se pronunciou o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 63/88, de 9/3/88, publicado no BMJ, n.º 375, pág. 163, o qual parcialmente se passa a citar:

    “É, pois, claro, face a este simples cotejo normativo, que abrangidos pela regra bidireccional do n.º 7 do art. 115º da Constituição estão todos os regulamentos, nomeadamente os que provenham do Governo (...), dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas (...), e dos órgãos próprios das autarquias locais (...). Todos esses regulamentos, de um ou de outro modo, estão umbilicalmente ligados a uma lei, à lei que necessariamente precede cada um deles, e que, por força do disposto no n.º 7 do art. 115º da Constituição, tem de ser obrigatoriamente citada no próprio regulamento.

    (...)

    Outras vezes, a lei a indicar é a que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão.

    (...)

    Na verdade, e em correcta análise do texto constitucional, escrevem, a este propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra citada, página 66:

    O princípio da primariedade ou precedência da lei é claramente afirmado no n.º 7 do artigo 115º,onde se estabelece: a) a precedência da lei relativamente a toda a actividade regulamentar; b) o dever de citação da lei habilitante por parte de todos os regulamentos carecidos de habilitação legal, mas também os regulamentos que, embora com provável fundamento legal, não individualizam expressamente este fundamento.

    [fim de citação]”

    Ora, face ao texto do regulamento indicado nos autos como tendo sido aquele com base no qual foi efectuada a liquidação, verifica-se que, do mesmo não consta a lei habilitante, pelo que é patente a inconstitucionalidade formal do mesmo.

    Há quem sustente relativamente a esta questão que, sendo o regulamento anterior à Constituição da República, sendo esta inconstitucionalidade meramente formal, não se aplica ao caso a inconstitucionalidade superveniente.

    Discordamos!

    A este respeito ensina Prof. Jorge Miranda em Manual de Direito Constitucional, Vol. I, Tomo II, pág. 637: «Quando qualquer lei ordinária ab initio contradiz a Lei Fundamental, ela fica desde logo ferida de invalidade, juridicamente incapaz de produzir os efeitos específicos que deveria provocar e incapaz de regular as situações da vida sobre que versa – seja qual for a sanção ou o valor jurídico negativo que se configure (inexistência jurídica, nulidade, anulabilidade ou outro) e que depende de razões de ordem política e do funcionamento dos mecanismos de garantia. O mesmo já não acontece com a lei que fica sendo inconstitucional num momento subsequente ao da sua produção, por virtude de novo princípio ou norma da Constituição; mas no momento da entrada em vigor deste princípio ou norma, tal lei ordinária automaticamente cessa a sua subsistência, embora o evento tenha ou não de ser declarado pelo órgãos competentes.

    II – É esta distinção que parece estar presente nos artigos 115º e 293º, nº 1, da Constituição Portuguesa.

    O artigo 293º, nº 1, dirige-se, assim se salientou, a normas as normas de Direito anterior que se mantêm em vigor desde que não contrariem a Constituição ou os princípios nela consignados; já o artigo 115º se dirige a actos actos do Estado, das regiões autónomas e do poder local, nomeadamente leis e a sua localização entre os princípios gerais de organização do poder político mostra bem que tem em vista apenas os actos praticados pelos órgãos instituídos pela Constituição. Enquanto o art. 293º cura a vigência, o art. 115º trata da validade: aquele permite que o Direito anterior subsista, como que novado, quando...

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